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terça-feira, 31 de julho de 2012

UMA FINA CAMADA

Sabe aquelas cenas de desenho animado, onde o lugar era um rio, uma lago, uma lagoa qualquer e por conta do frio e da neve, forma-se uma cobertura de gelo sobre aquela água e a gente ao olhar imagina que esta tudo assentado, aparentemente assentado, mas que ao pisar se corre risco e essa é a graça do desenho, alguém que cai ali.

Pois é todo mundo sabe da cena que falo, mas ninguém que eu conheço viveu isso.  Todo mundo que conheço que foi usufruir de viagens em lugares que nevavam, brincavam com  a neve, aventuraram-se, esquiaram, fizeram bonecos de neve, mas desconheço alguém que tenha caído em uma superfície assim, que por fora aparentava segurança e estabilidade e que quando nos aproximamos ele se altera e nos faz cair.

Eu me sinto assim.  É como se o mundo tentasse produzir essa camada fina de gelo sobre o rio de minhas lágrimas.  E querendo encimentar o que sinto o mundo vai provocando, à  sua própria forma, uma maneira de não entrar em contato com  a minha dor.  Enaltecendo e estimulando aquilo que está superficialmente demonstrado, o mundo aprova o recomeçar, e aposta no tempo e em conselhos de psicoachismos para impulsionar a construção desse piso fundamentado em argumentos tão fracos (remédio enfim fez efeito e editei a partir daqui...isso pode ser uma forma de encimentar do mundo...não dorme ainda, aumentemos a dose de remédio, aí ele nos apaga no meio da tarefa, independente de nossa concentração).


Então as pessoas vão exigindo de voce outras posturas: parar de usar camisas, retomar a vida pessoal, namorar, afinal seu filho morreu mas voce não, ontem eu ouvi uma pessoa no trabalho me abraçar e dizer que isso me fez bem porque estou mais magra, e até agora não entendo se me fez bem voltar a trabalhar e ela acha que em 10 dias a gente seca ou se ela cogitou a possibilidade de que a morte trouxe uma coisa de positiva, eu emagreci? 


A gente vai ficando com raiva do mundo e colocando a fina camada em uso. Criamos uma barreira, ninguém precisa nos ver daquele jeito (por isso fico muito em casa, o lugar mais protegido do mundo, porque aqui o gelo não esconde as águas profundas de minha dor).  O mundo nos machuca, nos fere de um jeito que não suportamos ter contato com ele, embora ele pense que porque porque fazemos determinadas coisas para não sucumbirmos ao nosso próprio vale de lagrimas - escovamos o cabelo, usamos um batom (ainda não aceitável para mim), vestimos uma camisa colorida, cantarolamos alguma música ou estamos num restaurante, na mesa mais reservada que ele tiver com um casal de amigos, ou colegas da igreja, ou parentes que chegam de viagem, ou porque viajamos para fugir da realidade - estamos de fato bem. 


Infelizmente não é assim. Não deixei de chorar um único dia a perda de Rafa, e os dias que consigo fazer mais coisas perto da normalidade de sair e me expor em publico, são os dias que mais dói voltar para casa, porque meu buraco continua ali, cheio de água gelada pronto para me sufocar.


Eles vêem a superfície por fora, plana e aparentemente estável, a gente sabe que a fina camada ali depositada ao cair nos leva bem fundo na nossa dor.




segunda-feira, 30 de julho de 2012

ONDE ESTA VOCÊ AGORA?

Tanta coisa para começar...tanta coisa por fazer...tanta coisa a ser dita, medida, calada, transgredida.

Tantas vezes quis correr, fugir, sumir. Rafa, quantas vezes quis correr ao teu encontro, quis explorar cada pedaço de mim, quis mergulhar nas lembranças para submergir em você.

Tanta coisa, tanta gente, quantas vozes...e o seu silencio me gritando filho. E essa jaula de dor que nos cerca e nos prende. Como ser leve com essa algema de saudade? Como crer que passa, se desacreditamos de tudo, de mim, de você...da vida.

Eu queria sair para te encontrar, sair para te ver, ou quem sabe ficar e te esperar, mas por onde começar, por onde?

Ter certeza que não volta é tão assustador e doloroso como querer  te buscar, e as duas coisas funcionam concomitantemente, e eu sinto, sinto muito, ficar dividida entre as duas coisas porque se por um lado a cabeça entende, o coração não aceita e por outro a razão justifica a desnecessidade disso tudo e o coração se compadece da razão, porque ela deixou de ser exata e passou a ser humana.

Como me convencer que isso era o que tinha que acontecer. Como me convencer que mães ficam sem filhos, e que vivem, e que andam, e que trabalham, e que dormem, e que comem, e que riem sem culpa, e que sonham em ser felizes, e que dor vira saudade branda, branca e de paz?

A pergunta que não cala nunca: onde está você agora?  Como vivo sem você? Meus braços precisam de seus abraços, eu preciso de seu beijo para respirar, não sei se sabia filho, mas meu ar passava por sua vida, sem ela me falta inspiração para continuar. Você era o sopro de vida de Deus para mim...tá doendo filho, tá doendo.

Hoje eu cozinhei pela primeira vez um almoço para sua amiga. Fiz as três refeições. Arrumei a mesa, e sentei em seu lugar...mas não tinha seu copo, sua xícara ou seu prato, não tinha você. Em seu lugar, alguém que não se vê no espelho, porque não se enxerga insistindo em te ver cada vez mais e mais, eu ocupei o seu lugar a mesa, e olhava sua amiga e desejava te ver ali conosco.

TEM COISAS QUE NÃO SE ACOMODAM

Eu tinha um lado da cama.

Não sei se todo mundo é assim e tem costumeiramente o lugar a mesa, o lado da cama ou a ordem de colocar as toalhas se dividir o mesmo banheiro.  Não sei se isso é universal, mas eu sempre acomodei algumas coias para fazer da rotina um aliada em minha vida.

Quando se é casado, eu sempre imaginava que o marido deveria ficar do lado mais próximo a porta, a fim de proteger a esposa de qualquer perigo, etc. Loucura de minha parte achar que se acontecesse algum perigo, o lugar ou lado da cama destinada ao marido era suficiente para protege-la, mas era bonito pensar assim, e assim foi feito.

Assim que me separei, passei a dormir com Rafa numa cama de casal, e eu virei o marido da relação. Eu dormia no lugar que dava acesso mais rápido a porta e o protegeria de tudo que eu pensava que poderia acontecer.  Fiquei acostumada ao lado direito da cama, e Rafa sempre a minha esquerda.  Por conta do ombro direito operado posteriormente, era comum eu dormir por cima do ombro esquerdo, uma vez que o outro já incomodava. E por conta disso, dormia virada para Rafa, e ele sempre muito, muito carinhoso e chameguento, não me deixava em paz ate dormir.

Eu não precisava procura-lo durante o sono. Alguma parte de seu corpo estava alinhado, entrelaçado, ou empurrando outra parte do meu.  E ficamos assim por quase tres anos.

Quando nos mudamos, eu tinha necessidade de que Rafa se habituasse em seu quarto só para ele, e em sua cama. Engraçado que mesmo ele curtindo a privacidade, ele sempre pedia para dormir em minha cama, e eventualmente eu deixava.  Nesta época ele sempre ficava do meu lado esquerdo, independentemente da posição da cama no quarto. A gente tinha acomodado isso. Era comum meu visitante se mudar de mala e cuia, aqui de travesseiros e coberta para minha cama, em vésperas de minhas viagens ou quando eu chegava, quando ele ficava doente, ou quando a programação do cinema em meu quarto prometia... difícil convence-lo a dormir em seu quarto.

Com o segundo consorte, ou má sorte minha, eu voltei para o lado esquerdo da cama e Rafa perdeu o acesso a cama para dormir, com exceção de quando a vaga estava disponível, ele nem perguntava já vinha e se apropriava ou insistia muito para eu dizer qual a noite que ele podia dormir.  E mesmo assim, ele ainda ficava do meu lado esquerdo.

No inicio eu nem conseguia ficar na cama, mas com o tempo fui percebendo que não conseguia mais dormir do lado esquerdo da cama, ali era a sua vaga Rafa, disputada em minhas noites de solidão e em nossos passeios cinematográficos.  Coloco as almofadas na cama, formando um corpo e para simular o rosto, ponho sua almofada do meu quarto, uma que aparece só eu e você.

Antes vestia no travesseiro uma camisa sua, mas ficou impraticável dizer que ela lembra seu cheiro hoje, pois meses a fio sem lavar e suportando todo o meu choro, toda a angustia e toda a falta que a madrugada me faz lembrar de você.

Parece que vestir travesseiros com camisas de filho, não é uma prática exclusiva minha, já fazia isso com você pequeno, quando viajava a trabalho e levava uma camiseta sua e vestia em seu travesseiro de bebe, mas eu sempre voltava, e você me esperava de braços abertos.

Tem 01 ano e dois meses que quero voltar para encontrar seus braços, as coisas nao se acomodam, e seu lado da cama continua vazio.




EU ME SINTO SEM DIREITOS

Uma semana de trabalho. Como os dias se arrastaram. Não foi como a gente esperava, não  trouxe a rotina do sono, não preencheu meu tempo, não me deixou parar de pensar em Rafael nenhum só segundo e consideravelmente é o lugar que menos me sinto bem. Mas querer se sentir bem depois que perde um filho, independe de lugar e ocasião. Sei que é um dever de todas as mães, procurar de alguma forma sair desse buraco, mas é como se não sentíssemos que temos esse direito.

Ontem uma pessoa me perguntou sobre a minha família, e eu na hora tenho vontade de responder. Qual? Quando a gente tem filho, a família da gente são nossos filhos, o marido, etc.  Quando a gente não tem a gente mesmo morando sozinha tem os pais como referencia de sua família.  Mas quando a gente, perde nossos filhos, por mais próximo e companheiros que seu núcleo familiar lhe seja, você se sente despatriado.  Eles não falam a sua língua, a língua dolorosa da mãe que questiona, indaga, muitas vezes murmura e lamenta, e clama e chama pelo filho todo o tempo. Tampouco conhece seus costumes, porque só você sabe os que deixou de fazer porque ele não está ali, ou os que continua fazendo e ninguém entende o motivo.

Logo no inicio, eu tinha a necessidade de desmanchar a cama de Rafael todas as noites para depois, que passa-las em claro, refazer. Esticar a colcha ou edredom (apesar do calor do nordeste, era comum ele colocar o ar condicionado no limite permitido pela regra daqui de casa, e ficar todo coberto, empacotado no edredom), porque ele me enrolava ao fazer a cama todas as manhas...ele dobrava de qualquer jeito a coberta e a escondia com o edredom, quando eu reclamava ele dizia, mainha para que forrar a cama, a noite vai desarrumar mesmo...e assim fomos indo ele tentando desdobrar e eu vez em quando fiscalizando o mal feito.

Sem Rafa por perto, eu fui me afastando de minha família, porque me incomodava qualquer tipo de manifestação de volta da vida ao normal para eles.  Não que eles não tenham esse direito, tem e deve. Não que não sintam, sei que sentem. Mas eu não consigo ver. As vezes me incomoda ate a alegria de pessoas que amo e que merecem o que conseguiram ou galgaram. É tão horrível sentir-se mal porque a vida volta ao normal para as pessoas que você ama, tanto quanto porque a vida não volta também.  É assim, eu ficava preocupada e muito abalada  por todo mundo que me cercava chorando a falta de Rafa, mas também ficava por quem não sentia ou voltou rápido as atividades.

Lembro que ano passado, um mês depois do falecimento de Rafa, amigos dele e meus irmãos foram para as festas juninas. Eu fiquei me controlando para não dizer um monte das besteiras que pensei, e com a mesma força pensava que bom que eles conseguiram. Passou-se um ano. Minha reação é a mesma. Como pode?  Parece que para as mães, mesmo que a gente ache graça de determinada piada e mesmo que nós consigamos rir, tem uma hora ali no meio do riso que a gente se pergunta porque estamos rindo. Como podemos rir e nos dizemos intuitivamente para nos olhar no interior e a vontade de rir passa e vem uma culpa tremenda.  Pelo menos comigo isso é recorrente e algumas mães que me ouviam falar disso, disseram que também se sentem assim.

Se me sinto assim na família, imagina no trabalho. Onde as pessoas tem menos relações e se envolvem afetivamente bem menos, então falar do que se curte ou do que se faz, ou do aniversário, do jantar, da festa, da viagem, da comemoração, do noivado, da formatura, do neto que nasceu, e de toda a gama de atividade que os filhos ou sobrinhos fazem, me dão náuseas. Queria gritar e dizer hei... não quero saber, entenda que isso não valeu para mim.  Eu quero falar de morte, de enterro, da ultima semana, do que ele fazia, do que ele gostava. Eu quero falar dele. Mas na hora que eu sentir vontade. Não quero te dizer as ultimas palavras, ou o que de sobrenatural eu senti, ou se ele teve ou não premonição d e vai morrer, ou as inúmeras besteiras que temos que ouvir para saciar a curiosidade alheia.

Se as pessoas tão erradas? Não, a gente é que perdeu o direito de continuar...é assim que nos sentimos.

Ninguém entende. Minha família acho que não me compreende na maior parte do tempo. A forma que achei para lidar com isso foi me isolando. Eu m isolei, eles também. Continuamos nos amando, embora longe, apesar de morarmos no mesmo bairro, e na mesma quadra. Restaram os poucos que não desistiram, que apesar do meu isolamento insistiram e quando eu entro no meu cativeiro não se surpreendem e quando saio dele não me julgam, apenas me ouvem e me deixam falar de Rafa, meu choro não incomoda, minhas camisas não machucam, minha incapacidade de retomar a vida não os frustram e apesar da leveza que adicionam aos meus dias,  choram muito a minha dor.

Família, hoje eu falo da minha.  Rafael era louco pelos tios. Por Sidney verdadeira adoração, por Fefe um cuidado e um amor, por Lícia,  era fã. Quando Lícia viajou para Juiz de Fora a primeira vez com uns seis, sete anos, Rafa sentiu tanto que quando ela voltou ele passou a chama-la de Tia e a pedir a benção (eles só tinham três anos de diferença). Minha irmã tem um humor refinadíssimo e tinha um fã incondicional. Ela o chamava de chato e de porre, e declara a falta que sente dele quase sempre. Dos avós meu Deus...o avô Roberto dele, era admirado, amado, Rafa cresceu fazendo massagens em Roberto e sendo muito mimado. Algumas vezes que viajei com minha mãe para cuidar de doença da família, Rafa podendo ficar com o pai, dizia que queria ficar com o avô. Eles se davam super bem, não penso no avô que meu pai não foi, porque sei o avô que Rafa teve. E minha mãe...Rafa justificava tudo que eu reclamava a ele que minha mãe não ia gostar ou querer, dizendo tenho sim mãe o direito, vó é mãe dos vezes, então minha vó vai fazer, vai dar, vai querer...e cresceu dizendo isso a ela...vó é mãe duas vezes.

Esse fim de semana, uma prima minha estava aqui em Aracaju. Família próxima, crescemos juntas, temos igualmente como diz ela 29 anos (ela subtraiu 10 anos e acha que todo mundo engole...vou registrar aqui que não), mas nossa diferença de idade é de 01 ano.  Não sai com ela, não fui aos pontos turísticos, aos restaurantes que gostávamos, a orla, aos shows, ou  ao Saco (onde fica a casa de praia da família, onde Rafa passou suas ultimas horas). Não consegui fazer nada disso. Ela retorna para casa hoje. Apesar de todos os direitos que as pessoas tem, as mães que perdem filho, continuam se sentindo sem direitos.


domingo, 29 de julho de 2012

CONTINUA TUDO FORA DO LUGAR

Ontem depois de achar aquela foto na carteira, eu tive uma vontade enorme de ir para um lugar que ainda não tinha ido desde que você se foi, queria comer o que você comia, e queria estar forte, falar de você, até para o garçon se fosse preciso. Acho que eu precisava falar de você, precisava de um ouvido, independente da compreensão e da capacidade de ouvir do outro.

Era como se as camisas, a tatuagem, o pingente, o anel, e tudo mais que uso para falar do que sinto, não fosse suficiente para dizer que ontem eu só queria falar de você.

Consegui ir, mas parece que nestes dias você dá um empurrãozinho. Não fui só, você juntou gente, gente que te conhecia e falei de você. Pedi seu prato, que foi muito disputado, um sucesso, eles não conheciam. Arrisquei ate na sobremesa.

Andei o dia inteiro cheia de mim mesma, consegui filho.  

Cheguei em casa, continuava tudo fora do lugar.  Sua falta latente, sua ausência por inteiro, o sabor daquele sábado, não foi suficiente para acalmar o resto da madrugada.

E hoje, Rafa, continua tudo fora do lugar, aqui em casa tem um vazio, e eu tão cheia de você. Saudades filho...

sábado, 28 de julho de 2012

COMO DE COSTUME

Como de costume Filho, todas as vezes que limpo nossa casa, em especial o meu quarto, eu sempre limpo o seu, como fazia quando você o preenchia.

Como de costume Rafa, limpo nossos banheiros  e troco suas toalhas, priorizando sempre aquelas que tem seu nome bordado, ou as que você mais gostava de usar, independentemente delas sequer terem sido tocadas durante as semanas.

Como de costume meu Xeberel, deixo aquele cheirinho em toda casa, mesmo você não estando para reclamar e espirrar por conta da alergia, mas depois que ele passava, você sempre gostava do cheiro que ficava e perguntava se eu coloquei em seu banheiro.

Como de costume meu amor, ainda abro a porta de seu guarda-roupa só para ter a sensação de que vou achar uma baguncinha nas roupas que foram passadas ferro e que você ainda não guardou. Embora, você tenha deixado tudo no lugar, eu ainda preciso abrir só para ter a sensação que nem tudo ficou vazio.

Como de costume minha razão de acertar, eu ainda vejo o balde de roupa suja aos sábados, para adiantar a lavagem das roupas, mas não tenho com quem reclamar porque tem muita roupa suja, eu preciso esperar semanas filho para conseguir a quantidade necessária de roupas brancas, coloridas e pretas que justifiquem o uso da máquina. Nestas horas fecho aquele balde sempre com os olhos mareados.

Como de costume minha razão de viver, eu ainda futuco suas coisas, como eu fazia antes, para ver se achava qualquer coisa, só para esperar você me dar a bronca perguntando o que eu procurava ou se eu tinha perdido alguma coisa, falo isso com riso nos lábios. As vezes fazia só para ver você me dizer, mãe se precisa de alguma coisa me peça, como eu fazia com você. Sinto falta filho.

Hoje saí do costume.

Fui limpar seu criado mudo. Ainda não permito que ninguém limpe seu quarto. Não admito nem que Neide, quando eu chamo para me ajudar, e que quando vem ainda chora ao passar pela porta dele, nem ela eu admito que entre. Seu quarto ainda é mantido com as suas coisas no mesmo lugar que deixou. Eu só coloquei novos quadros, as almofadas com suas fotos para ele não ficar tão vazio quando eu entro. Tenho a sensação de que você é real com elas em cima de sua cama.  

Ao retirar as coisas de cima do criado, resolvi abrir sua carteira. Não a que você portava no acidente, essa não sai do lado de minha cama, e até uns dois meses atras, ficava na minha bolsa, enrolada em um papel de seda para todo lugar. Eu a abria com frequência. Olhava minha foto 3x4, a de seu pai, seus documentos, alguns cartões de visita, seu plano medico e aquela foto sua pequeno no capô do chevette preto, atravessando a balsa do Rio Sergipe.  Amamos aquela foto, lembra?

Pois é filho, não sei porque, abrir a carteira de seu criado. Nada dentro dela, apenas uma foto. Eu e você.  Tudo fora do lugar depois disso, como fora do costume desde que você se foi.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

QUANDO A MORTE SE FAZ VIDA

Durante todo o tempo do meu dia, eu penso na morte. Eu vivo muito isso ainda. Pelo vazio que restou, pela ausência física de meu filho, pela solidão, pela tristeza.  Tudo é muito morte, tudo é muito morto.  

Nesta caminhada tenho conseguido dar as mãos a algumas mães que também atravessam seus desertos de sequidão. Desertos do vale da morte.  Há uns meses, uns três, quatro, eu não admitia falar morte, ou filho morto,  ou morreu. Eu usava tantos sinônimos para me referir a sua ausência, menos a morte.

Eu não me permitia pensar na morte, eu pensava na perda, eu pensava que isso nunca seria reparado, mas em morte, não. Doía fundo. Falar da morte então. Nunca, e digo NUNCA dei detalhes a ninguém sobre a morte de meu pai. Fui a unica a ve-lo saindo do mar ainda de pé, olhando para o infinito. Eu tentava me encontrar no olhar dele que ja nao tinha foco. As duas contas verdes dos olhos dele se misturavam no horizonte perdido da morte que se instalava.

A primeira vez que pensei friamente na morte de Rafael, meu estomago embrulhou. Meados de outubro para Novembro de 2011, vendo o processo com as fotos de Rafael e o laudo técnico. Era diferente do óbito, não era um pedaço de papel, meu filho ali estendido era o retrato, a concepção da morte, até então tão abstrata, embora a consequência dela tão real em minha vida.


Hoje ao conversar com algumas mães, quando falamos, hora do óbito, causa do óbito, circunstancias do óbito. Ou meu filho morreu, quando meu filho morreu, depois que meu filho morreu. Eu pronuncio essas coisas e não é natural, é como se arrancassem de meu estomago cada letra pra formar essa palavra. Não é entendível dizer que estão mortos se vivem desse jeito dentro da gente.  Quando as pessoas dizem que tem a sensação de que eles vão voltar , vão abrir a porta a qualquer momento, etc.  Eu digo sempre que não tive a sensação, mas tenho o desejo de que isso aconteça todos os dias, era como se eu desejasse um antídoto para que as letras que formam a palavra morte não pudessem ser pronunciadas.


E nestes meus devaneios, eu sempre penso, na morte mas do que o que eu desejaria, e assim pensar na morte se mistura em pensar na vida, na vida que Rafa deixou para trás, e na minha que não segue em frente.

EU ME SENTIA PROTEGIDA E VOCÊ ERA APENAS UM TICO DE GENTE

Sabe aqueles dias de nostalgia, em que você fica lembrando saudosa do passado. Que você lembra da casa que passava ferias em sua infância, da sobremesa que faziam particularmente para você, dos brinquedos especiais. Basicamente, dias que você respira o passado, hoje foi um desses dias para mim.

Inicialmente um choro sufocado, muitas publicações sobre Rafa, muitos comentários madrugada afora. É intrigante porque nos dias que mais sinto falta dele, e necessidade de falar dele, de dizer sobre ele, tem dias me pego falando com as fotos, com as coisas dele, nestes dias, muitas pessoas parecem estar na mesma sintonia, pois me ligam, ou me encontram ou conversam entre eles e aquela conversa chega aos meus ouvidos. É como se em alguns dias sentíssemos uma saudade coletiva e precisamos desabafá-la.

Em dias assim eu acabo me dando conta de coisas sobre Rafa que nunca tinha lembrado e pensado. Hoje me dei conta de duas destas coisas, e em ambas a capacidade de Rafa de fazer o que me deixava feliz, de ser meu companheiro e de me agradar acima de qualquer coisa.

Primeiramente lembrei de logo que fomos morar sozinhos. Ele tinha uns 09 para dez anos. E eu já tinha 03 anos separada e durante esse tempo moramos, eu e Rafa, com a minha mãe e irmãos. Assim que fomos morar sozinhos, experimentamos muitas coisas juntos até definir nossa própria rotina. A essa altura eu já não dava aulas numa faculdade no interior do Estado aos sábados, e tínhamos dois dias inteiros só para gente.

Eu tinha uma sede de conhecer tantas coisas mas tinha um filho menor, que eu carregava para todo o canto. Lembro de uma fase em que eu queria conhecer uns rios ou cachoeiras no interior, e lugares que eu nunca tinha ido, porque não eram prioridade em minha família, sei lá. Tipo pontos turísticos do Estado, que distavam no máximo 2 horas e meia da capital, mas que eu nunca tinha visitado. Ilha do cabeço, Ilha do Ouro, foz do São Francisco, Serra de Itabaiana-SE. E nesse período a gente tinha muitos compromissos na igreja, e eu aproveitava nossas férias assim, fazendo esses passeios, muita praia todos os dias, muito cinema, muita saída com as amigas e Rafa, além de Salvador e Maceió que eram próximos, ou Natal que fomos uma vez porque eu tive um trabalho por lá e o levei.

Eu só hoje me dei conta de como Rafael era parceiro, porque naquela época eram uns passeios de índio, eu colocava um isopor no carro, nem sabia direito como chegar, não avisava a ninguém da família, e saia cedo com Rafa, geralmente em nossas ferias de julho ou janeiro, e íamos sozinhos desfrutar esses lugares. Estrada ruim, segurança alguma, na época nem o celular funcionava em todas as localidades, Rafael era um menino franzino que se furasse o pneu do carro não saberia nem me ajudar a trocar. Mas eu me sentia como a mulher mais segura do mundo, e só hoje me dei conta de como me sentia protegida ao seu lado. Não tinha tempo ruim com ele.

Fomos para lugares sem estrutura, me perdi em alguns estradas ou o que achávamos era bem diferente da propaganda que eu fazia para ele, mas ele era companheiro e de tudo fazia piada. 

Meu Deus como a gente se entendia, do nosso jeito, da nossa forma, mas era assim. Dias era um trabalho sair no horário, dava uma canseira acordá-lo, e em outros ele que cuidava do isopor da arrumação do carro e não dormia enquanto eu dirigia. Lembro que uma vez a gente fez um bate e volta de tão ruim o lugar, mas Rafa fazia amizade na praça da cidade, na praia, no rio, com gente que passava de cavalo, de bicicleta, ele era de fato especial demais.

E pensando nisso, na capacidade que ele tinha de me acompanhar, para tudo que eu inventava, teve uma fase, até que não fossemos apenas nós dois, em que Rafa era minha companhia para todas as minhas atividades sociais. Ele me acompanhava em todas as recepções, chá de bebe, saídas com alunos da faculdade, inauguração de qualquer coisa, visita a qualquer amiga, salão de beleza com procedimento demorados, e todos os médicos. 

Não tinha papo de mulher que Rafa não soubesse, e se comportava como um homem. Tinha caráter e descrição. Sempre meu amigo. Na fase das saídas com Dea, Iandra e Dea Acusada (apelido que ele amava a história e improprio para o comentário no momento), eu era a unica das amigas que tinha filho, embora duas das outras também divorciadas, Rafael nos acompanhava em tudo. E palpitava...como palpitava.

A segunda coisa que me dei conta hoje, era de como meu filho anulava seu próprio gosto para me agradar. Eu sou fanática por coca-cola zero, mas não conheço ninguém que goste como eu, aliás, minha chefe também gosta. Na minha roda de amigos, nenhum deles aceita dividir a coca zero, sempre que pedem eu tenho que tomar o que eles querem. 

Rafael era o único que nunca questionava, ele tomava o que queria, mas se me convidasse para dividir ele sempre pedia a coca zero. Parece tao pouco isso, mas era uma criança e foi um adolescente que podia exigir, afinal era só um refrigerante, e todos os adultos com que convivo criticam meu gosto e não sucumbem a ele. 

Rafa era diferente. Ele fazia tão natural e eu só hoje, ao pedir uma com minha doidinha, como ele a chamava, comentei como Rafa era e me dei conta de sua capacidade de me agradar em pequenas coisas. E nos emocionamos, porque ela ultimamente é quem mais me chama para dividir a ultima latinha de refrigerante e se eu não ceder e tomar o convencional, ela não pára de reclamar.

São pequenos detalhes que tornam nossos filhos especiais. Meu filho, mesmo sem idade, estatura, conhecimento e maturidade tinha um comportamento de proteção e de aceitação que hoje, depois de 14 meses distantes, eu consigo avaliar o quanto ele era adulto. Muito mais do que o que eu já ressaltava. Eu me sentia tão protegida ele era apenas um tico de gente.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

POR QUE VOCÊ AINDA ESTÁ ASSIM?

Para todo mundo que esta do meu lado de fora, o normal é pensar que 01 ano e dois meses é tempo suficiente para ficar bem, retornar as atividades, ter achado um rumo, um proposito, um desafio, uma esperança, um hobby, uma terapia. Sei lá, o que quer que seja , qualquer coisa que possa levantar você desse abismo.

Talvez eu também achasse isso.  Na verdade, nunca acompanhei de perto ninguém que perdeu filho. Aliás quando minha prima morreu em um trágico acidente, e estávamos muito próximas quando de sua morte, eu tinha uns três anos de separada e ela me apresentava a vida noturna, e rimos muito, durante dois quase três anos. Então quando perdi essa prima, ia a casa de minha tia, mas não consegui suportar, e minha tia sucumbiu três anos depois.  Nunca questionei a ninguém o tempo de luto de uma mãe. Era distante de minha realidade. Eu acho que a morte de filho que mais me marcou foi a de Daniela Perez e nos últimos tempos, Isabela Nardoni, ou o menino que foi arrastado pelas ruas do Rio. Esses casos, alem de uma dor pungente das respectivas mães, tinha um clamor social, tinham uma repercussão na mídia. Mas a verdade, é que eu olhava para as mães que perdiam filho com certa distancia. Eu NUNCA achei que me tornaria uma delas.

Lembro de outro caso veiculado no fantástico de uma enfermeira que rouba o filho de uma parturiente, e a mãe passa o resto de sua vida escrevendo em diários as memorias e lembranças de como foi cada dia sem seu filho, ate que eles se encontram, quase 20 anos depois. Não lembro os nomes. Sei que aquela historia me marcou. Uma mãe, que não viu seu filho, que não saberia se reencontraria, mas que escreveu todos os dias, como se ele estivesse esperando algum dia ler suas memorias. Cada dia de aniversario, Natal, dia das mães, cada viagem em família. Aquela mãe não esqueceu.

Eu não estou citando casos violentos para impressionar, simplesmente estou citando casos que possam ser referencial para todo mundo que viveu neste pais no mesmo período. Os casos tratam de morte de filhos e das dores de suas respectivas mães. Hoje eu lembro mais das mães do que dos filhos. O sofrimento delas me fala ao coração diferentemente do que falava quando eu acompanhava o desfecho dos casos. Senti muito, orei, supliquei, mas o espinho não estava espetado em minha pele.

Eu tenho tanta vontade de ser forte, como as mães que pela fé vivem na Palavra, entoam esperança e a gente vai consola-las e nos sentimos consolados. Queria ser assim, queria ter retomado tudo, queria tocar a vida, olhar nos olhos, andar de cabeça erguida, cumprimentar as pessoas, mas me pesa demais fazer tudo isso.  Não olhar, não falar, não andar erguida é de alguma forma meu jeito de dizer...hei não olhe para mim, ainda estou de luto. Um ano e dois meses ainda é pouco. A luz do sol incomoda, o raio da lua deprime, o vento esfria, a falta dele esquenta, se estou sentada, quero andar, de ando quero correr, se tenho sono não consigo dormir, se tenho fome a comida não desce. Se tenho vontade, ela dá e passa.  É incrível, quantas vezes quis comer pão desço para ir ate a padaria, não as que Rafa comprava, e desisto do meio do caminho, e não como nem pão, nem nada...até a próxima vontade.

Por que ainda estou assim? Ouvi tantas vezes essa pergunta. Parece que a fazem a todas as mães que ainda não superaram a fase de prostração. Hoje ouvi de uma amiga especial, destas que a dor nos apresenta e aproxima, e ela também passou pelo mesmo constrangimento de ter que explicar porque ainda estava mal, e ela só tem 06 meses sem o Ricardo, a jóia preciosa dela.  Imagina quando se passa de um ano. Para todo mundo é tempo de sobra. Mas para gente  não.

Eu lembro que levei mais de ano para recobrar os movimentos do braço depois da cirurgia de ombro, e fiquei de licença um bom tempo desse período. Lembro que meus dentes levaram mais de anos para aprumar, lembro que ate hoje não me acostumei a usar palmilha, que meus calos no solado do pé levaram mais de três meses entre o tratamento e a cicatrização, e ainda continuam lá. Minha unha do pé há seis anos não teve jeito de melhorar e há 18 anos sofro de uma anemia. Mas esse tempo, não importava para ninguém o meu sofrimento não estava estampado em meus olhos, nem em minhas camisas.

Pois é eu ainda estou assim. Queria ser forte, eu ter retomado tudo que possível na vida.  Sinto orgulho das mães que conseguem fazer isso antes desse prazo que eu ainda não fiz. Quem sabe só você passando por isso, pode entender a dor da mãe de Daniela Perez, ou de Isabela Nardoni, ou do menino João Helio (lembrei do nome do menino, brutalmente assassinado, arrastado pelo cinto de segurança) do jeito que eu entendo hoje, e assim aceitar que eu ainda esteja assim.



DUAS RETAS

Na imensidão desse vazio, reflete minha escuridão. Duas retas que não se interceptam:em uma se debruça meu sonho de te encontrar de novo, na outra se escora a triste realidade de permanecer distante de você. 

Silencio completo fora do meu mundo. Tudo apagado, cortinas e janelas cerradas, nenhuma fresta de luz, nenhum barulho atravessa essa muralha. As quatro horas da manha seria capaz de ouvir os fios de cabelo caindo sobre a minha testa, ou as lagrimas descendo pelo rosto e tocando o teclado, mas do lado de dentro do meu mundo, tem uma gritaria ensurdecedora, ela me rouba a paz, e fala ao mesmo tempo tantas palavras embaralhadas, conheço todas elas, mas uma é gritada com lamento, com pesar...todas as frestas e cantos de meu mundo ainda gritam seu nome extasiadamente.

Gritam de dor, gritam de amor, gritam de saudades, gritam de lembranças e nestas horas em que pareço ficar surda de tão forte que te grito o controle está em fechar os olhos bem forte e deixar rolar as lagrimas provocadas pelos gritos. Elas aplacam lentamente os gritos, sufocam as vozes, e inundam a gritaria que mesmo assim abafada, pressionada, continua demonstrar quem somos...duas retas.

Enquanto meu choro sufoca as vozes, uma delas é intermitente em garantir que é ouvida e gritada. Mas ela não me assusta, elas me ensurdecem mas fazem parte de mim, gritam no meu íntimo, são meu mundo interior. 

Ouço-a cada dia mais forte, cada dia mais densa, cada dia mais real e inconfundível. As vezes imagino que todas as vozes dentro de mim formam um único coro e desaguam no mesmo choro. Choram saudades, gritam distancias, formam as retas que não se cruzam. Duas retas, numa meu sonho em te encontrar, noutra a distancia em não te ter.

Duas retas, formadas por muitas vozes. Gritam meu mundo. Chamam seu nome. Choram você. Filho amado, meu mundo externo em silencio, o interno em ebulição. Uma coisa em comum...suas lembranças, dentro e fora de cada um dos mundos. 

Amo você Rafa...choro gritando e grito em silencio pelas retas que percorrem minha vida.

terça-feira, 24 de julho de 2012

ONDE MORA A DOR?


Sempre questionei o limiar de dor tão oscilante de pessoa para pessoa. As vezes ate dentro da mesma família, as vezes com pessoas bem proximas, irmãos, pais e filhos, etc. E me aventurei a tentar entender porque a reação a dor é tão diferente de pessoa para pessoa. Obviamente que não tenho explicações, mas foi criado um medidor,um limiar para dor, e parte da medicina se dedica a esse estudo. 




Dentro das dores normais ou esperadas para serem vividas, a dor do parto, a de cólica renal e as dores provocadas pelos traumatismos e pelos esforços repetitivos foram tomando uma projeção muito grande de estudo, de relato e de interesse para que entendendo mais, pudéssemos aliviar o desconforto... Se é que podemos chamar dor de desconforto. 

Com o maior crescimento dos casos de câncer, e com a descoberta cada vez mais cedo dos diagnósticos por conta do avanço tecnologico, percebe-se que muitos relatos dos pacientes demonstram o surgimento da doença mais como um achado medico, do que por proveniência da dor. Eles geralmante relatam um inchaço, uma vermelhidao, ou uma intercorrência nos exames de rotina. Embora se saiba que com o desenvolvimento da mesma e com o comprometimento das células em metástase, as dores se tornam humanamente insuportáveis. 

E chegamos as doenças da alma, ou ao mal do seculo. As depressões. Ate então, apenas a mim apresentada profissionalmente. Na maioria dos relatos de meus pacientes, depressão era uma tristeza profunda que tirava a vontade, a vontade de viver, era o relato mais recorrente. 


Motivos? Os mais variados possíveis. E ali, eu me questionava, porque não reage? Como não pode enxergar uma solução dentro dela mesma? Como posso ajudar? E percebi, na minha pratica, que ao ouvir cada vez mais profundamente eu entendia menos o que se passava. Recorria as teorias, aos casos clínicos, as equipes multidisciplinares, aos remédios, algumas pessoas superavam a aquela fase, outras não. Mas eu achava que entendia o funcionamento da doença, sua sintomatologia, seu tratamento. Coitada de mim, nem tinha um milésimo de entendimento.

Até que: bum. Acidente, choro, desespero, choro, óbito, silencio, lagrimas, vazio, velatório, choro contido, muita gente e você se sentindo sozinha, vazio, desespero, funeral, choro, choro, choro, voltar para casa sozinha, amanhece, anoitece, e você no mesmo lugar, na mesma posição sem piscar o olho, missa de sétimo, choro, vazio, criticas, comparaçoes, solidão, abandono, choro, choro, choro, informações, processo, idas a delegacia, arrumar quarto, fracasso, desespero, não doar coisas, como se elas te alimentassem de alguma forma, falar com alguém sobre a dor e a saudade, choro, choro, choro, sem sono, sem fome, sem vontade, sem vontade...SEM VONTADE. 

De viver? Não, vontade de tudo...de viver, de morrer, de tomar banho, de trocar de roupa, de trocar a roupa da cama, as toalhas, de escovar dentes, de conversar, de sair. De repente...do terceiro para o quinto mês, tudo era doloroso. Sair da cama e voltar par ela consumia a mesma energia, e se não levantasse naqueles lampejos, naquela hora que pensava: preciso tomar banho, não conseguiria fazer depois porque minha mente já me justificava, banho, banho para que? Tudo acabou. E fui brigando com a mente. 


Engraçado eu sempre ilustrava a depressão como uma doença que se instalava tirando nossa capacidade de higiene pessoal, e briguei com isso, apesar de alguns dias a prostração vencer, tentei cuidar disso achando que a depressão nao tiraria minha higiene. Esqueci de tudo mais que ela nos tira. Depressão por luto. Irremediável sentimento. 


Como dizer ao corpo, ao coração e ao espirito que tem jeito? Não tem. O jeito é conviver sabendo que nunca vai dar jeito, o jeito é viver sem dar jeito a isso. Essa é a unica forma. Era tao bom dizer ao corpo, a cabeça, ao coração e ao espirito tudo isso e eles obedecerem. É muito pior que começar uma dieta, ou parar com o açúcar para os diabéticos, ou com as drogas para os viciados, porque aparentemente não ganhamos nada... não fazemos questao pela vida. Duro dizer isso, mais é verdade. 



Acho que o único sentimento nobre que achamos plausível sentir...é morrer ali, com nossos filhos. Acho que todo luto por quem amamos é difícil. Mas por um filho, incomparavelmente desafiador, ainda não consigo decifrar o que é, mas consigo entender que não suportaria nada depois disso, porque essa dor já é insuportável por si só. Manter-se com vontade de qualquer coisa todos os dias, passa a ser o centro das atenções. Mas as nossas atenções ainda estão ali, concentradas na perda. E cada um, em seu limiar da dor, de seu jeito e a seu modo, tenta se manter respirando...porque vivo mesmo, acho que demora muito tempo para nos sentir. 

E aquele papo de Deus, de fé, de família, de crença, de igreja...isso também leva tempo para se ajustar. Você, que convive com você há tanto tempo não se enxerga mais, que dirá sua capacidade de enxergar os outros, e as coisas. Elas também começam a sere vistas com outro foco. 


Lembro que as pessoas falavam de Deus como se Deus estivesse magoado com minha reação de revolta ali no inicio da depressão. E eu ate dava bola, e acrescia às infinitas culpas, que merece um post a parte, mais essa de irritar a Deus, ate que a depressão nos deixa tristes, esquecidas, as vezes enlouquecidas....mas não nos deixou burras...hehehe. 


E eu lembrava de um Deus que me amava, que me conhecia mais do que eu mesma, e que precisava me tirar dali...eu dizia, o Senhor. me colocou aqui, só o Senhor pode me tirar...eu não consigo, muitas vezes disse, não vou facilitar o Seu trabalho. Tantos outros Rafaéis, porque levou o meu. Tantos outros bons, tantos outros melhores, mais santos, mais isso, mais aquilo....e nessas minhas estupidas conversas com Deus percebi que quanto mais me debatia, mais próximo Dele eu estava. 


Mas a dor...ela ainda dói, machuca, maltrata, espanta, sinistramente dança em nossa frente, ao nosso lado, por todo o tempo, em nossa vida. A dor mora em minha vida.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

UM RECADO PARA VOCE

Oi Filho...14 MESES SEM VOCÊ, tanto tempo não é? 

Antes de tudo queria te dizer que nada vai me separar do teu amor, e que estamos mais ligados que antes, eu luto todos os dias para estar com o Pai porque sei que assim me aproximo de você e te sinto mais perto. Continuo te amando viu, muitão, do tamanho do infinito.

Aqui não tem sido fácil, terreno ainda árido e seco sem você.  Lutando para não desistir, por você. Quem diria que não estando aqui você ainda me levanta desse jeito, se eu não tivesse todas as nossas lembranças e toda a certeza do  seu amor, sei não.

Tudo ainda me lembra você, qualquer placar do jogo do Flamengo, qualquer episodio grotesco do Panico, qualquer filme novo que entra no cinema e que eu ainda não consigo ir, toda foto e comentário de seus amigos, seus tios juntos, sempre me lembram você, toda moto na rua me lembra essa dor, qualquer criança que tenho contato me faz lembrar de seu amor por elas, e as músicas filho, e sua alegria ainda são muito presentes na minha memória. O mundo não me deixa esquecer que você esteve aqui  e deu o seu melhor.

Ainda continuo chorando todas as horas e falo de você como se não tivesse partido, se não fossem as lágrimas conseguiria convencer qualquer um de que você estaria aqui ao vivo.  Não tem sido fácil para ninguém. Não cancelei seu telefone, tentei mas não consegui. E ele ainda toca, ele ainda recebe mensagens semanalmente.  Filho dói, mas eu tenho tanto orgulho do que escrevem, quanta gente que fala que queria seu ombro, seu colo, sua ajuda.  Mais gente do que eu podia imaginar...quantos amigos choram essa distancia e enaltecem esse amor.

Vou sempre em seu quarto e gosto de ver o porta-retrato digital que seu pai me  deu no Natal, eu acho, com um arquivo de fotos suas. Quando chego em casa vou direto lá, gosto de ter a sensação das fotos mudando, gosto de entrar no apartamento e ver nossa foto na sala me esperando voltar...era como ouvir seu grito quando eu abria a porta, ou quando eu estava em casa e você chegava, anunciando sempre, que estava com fome.  Não cozinhei desde então.

Tanta coisa nestes 14 meses que você não viu, nem sabe.  Boris está lindo e tão grande e seus avós amando o cachorro, Lícia se superou e tem sido ótima mãe. Seu Tio Sidney comprou um paraíso e você ia amar estar com ele esses dias todos, Tio Fefe tem precisado da gente e não tenho de onde tirar forças, sua avó teve muito doente e está se recuperando, seus amigos todos na faculdade e Gui começa hoje em Direito..Ah! Ele também está namorando, e Tico...bem esse nem adianta entender, né...mas ele continua sempre por perto me dando um apoio danado. A GTR vai crescendo e talvez essa seja a paixão de Tico no momento.  Ontem fiquei conversando com Gabriel irmão de Rafa Bispo até tarde, como ele tem sentido falta, esperamos mesmo que vocês estejam bem.  Falo com Laurinha, como você chamava, quase todos os dias, e na próxima semana isso vai ser mais frequente porque ficaremos juntas, lembra de seus planos? Pois é, talvez se cumpram. 

Encontrei Ítalo recentemente, e ele vai entrar no Tribunal, naquele concurso que você acompanhou, e quanto a William nunca mais o vi ou tenho noticias. Alysson e Amadeu eu sempre encontro ou converso no facebook, que você não chegou a fazer, e Ivo tem um tempo que não vejo.  As meninas sempre converso na net, ou nos dias que nos juntamos para lembrar de você.  Não consegui visitar Bia e Miguel e as vezes que encontrei com Tia Déa e os meninos, ou Tio Aguiar foi sempre muito triste, por isso me afasto. Conto com a oração de muita gente e com o carinho de pessoas muito próximas na dor e que conseguiram atravessar minha barreira, e sei que você os amava muito (Família Schueler, Olga e Boanerges, Nivia e Junior)

Quanto a mim filho, bem, isso você já conhece profundamente.  Tentando me virar, me debatendo contra tudo e todos, e as vezes me sentindo tão sozinha, tão complexa, tão chata e tão saudosa que nem sempre consigo me aturar. Você chamaria isso de TPM fora de controle, ou perguntaria se eu ainda estava instrumada (lembra?, hehehe).  Ainda não voltei para igreja, não retomei a vida profissional, não sei por onde começar um monte de coisa, mas a sequidão do meu deserto tem implorado por chuva, e sabemos que um dia ela cai, sempre cai...como você dizia, no fim tudo acaba bem, se não está bem, ainda não é o fim.

Você ia rir de minhas novas aventuras e ideias. Ainda todas na cabeça, nada no papel. Completamente perdida sem saber por onde começar, mas já entendendo que tenho que começar. Não é nem recomeço né filho...recomeço, significa que comecei uma vez. Sem você, é tudo novo e pior, não há um re-começo, é um começar com tudo.  Sabia quem era ao seu lado, sem você preciso descobrir quem sou, e no que me tornei.

Passei dos meus 39 anos de vida, 18 contigo (seus anos de vida mais a gravidez), ou seja, minha vida adulta se formou ao mesmo tempo em que te formava no meu ventre e para a vida. Tudo em mim ainda é desforme, menos suas lembranças e nosso amor.

Sinto muito a sua falta e tenho saudades da gente. Amo voce.


O QUE SE ESPERA DA VIDA?

O que se espera da vida?

Aos quase quarenta, imagino que todo mundo queira ter uma família estruturada, filhos felizes, servir a Deus em família, emprego, estabilidade, amigos, conhecer um pouco do mundo, fazer a diferença onde você mora, compartilhar os mesmos valores com quem você ama, onde você trabalha, ajudar as pessoas, amanhecer o dia fazendo o que você gosta, perder a noite de sono ajudando a quem precisa, ser reconhecido, ter sucesso entre as pessoas que você julga importante em sua vida, se encontrar profissionalmente, ser bem resolvido emocionalmente, ter chorado e sofrido muito mas ter a consciência de que se doou, de que fez o melhor. 

A essa altura, aos quarenta, você sabe dar importância as coisas que realmente devem ter importância em sua vida. E quando você fraqueja, nesta fase, você já sabe de onde tirar força para lutar, fé para vencer, esperança para crer e perseverança para esperar. 

Se nos perguntassem o que era mais importante disso tudo da vida, eu não pestanejaria para inquirir: você tem filhos? Se sim, com certeza a coisa mais importante é vê-los crescer, é vê-los batalhar para serem felizes. Se Não os tem ainda, bem se não sabe o que significa um filho em sua vida...faze-los logo, já esta nos quarenta né, pode ser que não dê tempo de você conhecer o melhor do amor, o amor sem limite, o amor incondicional. Não importa quem sejam, o que façam, você os quer de toda forma e jeito, mais do que a você mesma e a qualquer outra coisa que imaginou um dia.

Eu tinha tudo isso, ainda me restou algumas coisas...mas sem filho...é como se não tivesse sobrado nada. Como os filhos mudam nossas vidas e nosso mundo. E como perde-los nos muda completamente.

Do que mais sinto falta? 

De ver aquele sorriso largo, só porque tinha estrogonofe com purê, ou porque eu trouxe um sonho da padaria, ou porque ele ia comer 04 cheddar do McDonald (e comia mesmo), ou porque ríamos da vida e um do outro, ou porque estava entre amigos e isso já o bastava, ou porque estava com o tio Sidney, ou porque estava cuidando dos irmãos, ou simplesmente porque ouviu uma piada engraçada e reproduzia trilhões de vezes com a mesma graça. 

Mas o sorriso mais lindo, era o que ele dava só porque me via feliz...

O que espero da vida? A hora de ver aquele sorriso lindo de novo, ao vivo e real.

14 MESES SEM VOCÊ...MEU XEBEREL

domingo, 22 de julho de 2012

SEMPRE UM DOMINGO ANTES DA SEGUNDA-FEIRA


Dizem que um dia a dor vira saudade, para mim ainda são sinônimas, ainda não é branda, não é calma, não é boa e não é paz.  Saudades ainda é um amor que dói, que sangra, que machuca, que hipnotiza, que paralisa...no tempo, no espaço, no meu travesseiro, no seu quarto, em nossa casa, em minhas lembranças e naquele dia 23/05/2011.

01 ano e dois meses sem você...Uma segunda-feira novamente, e um domingo que a antecede e que me faz lembrar das ultimas vezes que ouvi sua voz..a ultima vez que me chamou mãe... que disse: também te amo... que disse: também se cuida viu...que me pediu a benção e que desligou me mandando um beijo. Ah Rafa que dor e que saudades de seu carinho e seu cuidado.


Eu tento sumir do mundo, sair de óbita, ser infectada por um grande vírus que cause amnésia e que me faça esquecer que não tenho mais você, mas essas coisas também me tirariam as lembranças que me restaram da gente, de você e do quanto valeu a pena todas as lagrimas derramadas. Lembranças pelas quais suspiro hoje.


Saber que não sou a unica mãe que sofre e chora a perda de um filho me dá uma nova direção para uma estrada que não leva mais ao lugar onde eu me sentia única pessoa desprovida da graça de Deus. Não, que eu deseje que as pessoas sofram e passem por isso, nem que isso me de qualquer tipo de felicidade, mas saber que o que sinto, o que penso, o que falo, e o que não falo também passa a ser discurso de muitos outros corações feridos pela ausência dos filhos, não me faz sentir uma fracassada, de alguma forma traz normalidade para a anormalidade de viver após ter enterrado um filho.


Apesar disso, em dias assim...aniversário de vida, ou de morte, feriados, dias importantes da família, datas comemoradas pelo clã, nestes dias, a dor é só sua, e só você sente desse jeito.


Quando eu digo que a dor é só minha eu faço a analogia a uma grande trouxa de roupa suja e fedida que você tem que carregar e que as vezes ela não se arruma em seu dorso, aí vem uma mãe e um pai já tarimbado nesta tarefa de carregar a própria trouxa (pois também perderam seus filhos), e eles te dão apoio, ajustam sua trouxa, arrumam de um jeito que você ainda não conseguia, as vezes pesa mais, as vezes expõe uma ou outra peça de roupa que você não sentia o cheiro e ele vem à tona e dói mais ainda, mas você percebe que você só consegue andar, mexendo nestas coisas e buscando, você mesmo, a melhor forma de carregar a sua trouxa.


Cada pai e mãe, tem a sua própria forma. 


Muitas peculiaridades nos aproximam, as vezes as mesmas cores das roupas (o mesmo tipo de morte, a mesma idade, o mesmo nome, as mesmas afinidades, personalidades parecidas), as vezes o mesmo volume da trouxa (a sensação de injustiça, a perda momentânea da fé, a mesma crença no Pai misericordioso que nos carrega e nos promete a vida eterna), as vezes a mesma dificuldade em arrumar a trouxa (arrumar o quarto do filho que já partiu, fazer as mesmas coisas que faziam antes, voltar naquela pizzaria, ouvir aquela musica, cantar aquele hino, ver o jogo do time do coração, comer aquele docinho predileto, rever o ultimo filme que viram juntos, etc.), e as vezes o mesmo cheiro (o cheiro da solidão, o cheiro de sentir-se tão so mesmo cercado de gente, o cheiro de recomeçar sem saber por onde, o cheiro de querer sumir, fugir, desaparecer, etc.). Temos tantas coisas em comum.


Talvez alguém que tenha perdido um filho numa segunda de madrugada e no domingo tenha sido a ultima vez que falou e ouviu seu filho, como eu, como Neide (mae de Rafa), saiba o que significa um domingo antes de uma segunda-feira. Antes da ultima segunda-feira que tive meu Xeberel nos braços, mesmo que não pudesse ser abraçada da mesma forma.


Saudades meu filho...hoje faz 14 meses que não ouço sua voz. Eu te amo demais e espero os sonhos para matar nossas saudades.



sábado, 21 de julho de 2012

HOJE NÃO É TODO DIA

Há uns 15 dias enfrentei a maior alegria depois que Rafa partiu, quando da aprovação de seu ultimo amigo no vestibular. Era como se por estarem todos juntos, eles se tornassem mais fortes. Coisa de louca, sei lá.  Tem tanta coisa que comecei a pensar que não faz o menor sentido mas que eu acabo pensando, que essa pode ser mais uma, mas a verdade é que ter visto o ultimo amigo na faculdade me deu a sensação de dever cumprido, um alivio, por estarem todos juntos.

Hoje foi o churrasco dele.  Uma confraternização em família. Só eu não deveria estar ali. Era o lugar do meu filho. O tanto de alegria que eu tinha nem sei onde foi parar, nem como eu fui. Mas fui.

Fiquei mais tempo do que queria, menos confortável do que imaginaria, porque meu filho era a peça que faltava. Hoje doía olha-los juntos.

Eu sempre me senti muito bem ao lado deles, conversar com eles, rir, saber o que fazem, por onde andam, me dá uma sensação de paz quando eles estão juntos. Eu torço demais que eles sejam muito, muito felizes e que façam a diferença onde estiverem, que construam famílias unidas e que tenham muito sucesso e saúde.  Desejo o que desejava para o meu Rafa. E se eles conseguirem, claro que tem as respectivas famílias por trás, mas é como se fosse a projeção do que Rafa também conseguiria.  Torço por todos eles, mas não dá para olhar para GUI, TICO E ALYSSON e não ver RAFAEL.

Não sei se alguém que perdeu o filho pensa assim.  Sei que é normal a gente ver outros pais com filhos com idades similares e a gente lembra de nosso filho que partiu, mas eu também projeto em seus amigos um pouco dos sonhos que o meu filho tinha.  Quando os vejo hoje tirando carteira, namorando na porta, curtindo a vida que os 18 proporciona, inevitavelmente eu vejo Rafael ali.

Eles sentaram na cabeceira da grande mesa formada, e o tempo todo, sem eles perceberem havia uma cadeira vazia. Eu daria tudo para não estar ali.  Ali era o lugar de Rafa, mexendo no som do carro, fazendo questão de ir dirigindo para os meninos curtirem melhor o churrasco. Eles ficaram responsáveis e conscientes com a direção.  Continuam curtindo, rindo e pondo as mães, as primas, as irmas, tudo no meio da conversa e continuam sendo da paz, pura alegria, muita diversão só por estarem juntos.  


Uma hora eu ouvi eles conversando sobre preço de casa, comprar casa, investimento...meu Deus, só 01 ano e depois de amanha 02 meses separaram meu filho, que olhava roda de carro e som, de meninos que pensam em casa, trabalho e estabilidade.

Voltei para casa com o coração na mão, os pensamentos embaralhados e novamente me sentindo muitíssimo só.  E me questionava por que eu não me fixava apenas na parte da alegria por eles ali? Por que eu tinha que ficar mal?. Sei que Rafa estaria muito feliz por eles.  E lembrei da quinta feira feliz comemorando a aprovação de Gui, e percebi que aquele dia, não é todo dia.  

Lembrei de uma musica de Osvaldo Montenegro que falava que " eu acho que é para sempre, mas sempre não é todo dia..."




THIAGO, GUILHERME E RAFAEL

RAFAEL E THIAGO (1998)

 THIAGO, RAFAEL E GUILHERME (Caninde de São Francisco)

GUILHERME E RAFAEL (Niver de Thiago)

RAFAEL E THIAGO (EM CASA NA PRAIA DO SACO)

 ALYSSON, THIAGO E RAFAEL

ALYSSON, RAFAEL E GUILHERME (Niver de Rafa, voltando da Praia do Saco)

 GUILHERME, THIAGO E RAFAEL (Boquim)

RAFAEL, THIAGO E GUILHERME (Niver Thiago)

 AFONSINHO, THIAGO, GUILHERME E RAFAEL (Niver Rafa - Cond Ravines)

THIAGO, GUILHERME, WILLIAM E RAFAEL (Aeromoças Cajuranas- Pre Caju 2010)

ALYSSON, GUILHERME, THIAGO E RAFAEL (niver Rafa - Cond. Ravines)


RAFAEL, THIAGO, GUILHERME, IVO, ALYSSON 


ALYSSON, GUILHERME E THIAGO
E esta ultima faltando você meu filho amado...mas sempre não é todo dia.
Eu hoje acordei tão só
 Mais só do que eu merecia
 Eu acho que será pra sempre 
 Mas sempre não é todo dia"

sexta-feira, 20 de julho de 2012

HOJE BEM QUE PODIA SER NATAL

Dia do amigo...mensagens e atmosfera de amizade, uma amistosidade no ar, risos e brincadeiras por todos os lados, os amigos comemoraram-se, e o mundo fora de mim parecia perfeito.

Quantos eus te amos entre amigos, entre companheiros e cônjuges de uma vida. Tanta declaração e elogios que por um momento pensei que fosse Natal.

E pedi meu presente antecipado...você, Rafa, de volta, num trenó, no meu sapato ao pé da cama, na meia de Natal ou no pé da árvore natalina, sem me importar quando, nem como, apenas você presente, você de presente, você meu presente.

Hoje bem que podia ser Natal.

AOS MEUS AMIGOS


Amizade é uma coisa engraçada. Não precisa de laços de sangue, de afinidade cultural, de ter a mesma formação ou ideologia, de repente basta uma química, e a gente passa a amar, bastam vários problemas pessoais e nomináveis alegrias e então você olha para o seu lado e estão ali, seus contáveis amigos. 


Apesar de sempre passar mais tempo resolvendo sozinha meus problemas que compartilhando com os amigos, Deus me deu pessoas tão especiais que andam ao meu lado e torcem por mim. Acho que ter amigos é achar um precioso tesouro dos céus só que aqui na terra e poder se despojar do que quer que seja e ter um ombro para chorar, um colo para sentar e um ouvido que te ouça com o coração, que te ponha para cima e que ande contigo, não tem tesouro maior. 

Em momentos de dor, eles são essenciais...sofrem junto, dividem a carga e se doam para nos ver bem. Tenho sido uma péssima amiga, mas meus amigos não desistiram. Oram, insistem em me arrastar, em me tirar de casa, em me alegrar, em me ouvir e mesmo que eu não os atenda, não os procure...eles continuam ali...por e-mail, por face, por torpedinho, por inúmeros recados na secretária. 

Não tenho como agradecer...aliás nesses quase 14 meses sem Rafa, nunca os agradeci...mas sei o quanto me sustentaram nos piores dias, nas piores madrugadas, nas mais tristes datas...e como não me cobram. Sabe o que eu mais gosto disso tudo...é que Rafa também amava vocês e sabia do valor que vocês tinham em nossas vidas... 

Obrigada...Mainha, meus irmãos e Roberto, Déa, Nivia e Junior, Cora Walter Rafa e Gabi, Emanuel e Sheiler, Nalvinha, Olga e Boanerges, Nely e Cybele. 

Em especial aos amigos de Rafa, aos mais chegados TICO, GUI e ALYSSON, e a tantos outros que se chegaram com sua partida...meu Deus como essa garotada segura minha barra, quantas vezes é com eles que desabafo, que rio, que choro e que compartilho...ganhei tanta gente que Rafa já tinha conquistado antes. 

E ao meu amigo mais especial, ao meu melhor amigo...talvez isso me faça mais falta...sua amizade...que saudade de você e da gente meu amigo...AQUELE QUE ME CONHECIA MELHOR QUE EU MESMA, e que mesmo assim me amou sem medida, sem limites... 

MEU XEBEREL. 

"MAS QUEM CANTAVA CHOROU AO VER SEU AMIGO PARTIR... 
POIS SEJA O QUE HOUVER, E VENHA O QUE VIER 
QUALQUER DIA AMIGO EU VOLTO A TE ENCONTRAR, 
QUALQUER DIA AMIGO A GENTE VAI SE ENCONTRAR..." 

em breve filho...muito breve a gente se reencontra.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

FORTE OU FRACA

Como se mede a fortaleza ou estrutura de uma mãe que perde filho? Seguramente se mede pela capacidade que ela tem de retomar sua rotina e de não transparecer o quanto foi afligida pela morte de seu filho. E claro que isso tudo deve ser observado levando-se em conta o tempo que ela usa para voltar à superfície. Essas são as consideradas fortes.

As outras...a outras são incompreendidas pelo resto do mundo, porque não basta que ela tenha perdido o filho, afinal ela não foi unica no mundo a passar a dor, ela precisa demonstrar que é especial, que Deus só dar a provação a quem é forte para passar, então minha filha, seja forte, fulana e sicrana também perderam filhos e superaram, já fazem isso e aquilo e quilo outro.

Eu achava que fazia parte desse grupo, das fracas, das que não estabelecem a rotina de imediato. Das que viram problemas para a família, para o emprego, para a faculdade, para a sua própria casa. Porque ainda não voltou a fazer o que fazia antes, mesmo que já passados mais de ano.

Aí descubro o terceiro grupo... as loucas. Aquelas que as pessoas olham e diz, nunca mais fulana foi a mesma coisa. Ela não ficou muito bem depois do ocorrido. Nem o marido suportou, até ele a largou, ela também não pára em emprego, ou ela começou a beber, ou ela compra demais, ela fala sozinha, ela tem uma depressão, um transtorno, uma síndrome do panico, um encosto, sei lá...o que mais aparece nessas horas são teorias piscológicas e conceitos espirituais baseados em achismos.

O que eu penso? Não faço parte do primeiro grupo. Passados quase 14 meses, não tenho rotina de absolutamente nada. Ainda me esforço para deixar a rotina anterior de lado e não acorda-lo as seis para a escola, de não comprar seus lanches no supermercado, de não entrar em seu quarto para dar boa noite, em não chama-lo para ver alguma coisa engraçada, de não espera-lo em minha cama no sábado ou domingo pela manha. 

Sou do segundo grupo, as consideradas fracas, porque ainda não me achei e na maior parte do tempo, componho o terceiro grupo, o grupo das loucas, nunca mais serei a Annalu de Rafa, de quando ele estava aqui presente. Ser Annalu de Rafa sem Rafa exige que a loucura confunda a minha vida, porque a vida real e dura é muito cruel sem ele.

Talvez seja essa a classificação do mundo para nos rotular. Fortes ou Fracas. Ainda bem que com Deus...fraco é que estamos fortes. Quero depender só Dele, e que Ele me levante todas as vezes que o mundo me derruba. Nestas horas lembro de Nely que aos 30 e poucos dias de ter perdido o marido, e eu enfrentando minha primeira quinzena me dizia...não faça planos, viva um dia de cada vez, Deus proverá...

Tem sido difícil, meu dia de cada vez é diferente do que se exige para as mães fortes, mas só em continuar aqui, sem ter desistido como pensei varias vezes, fez com que eu percebesse que essa foi a minha principal rotina, esforçar-me para continuar viva, apesar de me sentir morta todos os dias.

PERDER O SONO E ACHAR A SAUDADE

São sete horas e cinquenta minutos  e depois de três horas de um inquieto sono, busco você e não te encontro filho.  Por um momento, um mísero momento, imaginava te achar bem aqui do lado, bem aqui na frente, bem aqui vizinho. Mas o mísero momento durou menos que o tempo que o meu corpo usa para se dirigir até eu quarto.

Mas ele se projetou para ir te buscar, para te apanhar na cama e se livrar do vazio que tem  se abatido sobre ele. Ele queria hoje, há pouco menos de 05 minutos, eternizar a manha e preencher esse buraco.  Ele quer sempre, eternizar sempre, qualquer lembrança e esperança que inunde meu dia em sua busca.

Mas tem o tempo de retorno. Meu corpo precisa voltar ao perceber que você, Rafa, não voltou. Inconformado ele páira no ar, nas lembranças, na saudade, no chão firme da dura realidade de viver sem você.  Como dizer a ele para voltar? Para dormir? Para comer? Para chorar?  Agora  ele não volta, vai para o pior lugar do mundo...bairro inconformismo, cidade da revolta, município inaceitabilidade.

Difícil ficar ali, mais ainda, é achar o bilhete de volta e se deparar em sua cama, vazia,  não desfeita, sem você.  

Olho em minha volta meu filho e tenho que retornar para o meu quarto e me debato sobre o colchão, porque mais uma vez perdi o sono para a saudade e novamente a paz do esquecimento enquanto dormia para a realidade de não ver você dormindo ali.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

LINGUAGEM NÃO ACESSÍVEL

Estou cansada de tentar explicar para os outros coisas que nem eu entendo.  Como por exemplo, quando  a minha vida voltará ao normal? Porque eu não faço ideia do que seja o normal de quem enterra um filho.  As vezes acho que nós, as mães alienígenas (porque temos que ser de outro mundo, ver sua metade, sua parte, seu inteiro partir e  a gente continuar),  entendemo-nos perfeitamente. Parece que a dor de uma dói na outra.  Mas e o resto do mundo? 

Hoje vi o desespero de uma mãe que deveria comemorar os 21 anos do filho daqui há seis dias, mas Sonia, que ontem postava fotos de um sorriso em família e um coração com as mãos homenageando seu filho anjo, numa festa junina, aparentemente tão alegre, hoje postava seu desespero, sua angustia pela aproximação da data.

Ontem eu olhava as fotos e dizia quão forte ela era, como ela conseguia expressar um pouco de alegria junto aos demais familiares, e hoje, tudo doía nela. E eu pensava, bem sei o que é sorrir quando chorar não nos é permitido, levantar quando o corpo exige prostração, acreditar quando não se tem mais fé e calar quando só se quer gritar um nome.


Bem sei o que é não ter um pingo de alegria no dia em que temos que nos vestir de sorriso, bem como, carregar a tristeza que se instala com antecedência do dia em que devia doer mais. Faltam 05 dias para completar mais um mês sem meu filhote, mas uma semana antes a nuvem preta já faz chover sobre nossas cabeças.  Também falta 01 semana para Vinícios completar os 21 anos.

O tempo, os conselhos, os olhares, nada disso ameniza a dor, expressa por uma linguagem que o mundo não compreende.  Cada dia penso quão difícil é simplesmente para uma mãe demonstrar verdadeiramente quem ela é, pelo simples fato de que o modelo que ela tinha dela mesma não servir mais para o deserto que ela  atravessa.

Aquele sorriso, aquela alegria, aquele contentamento - decorrente do simples fato de ver as camas dos filhos preenchidas pelos seus corpos, ou pelo simples fato de acorda-los pela manha, para a faculdade, para o trabalho, ou para tomar a vitamina, ou apenas para dar o beijo de bom dia e deixa-lo ainda na cama - parece ter se perdido junto com o que não realizamos. 

Continuar...palavra de ordem que o mundo nos grita. Perdemo-nos no caminho. Não sabemos o ritmo, não entendemos a direção e não aceitamos o destino. Aniversário? Dia do amigo? Natal? Dia das Mães? 

Continuar...só se for olhando bem firme e para dentro de nós mesmas, tentando se permitir  ser olhada com o único olhar que nos compreende, o olhar do Pai e desejando ardentemente não esquecer da mágica do olhar de nossos filhos, Rafael, Mateus, Lucas, ou Vinícius de Sônia, que ao cruzar o nosso olhar, sem sequer balbuciar uma unica palavra, ainda na fase da linguagem não acessível, falou profundamente ao nosso coração, que não importa onde, nem como,  lembrando-nos  a todo instante que esse amor incondicional é para toda a vida e continuará celebrando aniversários até que nos encontremos novamente.

Eu creio que meu filho não morreu, e se não morreu completa anos. Não tenho mais a primeira fatia do bolo, a ansiedade de comprar o presente, confesso que nem a alegria do dia. Mas uma coisa não mudou: ainda peço a Deus que o abençoe e que cuide dele, nesta data e por toda a vida. 

E é isso Paizinho, Sonia não verá o bolo de aniversário de Vinicius, e talvez tenha tanta tristeza e saudade neste dia, mas Te peço que abençoe seu filhote e que ele tenha uma festa linda no céu, e que possa sentir o quanto é amado, mesmo que o mundo não entenda essa linguagem das mães alienígenas e seu amor que ultrapassa o mundo, que desafia a distancia e que não se mede no tempo.  E a Sonia proporcione o melhor dos presentes...um sonho de paz.