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quinta-feira, 31 de maio de 2012

ISSO NUNCA VAI PASSAR, TUDO VAI PERMANECER AQUI

Eu fico impressionada como a forma como vemos as mesmas coisas passam a mudar conforme vamos amadurecendo e ganhando novas experiencias, e também fico perplexa com coisas que de fato eu gostaria que mudassem mais permanecem em mim da mesma forma.

Falo de forma como vemos a vida e associamos nossos valores ao passar dos anos.  Lembro de meus preconceitos aos 15, 20, 30 anos e como eles foram se refazendo. Tipo: tatuagem, mãe solteira ou produção independente, e forma alternativa de vida, comida, etc. Mas também outras idéias mais complexas sobre Deus, percepção de quem de fato é fiel aos princípios e como a vida adulta e os valores são relativos, ou de como o dinheiro muda o humor, compra posições, define relacionamentos, ou de como ser sincero e verdadeiro está tão próximo de calar sobre o que pensa. A gente vai crescendo e o nosso olhar sobre as coisas vão  mudando.

Mas com certeza algumas coisas não  mudaram com o passar do tempo.  Não consegui mudar forma de reação diante de problemas da vida. Calar-me e isolar-me ainda é a melhor forma de digerir todo o caos que se apresenta. Queria ter aprendido a dizer o que penso de fato as pessoas quando me magoam, resolvi resolver sozinha, talvez tenha ensinado isso a Rafa, não sei. Sei que com ele me abria, e ele sabia ouvir, ficava calado e depois em doses homeopáticas dizia o que pensava e achávamos um jeito de agir.

Penso em tudo que guardo no peito por conta dessa dor da perda. Passaram-se 12 meses, 01 semana e 2 dias. E tudo continua do mesmo jeito, talvez pior. Não sei se espalhar fotos pela casa, ou recolhe-las todas muda alguma coisa aqui dentro. Não sei se não entrar no quarto dele, como hoje, e entrar todos os dias, muda alguma coisa aqui dentro. Embora eu precise entrar ainda todos os dias, e em alguns deitar e abrir o guarda-roupa, tocar nos livros, ligar o ar e a tv, deixar a porta aberta, imagina-lo saindo do banheiro enrolado na toalha ou trazendo o copão da cozinha com água, suco ou refrigerante.

Hoje eu vi um filme, depois de passar o dia inteiro na cama, sem levantar nem para banho. Por que? Tentando não ir no quarto, tentando arrumar o horário do sono, tentando fugir de tudo. Tudo apagado, escuro, janelas e cortinas e la pelas oito da noite, não consegui...a sinopse do filme, um casal que perde o único filho num acidente e tentam recomeçar.   Não lembro o nome. Comecei a assistir...percebi que havia assistido o filme em 2010. Ainda com Rafa fazendo parte ativamente de meus dias. O filme me emocionou demais, naquele período. Mas eu não conseguia me colocar no lugar daquela mãe. Lembro que na época eu chorei demais, e Rafa tirou onda, afinal segundo ele, eu choro com vale a pena ver de novo de novela das seis.

Hoje, me via naquela mãe. Naquelas mães, porque a mãe da protagonista também tinha perdido um filho e fala da sua experiencia, e no filme há um grupo de pais que se encontram semanalmente, e eles falam sobre as perdas.  Num dado momento me via ali. Meu período de revolta, quando as pessoas diziam que Deus precisava de Rafa e eu pensava, mas Ele é Deus pode ter quem quiser, pode até criar outro melhor do que Rafa, porque o meu Rafa. Ou quando as pessoas falavam que Deus chamou e ele era um anjo, e eu pensava, pois é mais Ele é Deus poderia criar e ter qualquer outro anjo, não o meu.  Depois a fase de não querer nada com Deus e com a igreja, de interroga-lo sempre, e depois a fase de buscar Nele o consolo. Essas fases não são continuas, acaba uma começa a outra, para mim elas eram concomitantes, dias mais próxima dias mais distantes de Deus. Dias só O questionando, dias interrogando, mas sempre tentando Nele achar uma resposta, um remédio.

Não chorei hoje ao ver o filme. Mas choro todos os dias. Nestes 12 meses, 01 semana e 02 dias, só não chorei no Natal e nos dias que dormi mais de 24 horas, porque se o sono era quebrado, começava num dia e avançava no outro, com certeza chorei a ausência de Rafael.  

Tem uma parte do filme, num diálogo entre  filha e mãe - e ambas tinham perdido seus filhos, a primeira há 08 meses, seu filho único de 04 anos atropelado na porta de casa, e a segunda há 11 anos, um filho com 30 anos de overdose - enquanto embalava as coisas do quarto do filho e as colocava no porão da casa, a filha perguntava para a mãe se aquilo que ela estava sentindo no peito, se aquilo passava. E se referem a "isso", e eu sei o que é "isso" e falo disso todos os dias. E a mãe responde, não, não passa, não passou em 11 anos. E fala que muda, mas não passa.

Não passa e fica cada vez pior.

No filme, depois de quase venderem a casa, quase se separarem, o casal trava um dialogo ao fim do filme, bem pratico tipo, e o que vamos fazer? E descrevem coisas praticas, tipo comprar o presente de alguém, e depois? Embrulhar. E depois? Chamar as pessoas aqui em casa. E depois? Falar de tal coisa, mostrar que temos interesse em saber, mesmo sem ter. E depois? E vão planejando um tarde com pormenores depois e o filme acaba quando eles não conseguem mais planejar aquela tarde...

Sabe o viver um dia de cada vez. Ontem eu planejei que hoje eu ia ao banco, ia fazer umas coisas e decididamente ia tirar a sala da minha cozinha. Hoje...eu não sai da cama. Tem isso também...o e depois se arrasta. 

Isso não passa.




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