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quinta-feira, 30 de junho de 2011

AOS SEUS CUIDADOS

Para muitos pais, determinados comportamentos são inadmissíveis, geram uma confusao familiar e um choque de geração muito grande. Parece que por mais que estivessemos habituados as mudanças de comportamento e valores de geração, os filhos do seculo xxi e os adolescentes deste seculo sempre tinham algo para nos surpreender.  Eu fui uma mãe que foi crescendo junto com um adolescente do seculo xxi.

As primeiras diferenças referiam-se a forma como eles lidavam com a tecnologia. Nós presos aos manuais, ao modus operandi, as tentativas de ensaio e erro mais condicionadas ou ao famoso chama o homem (do telefone, do computador, da internet, da tv a cabo, da assistência técnica, etc).  Eles, antes de conhecer o equipamento, eles ja sabem para que servem, conhecem a ultima versão para o download,  não só entendem como podemos utiliza-lo como também sobre seu funcionamento.


Muitas vezes não conseguia entender como são capazes de escutar musica, alta, falar no msn, mexer no computador e fazer tarefas escolares.  Como foi difícil perceber - embora tao próxima a diferença entre as idades, afinal (e para resenha de Rafael, que tirava a maior onda comigo) ainda não era, e não sou, nenhuma anciã - que as habilidades que esta geração desenvolveu são diferentes das nossas habilidades e muito mais distintas que  as habilidades de nossos pais, seus avós.


Em algumas vezes incompreendia a troca do dia pela noite, eles acordam meio como zumbi para ir a escola, praticamente dormiam em pé, fui professora de faculdade pela manha e via a dificuldade em das aulas e manter a turma ativa nos primeiros horários da manha, imagina com os adolescentes. Então eu os via entrando nos colégios meio sonados, chegavam em casa, comiam furiosamente e dormiam a tarde inteira e só no fim da tarde faziam as tarefas, obviamente plugados no computador, e os dedinhos nervosos teclavam os orkuts, twitter e msn da vida até altas horas.


Essas diferenças de valores entre as gerações, traz novos comportamentos e uma proximidade maior entre pais e filhos, é o que penso. Por exemplo, quando eu era adolescente, não era comum ser ouvida sobre qual o carro que devíamos comprar, ou que marca do vídeo cassete de 04 ou 06 cabeças, ou se o filme da maquina era melhor dessa ou daquela marca,etc.  Hoje, perguntamos aos filhos, porque eles estão super antenados com o desempenho, o custo beneficio, a velocidade, o consumo de energia das coisas, etc.  Quando se tem um adolescente desse jeito em casa, podemos dizer que temos um faz tudo...de tudo entende um pouco.


Meu filho era assim. Ele resolvia tudo para mim, ele entendia, senão...também opinava, eu me sentia segura quando íamos contratar um serviço ou comprar um produto e podíamos contar com sua opinião e ajuda.  Para muitas coisas eu ja estava completamente analfabyte (sem conhecimento tecnológico).  Eu tenho sentido falta de tudo...e principalmente daquilo que essa geração não perdeu com o acesso a tecnologia, o cuidado e o carinho. Eles expressam o que sentem de forma clara, eles falam e demonstram suas afinidades e falam de forma aberta sobre as coisas do coração.


Rafa era assim.  Falava o que sentia, na verdade, falava com os olhos e segurava as maiores ondas para manter um amigo bem, ou alguém que amava.  Acho que  ninguém que ele gostaria de ter dito que era importante e que amava ficou sem ouvir isso dele. Rafa aproveitava as oportunidades e expressava o que sentia, era diferente, educado, atencioso, sincero, direto, mas era um adolescente. Bem crescido, as vezes tão adulto que quando errava com erros previsíveis de adolescentes eu ficava surpresa, pois eu tinha uma pessoa madura e experiente num corpo de menino.  Como tem sido difícil viver sem seus cuidados e sem conviver com você. Amo voce.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

TENHO SAUDADES DE NOSSAS FOGUEIRAS, HOJE ELAS AQUECEM MEU CORAÇAO

Em várias oportunidades falei de minha família e em uma delas de como meus pais eram festeiros.  Nossos festejos juninos eram grandiosos. Para quem não é nordestino não faz ideia do que seja a referencia deste mês para o costume, a economia, o comportamento e a alegria deste povo tao especial, do qual agradeço fazer parte.

Meu pai nasceu no dia 30/06, mas cresci comemorando com uma fogueira gigantesca o aniversario dele, que começava dia 29 e se arrastava ate as 24 horas depois, as vezes ate 48 horas depois.  Minha casa repleta de amigos, aqueles fieis da mocidade de meu pai, agora todos com família e filhos que nos tratavam como primos.  É triste reconhecer que com a partida de meu pai, os amigos também se vão. Mas este é um capítulo a parte.

Durante esses festejos, meu pai nos enchia de fogos.  Era tudo muito especial, o planejamento da festa, a fogueira que vinha com a madeira escolhida da fazenda, os troncos mais grossos e resistentes da caatinga, a comida, especialidade da minha mãe, a musica muito bem escolhida...e os fogos.  Nesta época só eu e meu irmão mais velho. Confesso que eu era desafiada a cada ano, pois ele não sabia economizar nos fogos, e a quantidade que deveria ser gasta em todos os dias ele usava num dia só aí sobrava pra mim, obrigada a fazer nova divisão. Um dia pôs fogo no meu saco inteiro de fogos, por pouco não causou um incêndio.  Mas apesar das desavenças amávamos ir comprar os fogos com meu pai. Eu com os foguinhos de mulher, nunca tive coragem para soltou fogos de alto impacto ou de grande estouro, já meu irmão, era o orgulho da casa, até que estourou um foguete de ponta cabeça e fez aquele estrago, mas nada sério.

Tudo isso, essa festa grande, acabou junto com meu pai. Por muitos anos, forró, fogos, festas, etc. foram riscadas do nosso calendário.  Lembro de minha mãe andando pelas ruas da cidade, buscando uma fogueira com uma família na porta, ela pedia autorização, puxava uma brasa e nós soltávamos os nossos fogos, ela ficava preocupada em diminuir a tristeza daquele período e a ensinar ao meu irmão mais novo que não se tinha só tristeza durante aqueles dias. Sei que era uma besteira, meia horinha de fogos para três crianças, tudo bem eu já adolescente, mas fazia aqueles dias passarem mais rápido, fazia com que nos sentíssemos menos anormais porque não tínhamos mais festa, fogueira, casa com gente (porque as pessoas somem mesmo) e meu pai.

Rafael chegou,  minha irmã também veio um pouco antes. E com eles a vontade de termos de novo fogueira, milho na brasa, comida, família, musica, festa, congressamento e claro os fogos.  No inicio, Rafa descobriu os festejos na casa dos avós paternos, mas depois, continuamos buscando as fogueiras dos outros e puxando as brasas para que os pequenos soltassem seus fogos, até que tivemos de volta, por vários anos, a nossa fogueira.

Lembro de uma fogueira no Saco, quase perfeita se não fossem os gritos, mas hoje isso não faz a menor importância.  Lembro de tantos outros onde você me ensinava a dançar uma nova musica, onde você soltava meus fogos, onde você começou a ser o orgulho da casa, obviamente que com prevenção,  luvas, mascaras, etc.  Os meninos, seus tios, tinham ficado velhos para a tarefa, viraram consultores e seu avô era daqueles que ficava feliz em ver a felicidade dos outros, lhe proporcionaram aquilo que eu não tinha coragem os fogos mais banbanban.  Mas a essa altura ia com você, comprava os seus fogos junto contigo, como era difícil escolher filho, porque você tinha limites e sabia que eu não cederia.  Nunca tivemos problema com isso. Tao diferente de minha infância e as brigas com meu irmão. Você, parecia gente grande entendendo limites.

Vieram as noites renovadas, a mudança de foco, mas sempre que podíamos, estávamos nos congressando em família, ríamos juntos, resenhávamos e mesmo não comprando mais seus fogos, porque mudamos o sentido, vibrava vendo você ajudando os outros,  ajudando as crianças e soltando os fogos que seu avô comprava.

Filho tenho saudades de nossas fogueiras, as que pegávamos emprestado, as da casa de sua avó na  Dom Bosco, as da casa da Luzia, as do Saco. Hoje elas aquecem meu coração. Tenho saudades de seu jeitinho ajudando e tomando conta das outras pessoas ensinando e cuidando para que não se queimassem, tenho saudades de você rindo quando o estrondo era muito alto, tenho saudades de você resenhando quando tomávamos um susto com as bombas.

Hoje sonhei acordada que comprava fogos de artificio para você, sonhei em ver o seu sorriso mas você nao estava lá para receber.  

Agora escuto lá fora, na ultima noite da festa junina daqui, as músicas embalando uma multidão. Ouço um carro passando tocando Rojão Diferente, sem você...que dor ouvir. Nos meus ouvidos a sanfona continua chorando desafinada por sua partida e  o meu coração foi arrombado, pela explosão de uma bomba nova, não se vende no mercado, versão exclusiva e limitada, entregue só para aqueles que te amavam, semelhante a uma explosão de dinamite, seu nome: saudade.


terça-feira, 28 de junho de 2011

MUITO MAIS QUE UM FILHO

Se alguem me perguntasse como eu descreveria Rafael, eu nao responderia de pronto, é meu filho.  Ele foi muito mais que isso. ainda é...

Xeberel como, carinhosamente e no íntimo de nossas conversas, eu o chamava, era uma pessoa muito carinhosa. Generosa mesmo, porque ele se doava por inteiro. Carismático, líder, cativante, ele tinha um jeito especial de se relacionar, de brincar, de tirar onda com as pessoas, de encher a vida de cor e de som, e de risos.

Em seus lábios difícil não encontrar um sorriso.  Lembro das inúmeras vezes fazendo coleta de sangue nos laboratórios de Aracaju, em um especial, conhecíamos as figuras infantis pregadas nas paredes e inventávamos brincadeiras para que na hora da coleta não houvesse choro.  Até nestas horas, conseguíamos sorrir.

Amigo, leal e companheiro. De todas as horas. Amigo nas horas da dor, do desabafo, da bronca, da escassez e amigo da festa, da abastança, da alegria.  Desconheço uma pessoa que Rafael disse que não gostava.  Ele dava muitas chances para que a pessoa provasse quem era, e parecia que nos olhava com uns olhos especiais, via os nossos defeitos, mas ampliava as nossas qualidades, por isso era sempre muito bom estar ao lado dele.

Era família, eu amava esse jeito dele.  Amava família. A dele, a que iria construir, a família dos outros, enaltecia os valores e questões familiares, defendia a família com unhas e dentes. Talvez nesta área tenha alcançado o maior nível de amadurecimento. Foi privado várias vezes da convivência familiar, quando nos separamos, quando viajava por muito tempo, quando nos casamos com outras pessoas, quando abraçamos outros desafios e ele juntamente e por adesão, nos ajudava a alcançar as novas metas.  Rafael não optava, muitas vezes não opinava. Mas estava ali de prontidão, nos ajudando a viver em e com família.

Rafael parceiro. Deste eu tenho tanta saudades! Meu grande companheiro de aventura e de vida.  Nossos cinemas aos sábados, nossas praias aos domingos pela manha até antes do Saco, nossas aventuras na cozinha, nossas montanhas russas em todos os parques que fomos, nosso filme com pipoca na cama, minha depilação com ele tirando a maior onda e puxando tudo fazendo a maior algazarra (no ultimo ano, ele que havia aprendido e se oferecia para fazer, e eu amava porque ele cuidava), nossas mudanças, meu companheiro de pós-operatório, as visitas chatas aos hospitais, a velórios, a parentes se recuperando, em todas...ele estava lá comigo.

Rafael segurança. Me sentia segura com ele. Enfrentava tudo e todos. Hoje não há mais sentido. Não tenho forças para enfrentar nenhum passo sem a companhia dele.

Rafael foi um adulto velho experiente, com a generosidade e simplicidade de uma criança. Um adolescente do seculo XXI que não me fazia exigências.  Um adolescente do seculo XXI antenado com tecnologias e mundo virtual, mas que vivia o aqui, o agora e o humano com uma riqueza de sentimentos e profundidade de compromisso que fez com que seus 17 anos, valessem meus trinta e oito, pois não consigo me ver antes ou depois dele. É como se eu tivesse sido sempre, desde o meu nascimento, mãe de RaFA.

Hoje restam lembranças. Lembranças do meu amigo, meu humorista, meu companheiro, meu guerreiro, meu pai, meu parceiro, alguém que me inspirava confiança, segurança, alegria, força... alguém que fingia ser filho só para que eu não me sentisse pesada, porque cuidou de mim, muito mais do que o que eu cuidei dele. Alguém que me protegeu, muito mais do que foi protegido. Que me aconselhou, muito mais do que foi aconselhado. Que me amou tanto, tanto, tanto, e tanto, e que apesar de muito, muito, muito e muito amado...sobrou tanto amor que hoje não sei o que faço, pois te amei muito mais que a um filho, amei o Rafa parceiro, amigo, companheiro, confidente, irmão, pai. Muito mais que um filho...sempre e eternamente, meu Rafa.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

DEUS A SENSAÇAO É QUE EU GRITO E O SENHOR NÃO ME OUVE

Já demonstrei em alguns escritos o quanto amo o Senhor e agradeço por muitas vezes Ele ter se revelado a mim. Ter me amado primeiro, ter me escolhido, ter me socorrido, ter me amparado, ter me corrigido, etc.  Acho que uma pessoa sem fé tem muitas dificuldades em encarar muitas situações da vida. Creio também que recorrer a Alguém que nos tira de algumas enrascadas que a mais ninguém se buscaria ajuda ou socorro; Alguém que usa de uma sabedoria plena e de recursos inimagináveis; Alguém que consegue transformar o impossível em possível, nos dá a garantia de poder sonhar com coisas que sozinhos não conseguiríamos realizar, e também de facilitar o trabalho Dele como quando sonhamos igual ao que Ele planeja.

Era assim que eu via e compreendia Deus. Desde muito pequena lembro que quando minha mãe mandava eu rezar - eu ainda não orava - para que o anjo da guarda ou qualquer santo me protegesse antes das provas e exames da vida escolar, eu de pronto respondia, vou rezar para Deus se posso falar com o Presidente, não vou usar os ministros. Eu nem entendia de politica, tao pouco de vida com fé, mas agia na simplicidade, e nunca ousei rezar se não tivesse estudado, porque desde cedo havia aprendido que Deus não vai fazer aquilo que é de competência do homem.  Ele é Deus, não precisava estudar, a mim,  sim,cabia estudar, a Ele não, mas eu podia me valer da misericórdia Dele para, mesmo estudando, ter concentração, jesuscidencia para as questões, etc.

Aos poucos ia crescendo no conhecimento sobre Deus e percebendo que minha relação com Ele não é manipulada por mim.  Também fui descobrindo que com Deus não tem essa questão de não merecer isso ou aquilo, porque Ele está no controle de tudo e nos trata com Graça e misericórdia. A graça Dele vem dá concepção de que Ele nos dá aquilo que não merecemos, muito mais do que merecemos, é de graça, Ele nos dá porque Ele quer. Quanto a misericórdia, a melhor definição que já li era uma que ressalta que Ele nos trata, os miseráveis, com o coração e do latim das duas palavras se forma a etimologia da misericórdia.

Senti a Graça e a misericórdia de Deus muitas vezes em minha vida.  Algumas delas não foi do jeito que planejei, do jeito que achava que era melhor...foi como Ele quis e no final tudo acabou bem, e como dizia meu Rafael:  -Mãe, se não está bem ainda é porque não chegou no final, confie, e vá orar ! Algumas vezes ele dizia enfaticamente:- Mãe vá orar! Em outra eu me sentia tão fraca em oração que o chamava Rafa vem concordar comigo aqui. E assim fomos experimentando de Deus.

Eu criei Rafa dizendo que para Deus não tinha impossível. Que tudo a gente podia Naquele que nos fortalece.  E mostrei muitas vezes a fidelidade de Deus em nossas vidas. Quantas lutas ele acompanhou o agir de Deus. Quantas batalhas travávamos e vencíamos só pelo agir de Deus.

Naquele dia 23 de maio, eu pedi a Deus varias vezes um milagre. Continuo pedindo. A sensação que tenho  é que com a pancada do meu filho no chão daquele asfalto, tanto ele como Deus pararam de me ouvir. É como se eu falasse numa língua que eles não reconhecem.  Certa feita li um livro que dizia que Deus trabalhava no turno da noite, enquanto eu dormia.  Minha dor é tao grande que acho que Ele não vê nem de dia nem de noite.  Mas eu sei que Ele vê. Então me pergunto para quê? O quê? Como e quando Ele comecará a responder?  Estou começando a brigar com Deus.  Sei que também estou errada, porque agora que já não tenho mais nada, se perder Deus...bem, nem dá para pensar.

Pensar em Rafael como privilegio em minha vida também não ajuda a diminuir nada, porque se foi um presente ser mãe dele, por que por tao pouco tempo?  Se eu não o merecia por muito tempo, por que não permitiu que ele vivesse mais tempo junto a outra pessoa?  Se nós não merecíamos mutuamente um ao outro por mais de 17 anos, por que eu que já vivi mais tempo não fui, e ele tao cheio de vida, continuava a estrada dele?  E se nada disso procede para a logica de Deus, por que Ele não começa a mostrar o que Ele quer com isso tudo?

Sei que é automático, quando falamos e esperamos que a pessoa nos responda e ao invés disso temos o silencio, nós aprendemos a calar como consequência.  Eu estou cansando Deus de não ter as respostas para nada disso, e cansando de falar uma coisa diferente daquilo que eu sinto. Então mais uma vez vou bradar aos teus ouvidos: Está doendo sim, não me conformo mesmo, não vejo sentido em mais nada, não tenho  vontade de recomeçar e não vou agradecer por tudo que fez, porque...sou pequena demais para entender tudo isso.

Mas sou teimosa, e o Senhor não se livrara de mim assim tão fácil...só porque não me responde e depois de tudo que tomou. Nestas horas aprendi a apelar. Tem uma música, de Fernanda Brum, Espirito Santo, que fala assim:


Espírito Santo ore por mim
Leve pra Deus tudo aquilo que eu preciso
Espírito Santo use as palavras
Que eu necessito usar mas não consigo
Me ajude nas minhas fraquezas
Não sei como devo pedir
Espírito Santo
Vem interceder por mim
Todas as coisas cooperam pra o bem
Daqueles que amam a ti
Espírito Santo vem orar por mim
Estou clamando, estou pedindo
Só Deus sabe a dor que estou sentindo
Meu coração está ferido
Mas o meu clamor está subindo.
É isso Senhor, estou apelando..."estou clamando, estou pedindo...Só Deus sabe a dor que estou sentindo."

domingo, 26 de junho de 2011

SAUDADE É AMOR QUE FICA

Hoje foi a missa de 30 dias do amigo de Rafa, Rafael Bispo. Eu sabia como seria o dia, e resisti bravamente a ir, não queria me machucar novamente, nem ver os pais de Rafael machucados.  Eu bem sei como o nosso corpo e nossa mente reage aos 30 dias de ausência.  Mas nao me esquivei do compromisso.  Fiz novas fotos suas, tentei escrever, procurei o óculos. Nada deu certo. Abri seu quarto, me fortaleci, e como ovelha para o sacrifício me pus de novo - com o anjo que Deus tem levantado em minha vida, minha mãe, mãe duas vezes (como Rafa falava) - naquela estrada e fomos ao  encontro do sacrifício.

Chegando lá entre abraços e soluços nos deparamos com a mesma cena que nos tem consumido. Suas ausências. Parece que quando estamos juntos as dores, as saudades, os amores e as forças se unem. Nos fortalecemos e nos enfraquecemos ao mesmo tempo. Procuramos nos cuidar mutuamente, mas sabemos que no fundo, nao nos consolamos, nao nos confortamos, só nos entendemos, como ninguém mais nos entende, nos compreende.

Hoje estávamos fracas, trêmulas, covardes, cheias de saudades, de vontades, de impossibilidades. Mas entramos ali. Ouvimos, falaram, louvaram. Parecia tudo igual, lindo mais igual, triste mas igual, diferente mais igual, sei que é difícil de entender, é como se o mundo falasse para a gente a mesma mensagem de varias formas: era hora deles. Era diferente sabe? Mas era igual.

Chegou  a hora do ofertório, três pessoas me chamavam atenção. Sabia da importância que tinham para Rafa. De repente, meu mundo desabou na igreja, um banner com as fotos dos dois, tão real, tão presente que eu comecei a me confundir e  a me perguntar, como eu poderia estar numa missa de 30 dias de falecimento de duas pessoas tão cheias de vida.  Aquilo nao podia ser real. por segundos eu nao sabia se cria que estava ali ou se acreditava na realidade das fotos. Voces foram tomando conta da igreja e comovendo a todos. Gabriel  levava vocês e num determinado momento, você olhava para mim.  Eu nao conseguia te olhar nos olhos, eu te sentia tao perto, tao forte, que nao conseguia te ver em minha frente porque te sentia do meu lado.  Nesta hora alguém toca a minha mão, desabo mais uma vez. Nao era o seu toque, nao era você...mas sonhei e acordei no pesadelo.  Deste momento em diante ate agora só lembro de você me olhando.

Final da missa, uma cronica linda foi lida. Homenagem do casal que também nos presenteou com o banner. A cronica falava de amizade, partidas, estar ao lado do Pai e do barulho das festa que foi a  chegada de vocês.  

Mais uma vez precisava dizer ao Saco o quanto vocês amavam aquele lugar. Duas mães, que entre outras coisas disseram, que nao sabiam o porque, nem o pra que seus filhos tinham sido chamados por Deus, e que nos contentávamos em ouvir do Senhor no tempo Dele a resposta as nossas inquietudes humanas. Mas que  como mães tínhamos necessidade de saber como eles foram chamados por Deus, o que tinha acontecido, nós gostaríamos e precisávamos saber.  Ressaltamos o quanto nossos filhos amavam o Saco e as pessoas do Saco e nós sabíamos que as pessoas poderiam nos ajudar a responder pelo menos esta pergunta.  Agradecemos o apoio e pedimos o cuidado para nós, porque os meninos estavam na festa do céu, no barulho do reencontro com o Pai, de alegria incontida e de paz sublime.

Abraçamo-nos  e nos confortamos um pouco e na saída. Ouvi alguém com experiencia de vida e com Deus dizendo que Deus nos dê paz, conforto, consolo e muito amor, porque saudade, ah! saudade...é amor que fica, e que a nossa saudade nos acompanhe e nos fortaleça.  E falou de um testemunho que obteve em sua vida de medico, um menino, com nove anos, sofrendo os males de uma doença terminal em sua ultima fase, num hospital de Recife, onde sua mãe o acompanhava sempre, certo dia a mãe diz a ele que volta já e o médico passa para fazer a visita e pergunta ao menino pela mãe, ele responde que ela foi chorar um pouco escondido para que o filho nao visse.  O medico assustado com a franqueza do menino, pergunta porque a mãe foi chorar, e ele de pronto responde que ela foi chorar de saudade, porque sabia que o menino já estava próximo de partir. O médico mais intrigado ainda pergunta a criança se ele sabia o que era saudade...ele respondeu...saudade é o amor que fica.

Filho, ficou muito amor. Cada vez mais amor. E muito mais fica. Fica aquele que você distribuiu, fica aquele que você recebeu e todo o complemento que nao trocamos, está todo aqui filho, e por isso dói tanto, porque ficou eu e o amor, sem você.

sábado, 25 de junho de 2011

RAFAEL, FAÇA O FAVOR!

Lembro de você bem pequeno e de quando  precisávamos que você fizesse alguma coisa para nós.  Toda a família dizia assim: se quiser que Rafa faça alguma coisa, peça a outra pessoa.  Era mais ou menos isso. A gente queria que alguém trouxesse, ou buscasse, ou pegasse qualquer coisa para gente, se pedíssemos a você, nao era imediato, mas era só pedir a outra pessoa e Rafa estava ali, servindo.


Era comum a gente rir, chamando-o com os nomes de todo mundo da casa, porque a cada hora você substituía um. Teve um época de nossas vidas, que eramos só você e eu.  Nestas horas só tínhamos um ao outro. Um servia ao outro, mesmo. Nao podíamos contar com mais ninguém. Aí eu nao podia usar aquele recurso e você vinha, as vezes dizia...tudo eu, tudo eu...mas eu entendia e ria. Eu também já tinha passado por aquilo.


Rafael cresceu e o tempo que levava para atender aos meus chamados, já não eram o tempo da infância.  Ele começou a administrar muitas coisas em casa e sabia que a ajuda era inevitável.   Só que já não eramos mais  eu e ele, pois o menino ja tinha ocupações e um mundo só dele que muitas vezes eu precisava de permissão para entrar.  Eu acho normal, sempre respeitei e fui respeitada em minha individualidade.  Então muitas vezes o chamava e tinha um depois eu vou, daqui a pouco mainha, deixe eu acabar isso, de ver aquilo, de falar com fulano, etc.


Ultimamente eu o chamava como sempre...Raafaaaaeeeellll! E ele não chegava, aí chamava um pouco mais alto aí ele vinha me abraçava por trás com a carinha de quem nem tinha ouvido nada e me apertando com força, muita força, dizia... você me chamou? Eu respondia:  claro, desligue o som, porque tem muito tempo que chamo, e dizia a ele a minha necessidade, em seguida ele fazia o que eu pedia e depois  me ensinava...mãe, quando você quiser que eu venha não chame só pelo nome, diga assim: Rafael faça o favor...que aí eu venho.


Nunca consegui falar assim, Rafael faça o favor...sempre chamava-o e esperava-o para me ajudar e ele sempre vinha irritado, rindo porque sempre repetia a frase mãe, se a senhora me chamar e nao disser o faça o favor, eu fico esperando que a senhora diga o que quer e nao venho...nunca aprendi.


Filho, tenho chamado você do jeito que você me ensinou todos os dias, e o único favor que eu preciso que você faça, não depende mais de você.  Eu te chamo, mas você nao virá. É difícil entender que não seremos nós dois um cobrindo o outro, um sendo parceiro do outro. 


Será que você  teve tempo de compreender a fundo a importância que você tem, teve e terá em nossas vidas, na vida de sua família? Eu nunca imaginei ficar sem você filho, te criei para se virar sem mim, mas não aprendi, não entendi e nao sei viver sem você.  O único favor que me basta hoje, era que você pudesse ter feito o favor de não ter ido. E como nao pude ser contemplada com a sua ajuda...peço outra coisa. Rafa, faça o favor de não abandonar-me em sonhos e lembranças e que nossas memorias sejam bem vivas por todos os dias que estarei aqui longe de voce, e você aí perto do Pai.  Rafael, faça o favor!



sexta-feira, 24 de junho de 2011

AREJAR O QUARTO E O CORAÇAO

Tenho sentido necessidade de ventilar um pouco a vida. De ficar de frente para o mar, num dia muito chuvoso com uma ventania muito forte daquelas que deixam o mar revolto, daquele dia bem cinza, bem feio, daqueles que ninguém tem vontade de sair de casa. Eu quero, eu tenho.

Quero ficar de peito aberto recebendo toda a ressaca do mar, toda a chuva que pudesse me lavar, todo o vento que pudesse me separar da vida que vivo hoje.  Queria esquecer disso tudo, queria esquecer você.


Queria conseguir abrir a porta de seu quarto e agir normalmente. Nao consigo e mantenho fechada como forma de preservar as coisas, as vezes queria que um vendaval entrasse, e um redemoinho levasse tudo que hoje é saudade e dor. Queria esquecer, apesar de dizer logo na primeira semana que foi tão incrível conviver com você, que suportaria toda essa dor por mais um dia ao seu lado.  Hoje eu não sei, dói tanto que talvez não ter te conhecido. Sei que não seria eu, mas também não seria eu sem você, e agora eu não sei o que é pior: não ter te tido ou ter te perdido, entende?

Como posso desejar esquecer você? Como posso querer me livrar disso tudo? Como posso querer que a chuva, ou o mar ou o vento me separe de você, de nossas lembranças, de nossa vida compartilhada, de nosso mundo?

Nem eu pensei que pudesse desejar isso, me livrar disso tudo. Talvez esse sentimento venha por conta da insuportabilidade de conviver com o passado num presente em que você não está, e num futuro que não tenho vontade de esperar chegar.


Saudades do que eu era quando estava contigo. Amo voce. Saudades do que voce me fazia sentir, pensar e fazer. Ai filho, saudades de você. Eu abro as portas do quarto e do coração, mas não deixo o ar entrar, porque nada pode ocupar o seu lugar...

quinta-feira, 23 de junho de 2011

2.592.000

Você consegue imaginar um valor desse em alguma coisa que você consiga juntar em um mês?  Tipo  atender mais de dois milhões e meio de clientes, guardar, ganhando eticamente dois milhões e meio de reais, ganhar esse mesmo número em beijos, comprar esse montante de número de objetos, conhecer dois milhões e meio de pessoas, passar este mesmo numero de e-mail's ou torpedos, ter esse numero de tarefas ou atividades para fazer, etc. Eu sinceramente acho que mesmo que eu contasse, uma a uma, todas as coisas que acumulei ao longo de minha vida, nao conseguiria imaginar nenhum resultado que chegasse próximo deste valor.

Só que hoje percebi o quanto esse numero tem determinado a minha vida. Hoje me dei conta do quanto ele expressa a distancia entre o meu mundo real e o mundo que sempre sonhei. 

Hoje fez dois milhões, quinhentos e noventa e dois mil segundos que Rafael foi para perto do pai.

Ouvi uns barulhos em casa, estou sozinha, dormi a tarde inteira, na verdade, uma parte da manha também. Acordei assustada. Fiquei um pouco na internet, saí. Voltei para o quarto, decidi vir postar, ao chegar no meu cantinho de escrever...um coração chaveiro rosa pink, com ventosa, escrito MÃE, você nao é 10 você é 1000, estava no chão. Pensei nos números. São 30 dias, um mes, 720 horas, 43.200 minutos e mais de dois milhoes e meio de segundos sem você.

Quero minha vida normal de volta, quero olhar para tuas coisas e achar que elas tinham o mesmo sentido de há 30 dias, quero orar a oraçao do Pai Nosso e entender o e livrai-me do mal, é mesmo, Marco, dificil entender isso tudo.

Quero continuar aqui...mas agora não dá filho.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

SIMPLESMENTE VOCE

Voce conhece aquele tipo  de pessoa que todo mundo gosta? Aquele tipo de pessoa que onde voce vai as pessoas falam bem? Aquele tipo de pessoa que mesmo quando é alvo de criticas e maledicencias voce custa a acreditar porque a historia de vida dela não dá suporte a estes falatórios? Aquele tipo de pessoa que quando tem raiva ela se dissipa rapidamente e que está disposta a perdoar 70 vezes 7?  Conhece alguem que abre mao de si para os outros? E que nao faz questão de ter sozinho, gosta de compartilhar? Conhece alguem que represente de fato aquela expressao de que mais vale um amigo na praça do que dinheiro no banco? Conhece alguem que sempre está sorrindo e que tudo é motivo de piada? Conhece alguem que ri da vida e de si mesmo?

Imagino que voce conheça muita gente assim, que tenham algumas dessas características. Mas voce conhece alguem que seja isso tudo junto?  Eu conheci...simplesmente voce.

Simplesmente você, que nao pedia favores aos avós para ir para lugar nenhum sem fazer conta de que seu primo ou amigo tambem precisava assumindo tudo e se precisasse rachar as coisas, rachavam tudo por dois ou tres, desde que todo mundo participasse da alegria, pois nao pensava só em si;

Simplesmente você, que quando comíamos uma lasanha pequena para dois, você ainda economizava nas mordidas, para levar dois dedos de coca-cola e um pedacinho de lasanha para dividir com os colegas no curso integral;

Simplesmente você, que na última reunião de familia em Juiz de Fora defendeu seu tio avô do que você achava que era injustiça e que no penúltimo Natal se lançou a frente para impedir que coisas ruins acontecessem na casa de seus avós;

Simplesmente você, que na última visita ao amigo acamado, deu comida em sua boca e diante das limitações da vida com simplicidade inventa o momento da sobremesa, com sua capacidade de doar-se, somar-se e divirdir as dores;

Simplesmente você,  que no nosso ultimo mergulho juntos, uma pessoa entrou em panico e voce ficou dando força ate sermos os ultimos a descer, com ameaça de perdermos o passeio, mas voce foi ate o ultimo segundo tentando convencer uma amiga de que ela era capaz e podia conseguir;
Simplesmente você, que ao me abraçar me sugava do mundo e me levava para um mundo só nosso, me protegia, me prendia em seus encantos, nos seus risos, em sua força, em sua teia, no barulho dos beijos estalados trocados nos ouvidos e na sensação de arrepio que competíamos para ver quem deixava mais o outro arrepiado.

Simplesmente você, que mesmo sem fazer as opções comigo, acatava todas elas, ficava no barco me incentivando a remar, muitas vezes sendo meu timoneiro, meu farol, minha força e meu incentivo para chegar num porto seguro;

Simplesmente você, que mesmo sabendo que a pessoa estava errada tentava ver algo de bom na ação que ela fez, nao caía já criticando ou desprezando, voce tentava ver com o olho da compreensao;

Simplesmente você que sabia rir com os que riam e chorar com os que choravam, consolar os que precisavam, se aliançar e fortalecer aqueles que voce sabia que voce fazia a diferença em suas vidas. E claro, curtir, curtir muito a vida, distribuindo  sorriso, um cheiro gostoso, notas unicas em sua voz, compondo melodias de amizades eternas e relações suaves e intensas.

Carinhoso, humano, cativante, alegre, ímpar, único e especial.Complicadamente, 29 dias sem voce.
Simplesmente Você, Rafael, meu Xeberel.  

terça-feira, 21 de junho de 2011

O VALOR DO SE

Não sei se isso acontece com você, mas ultimamente tenho enchido minha vida de ses. Se eu tivesse feito. Se eu tivesse dito. Se eu tivesse calado. Se eu tivesse corrido, parado. Se e tivesse, se eu não tivesse, se, se, se,...

Fico me perguntando uma infinidade de ses desde aquele dia 23/05/2011.  Sei que ficar imaginando um monte de coisas que de fato nao aconteceram, ou mudar a ordem dos fatos, ou não trazê-los ao mundo da realidade, nos faz andar na mundo da fantasia, num mundo onde nao gostariamos de assumir a realidade, ou por medo dela, ou por não suportá-la.

Naquele fim de semana, tudo aconteceu de forma diferente ao que de costume acontece em minha familia.  Tinha um acordo em casa, por conta de minah inumeras viagens dantes ocorridas, quando eu viajava, nos tinhamso que ficar juntos no fim de semana que antecedia e que decorria da viagem.  Fiquei fora no periodo de 16 a 20 de maio.  No fim de semana anterior fiquei com Rafael, todo o tempo, almoçamos juntos e durante aquela semana, falava com ele todos os dias pelo menos unas 4 vezes por dia.  Eu nunca tinha agido assim, e se eu não tivesse feito isso?

Cheguei na sexta madrugada, ele estava dormindo, fui ao quarto dele e o beijei, e se eu nao tivesse feito isso? No sábado ao acordá-lo para o colégio, ele pediu para nao ir, ele não esteve bem na quinta-feira, e eu nunca o deixei sem ir ao colegio, mas se eu nao tivesse deixado?

Antes de sair de casa, para ir para um curso de espanhol, ja da cozinha voltei para beija-lo, pois ele havia voltado para dormir...e se eu nao tivesse voltado? Aquele foi meu ultimo beijo.  Quando eu cheguei no curso Rafa me ligou pedindo para ir para o saco com o avô.  Era um fim de semana posterior a minha viagem, ele sabia que eu nao deixaria, ele não insistiu. Eu deixei, sem ter duvidas, sem medo, rancor, deixei numa boa. E se eu não tivesse deixado?

Falei com ele por telefone no sabado ainda a noite e no domingo 04 vezes. E se eu não tivesse ligado? Abençoei, disse que amava, perguntei se chovia o que ele tinha feito e o que estava fazendo. 

São muitos ses que as vezes consolam e outras culpam. São ses que nos sao impostos por nossas mentes e corações pelo inconformismo da realidade que nos traça lentamente.  Mas o mais importante é que Se Deus quisesse a mesma coisa que a gente, eu ainda o teria nos braços.

Penso sim em prevençao, em limites, e me encho dos ses.  Se Rafa nao tivesse passado mal, se não tivesse tido crise alergica, se não tivesse acesso a motos, se tivesse nos ligado e pedido ajuda, se tivesse pedido ajuda a alguem de lá da Praia do Saco, se tivesse usado o capacete, se a fiscalização tivesse funcionado e intercepetado os menores ainda na ida para Estancia, se o médico e o hospital nao tivesse liberado o menor desacompanhado de responsaveis após atendimento e internamento hospitalar na urgencia, se no retorno a mesma fiscalização tivesse mais uma vez agido e multasse os menores e os recolhessem até a chegada dos pais, se não tivesse animais na pista e pessoas trafegando alcoolizadas...muitos ses, nenhum deles se concretizou. 

Rafael decidiu ir para Estância, com a ajuda de um amigo, outro Rafael muito especial. Rafael nao pediu ajuda de nenhum dos pais ou parentes. Rafael, apesar da secura em dirigir, nao pilotou aquela moto, foi, passando mal, na garupa, no vento, na chuva, cansando, buscando ar, comprar remedio e na estrada piorou a ponto de ficar internado no Hospital Regional daquele municipio. Rafael, nao foi ver ou fazer nada em Estancia,que não buscar ajuda, senão, iria ele mesmo pilotando a moto, teria dado prioridade a isso antes de se cuidar além de ter tido o sabado e o domingo todo para fazê-lo.  Saindo de Estancia Rafael pediu emprestado uma bombinha, o aerosol, uma jaqueta (pois a que ele estava usando estava encharcada da chuva) e um capacete. E se ele tivesse obtido todas essas coisas? Mas um monte de ses sem surtir o efeito de trazê-los.

Naquele fim de semana, Rafael foi o Rafael dos amigos, da familia.  Passou todo tempo com os amigos do Saco, com Tico, com o avô, de casa em casa, conversando, comendo, num lugar que ele amava...ele dizia: quer me encontrar, venha para cá.  Assim era o Saco para Rafael.

Apesar de todos esses ses povoarem minha mente e em muitas vezes me acusarem, eu me atrevo a pensar em outros ses...E se a historia de Rafael fosse esta mesmo? Fosse mesmo assim, contada desse jeito: 17 anos, cheio de vida, de sonhos, de um coração enorme, de simplicidade, de generosidade, de companheirismo, de insistencia, de luta, de independencia, de alegria, de musica, de amigos, de familia, de amor, de paixao, de sorrisos, de carinho, de brincadeiras, de zuar muito, de respeito, de educação e, obviamente, de Deus....

Falando em Deus, e se Deus deixasse ele mais um pouquinho aqui conosco? Este era o único se que valia a pena.

Fiz para voce Rafa, agora:
Se eu nao tivesse te gerado,
sem sentido teria vivido.
Se eu nao tivesse sido conquistada pelo seu sorriso,
nao saberia o que era a alegria indizivel de te ver feliz.
Se eu nao tivesse aprendido com voce,
nao saberia explicar valores como generosidade e companheirismo.
Se eu nao tivesse visto sua vida tao de perto
nao entederia o que renunciar os proprios somhos para sonhar com os outros.
Se eu nao tivesse te amado e sido preenchida pelo seu amor
seria um ser humano vazio
Se eu nao tivesse te perdido para o PAI
não seria mais nada.
Se eu pudesse pedir só mais uma coisa para Ele
é que eu possa sentir que você está feliz e que logo nos encontraremos.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

FAZER O QUE VOCE GOSTARIA QUE FOSSE FEITO

Sábado, dia 18 de junho de 2011, eu estava me dizendo que cansei desta historia de reconstituir os passos e descobrir o motivo do impacto que causou o acidente que vitimou o meu filho.  Tem sido uma condição desumana passar pelo local do acidente, procurar as pessoas, investigar as versões, conversar com os moradores, ouvir e atestar a ocorrência de novos fatos, mas depois de cinco, seis ou oito horas massacrantes, onde representamos ter força, racionalidade, controle emocional, voltamos para casa mais vazia, mais incrédula, mais decepcionada com a humanidade, menos solidária.  Dá vontade de desistir.

Então faço um propósito comigo mesma, não quero mais saber de nada. Sei que todo mundo quer ter o direito de contar a historia do filho. Quantos anos, o que fez, onde cursou a faculdade, onde trabalha, quais são suas façanhas, seus hábitos, como se diverte, etc.  Eu só queria poder contar como você partiu. Quero só e simplesmente fazer o que você gostaria que fosse feito.

Imagino que mesmo com toda a dor de ter que identificar o que aconteceu naquela madrugada, pela natureza que meu filho tinha, ele não deixaria omissa a situação, ele buscaria esclarecimento, ele  buscaria trazer à tona aquilo o que de fato ocorreu.

Um dia, lembro que perdi a chave do carro. Deixei na costureira num sábado a tarde e ela fechou o estabelecimento, e como eu tinha ido a pé voltei para nosso apartamento sem perceber nada. Precisei sair mais tarde e não achei a chave. Acusei Rafael, óbvio, só morávamos nós dois e eu erroneamente dizia que ele havia pego a chave e não sabia onde colocava. Ele era uma criança com apenas 10 anos. Eu não tinha a cópia da chave, o carro já fora comprado assim. Também não consegui solucionar chamando o chaveiro, pois como a chave tinha segredo, o chaveiro fez a chave que abri as portas do carro, mas não o acionava.  Rafael não descansou enquanto não provou que eu tinha agido injustamente com ele, pois cheguei a castiga-lo.  Ficamos sem o carro até a segunda, quando a costureira percebeu a chave lá e nos ligou.  Rafael sempre comentava isso e argumentava sobre possíveis erros, mas que a verdade sempre prevaleceria.


Uma vez demitiram sem justa causa o porteiro do prédio onde morávamos.  Os argumentos da demissão impactaram Rafael, na época com 13 anos.  Rafael por iniciativa própria fez um abaixo assinado e procurou os moradores do prédio para aderirem ao pedido de retorno do funcionário.  Conseguiu a adesão de muitos moradores mas não a readmissão. Todavia, provou que os motivos para a demissão tinha relação com beneficiar uma outra pessoa para o emprego.


Também lembro de Rafa na primeira e unica briga na escola. Não gerou suspensão, ou castigo ou ficar sem recreio.  Ele era quarto ano do ensino fundamental, antigamente quarta serie do primeiro grau, e bateu em uma menina da sexta série, muito maior que ele, porque ela costumeiramente batia e tomava o lanche de um menino bem mais novo que o próprio Rafael.  Ele conversou algumas vezes, ela não parou, ele a enfrentou e correu para o banheiro.  Conversamos e eu o perguntei porque ele não chamou a tia, ou a coordenação, e ele dizia, que a menina aproveitava o recreio muita gente e ninguém fazia nada. Ele se encheu e fez. Disse que ele estava errado, que ele não podia fazer a mesma coisa que ela e que quando estamos com gente, conversamos, dialogamos, explicamos...porque gado é que se marca, fere, tange, engorda e mata.  Nunca mais tive problemas de senso extremo de justiça.


Nos três episódios que relato, onde ele foi vítima do abuso (chave), onde ele buscou o equilíbrio social (demissão) e onde ele foi fazer a justiça com as mãos (escola), vejo o sempre e velho bom Rafael. Aquele que tinha que argumentar e entender tudo o que se passava, que precisava estar com a sensação do dever cumprido e que não aceitava a injustiça. Aquele que conseguia entender duas palavras com profundidade: solidariedade e amizade.  Em todas essas situações Rafael fez amigos.


Eu estou cansada de buscar as respostas para as perguntas deste momento. Quero descansar, mas não consigo. Sei que não o trará de volta, mas quando penso o que ele queria, com certeza, ele não gostaria de ter coisas não esclarecidas.  As vezes me pergunto se ele conseguiu pensar em alguma coisa antes de partir, se teve vontade de falar alguma coisa, se gostaria que algo fosse feito, sei lá. Eu não sei o que aconteceu.   Não estava preparada para viver nada disso, mas saber que novos fatos podem me ajudar a entender tudo isso, por ele, não posso descansar, preciso pelo menos poder contar a historia. Sei como ele nasceu, por onde andou, como levou a vida, qual a sua essência. Só preciso, para acalmar meu coração, minha mente, minha estrutura, saber como partiu.

domingo, 19 de junho de 2011

SENHOR, HOJE EU PRECISO DE UM MILAGRE: DIMINUA ESSA DOR, EU PRECISO RESPIRAR.

Eu creio em milagres. Já vi muitos acontecerem. Ouvi muitas histórias a respeito de tantos milagres, nós chamamos de testemunho, alguém que nos fala o que Deus fez em sua vida. Os livros que mais me agradam são aqueles que focam nos pequenos milagres do dia a dia.  As vezes a gente imagina que os milagres são coisas grandiosas, que chamam uma atenção tremenda e que é alardeado para os quatro cantos. Creio em milagres assim. Mas aqui quero falar dos milagres do cotidiano, dos livramentos extraaordinários, do poder de Deus em nos livrar ou nos ajudar em ações que humanamente nao conseguiríamos alcançar.

Eu pedi meu milagre. Todo o tempo. A espera do corpo físico, eu pedi meu milagre. Durante o sepultamento eu também clamei por um milagre. Ainda deixando no Santa Isabel como chorei nos Teus pés Senhor, implorando meu milagre. Eu cria e creio em milagres. Eu mesma escrevi na lápide esperando ouvir qualquer coisa como saia para fora, ou levanta-te. Eu esperei...e quer saber Senhor, espero ainda.

Deus, durante todo o tempo contigo eu Te louvava naquela circunstância e dizia, eu sei que Tu podes, eu sei que o Senhor é o mesmo de ontem, de hoje e de amanha. Imaginei até o escândalo que seria e que tipo de vida teríamos que levar se aquilo acontecesse, por conta da exposição, mas mesmo assim eu Te implorei, com tanta fé, não duvidei ou hesitei. Muitas vezes pronunciei no ouvido, pelo poder do Teu filho e no Nome Dele. Eu cria e continuo crendo em milagres.

Eu saí de casa naquela madrugada com uma foto na mão e Tua palavra na bolsa. Era Nela que eu me sustentava, e na coluna de minha mãe, usada por Ti naquele dia para me apoiar, me segurar. Mas eu queria meu milagre.  A priore ele nao veio. Não aconteceu.  Meu filho chegou. Não era mais meu filho, era meu irmão, já era Seu filho.  Peguei com as minhas mãos, percorri toda a extensão do corpo que o Senhor me presenteou, intacto, perfeito, eu tinha pelo menos isso. Acidente de moto, sem capacete, traumatismo craniano, mas eu podia beijá-lo, acariciá-lo e senti-lo, tudo foi preservado. Meu primeiro milagre. Quantas mães, vivem o desespero de nao saber o paradeiro dos filhos ou de nao poderem despedir-se dignamente.

Deste-me força para cuidar de tudo. Deixou-me lucida, de pé, fiz e participei de tudo, queria usufruir cada minuto daquela despedida. Foi desse jeito que o Senhor permitiu, meu segundo milagre. O Senhor me sustentou naquelas 12 horas e pouco, entre o telefone e o sepultamento.

Cada dia tem sido um milagre Seu em minha vida. Não sobrevivo por mim, mas o Senhor é quem tem me carregado. Só que hoje, só hoje, preciso de um milagre. 

Posso dizer que está insuportavelmente pesado, nada do que ouço, faço, penso ou falo diminui esse peso. Meu ar está curto, meu peito constrangido, não consigo dar forças para os outros. Estou virando uma falácia. Senhor eu ouço de Ti, tenho Te buscado, mas não me encontro mais. Perdi meu chão, minha referência, preciso de seu hebrom, de sua aliança e de um conserto.

Não entendo nada Senhor, nem quero brigar contigo, porque eu Te amo e Tu me amaste primeiro. Não quero me separar ou desistir de Ti. Só quero que saiba que eu espero um milagre, mas agora não quero os pequenos, quero um grande, quero ser curada, arranca Paizinho essa dor, porque Tu sabes como estou. Hoje, nada me consola, preciso de Voce.

Pai tem um louvor (Ressuscita-me, de Aline Barros) que fala que eu preciso de um milagre, que meus sonhos foram cancelados, que nao tenho mais alegria e que está tudo escuro, faz tempo que não vejo a luz do dia..eu queria que o Senhor a ouvisse em minha voz...porque mesmo escrevendo aqui e lutando para não me entregar, eu preciso mais de Ti.  O refrão deste louvor fala assim:

"Remove minha pedra
Me chama pelo nome
Muda minha história
Ressuscita os meus sonhos
Transforma minha vida
Me faz um milagre
Me toca nessa hora
Me chama para fora
Ressuscita-me"


Só quero lembrar mais uma coisa Pai. Eu cria, continuo crendo e esperando meu milagre.


sábado, 18 de junho de 2011

COMO FAZER MEU CORAÇÃO ACREDITAR NOVAMENTE

Acho que uma das maiores dificuldades em continuar a andar, a tocar a vida sem as pessoas com as quais imaginamos que teríamos uma  relação duradoura - e por duradoura quero expressar aquela relação que nada abalaria ou separaria, como a relação de pais e filhos, por exemplo - é superar a separação definitiva deles.  Na verdade eu acho que isso é insuperável, pelo menos é o que se parece ainda quando se tem 26 dias (meu filho) ou 26 anos (meu pai) sem eles.

É uma sensação estranha, horas pensamos que parece que foi ontem, na mesma hora imaginamos, que tem tanto tempo que não o vejo.  Tem horas que não sabemos como lidamos conosco, também nem imaginamos como lidamos com os outros. As vezes que precisei sair a rua nestes longos, intermináveis e as vezes rápidos 26 dias, e que não era para resolver nada do acidente, nós andamos pelas ruas e nós sabemos o que o nosso corpo sente, aquilo que é provocado no nosso pensamento e no nosso coração quando começamos a imaginar: ele passava por esta rua, aqui ele comia naquela lanchonete, ele conhecia o dono daquela mercearia, ele frequentava aquele lugar, ele cortava o cabelo aqui, e isso e aquilo, e muitas vezes essas saídas são uns martírios.  


Nós sabemos o tamanho de nossa falta, de nossa perda, do quanto estamos machucadas, e pensamos que as pessoas nos vêem daquele jeito, como seres faltantes e nós não sabemos como reagir, nem as pessoas, e tudo que sentimos ou pensamos naqueles trajetos é que queremos sentir nossa dor, e não sermos incomodadas ou reconhecidas por ninguém.

Busquei muitas vezes o anonimato, busco até hoje. é como se não soubéssemos quem somos mais. A referencia mais forte que tínhamos da vida era delimitada pela relação que mantínhamos com o querido, o amado que se foi. No meu caso,acho que antes mesmo de me definir como mulher, para mim vinha a maternidade.  Engraçado que eu imaginava que uma relação entre pais e filhos perfeitas era aquela redondinha, num extremo de conformidade e cumplicidade. Não tive ou construí uma relação assim.  Tive uma relação real e normal, onde nos expressávamos e discordávamos em muitas coisas, mas nunca nos valores cruciais, nunca nos valores morais, nos valores espirituais.  

Tive uma relação de companheirismo, de amizade, de cumplicidade, mas não era a mãe que tudo sabia do filho, sabia o mais importante, sabia quem ele era. Não era a mãe que estava beijando todas as horas ou mimando-o, apesar de ser meu filho único, mas era na minha mão que segurava em todas as vezes que precisou tirar sangue, pegar a veia para os inúmeros soros, para os pontos, etc.  Ganhei os primeiros pedaços de bolo de aniversário, com algumas concessões para minha mãe. Assisti a vários jogos escolares. Participei de muitas conquistas do seu lado. E nos últimos dias  compartilhou os segredos do coração.     

Hoje revendo a nossa história, é difícil acreditar que o perdi. É dificil acreditar que desconheço uma relação melhor.  Não tive problemas da adolescência.   Ainda era necessário pedir permissão para ir para os lugares, ainda escolhia as roupas que ele vestia, muitas ainda comprava sem ele do lado, ainda fazia prato para ele comer, ainda assistia alguns programas com ele, ia ao cinema juntos e assistíamos aos filmes que eu escolhia, e embora a opção dele fosse outra, assistia comigo. Ainda rachávamos o pacote de pipoca e o refrigerante, ultimamente, o suco de tangerina. E na saída também rachávamos o milkshake de ovomaltine do Bob's. Ainda andávamos de mãos dadas no shopping e só para me pertubar, muitas vezes ele me chamava de coroa, ou anciã, quando eu teclava alguma coisa e escrevia as palavras por inteiro, com exceção de quando (qd) e você (vc), e ele dizia -" o que você abrevia nao sei o que significa", em seguida ele ria.

Mas também discutimos assuntos muito sérios, como o ponto de vista dele numa redação sobre o aborto ainda quando estudava no CCPA, no ensino fundamental. Ou as dúvidas legais que ele tinha sobre qualquer coisa, ou as questões das relações de nossa família, ou sobre futuro, seus sonhos. Falávamos de coisas do coração. Do seu e do meu.

Hoje fico me perguntando o que eu responderia se alguém que nao me conhecesse me indagasse se eu era mãe. Não sei responder. por isso troquei meu perfil no orkut, nao tenho sobrenome com brasão familiar, meu sobrenome foi o que a maternidade me deu, sou fulana, mãe de fulano. Mas não foi um fulano qualquer, é o cara, o cara que mudou a minha vida, é o presente de Deus em minha história.

Hoje não sou mãe, e não tenho família. Faço parte da família de minha mãe, mas perdi a minha família, e com ela muito do meu referencial de vida e de gente.  Dentre todos os sofrimentos e amarguras que uma separação deste porte causa, e que eu descubro a cada dia como sobreviver a todas elas, reside uma muito desafiadora: O que dizer ao meu coração, que não entende o que a razão acatou? O que dizer para que ele não sangre e veja o que acontece a minha volta?

Acho que ter outros filhos nesta hora, pode responder temporariamente a questão, pela obrigação moral em continuar pelos outros, os filhos vivos. Mas para quem não os tem, ainda não sei qual o consolo, qual a resposta. Sei que Deus é a maior fonte desse bálsamo, mas ficamos tao envolvidos com a dor, com as racionalidades, com as frustrações, com o pesar, que cada dia passamos pela dor e não creditamos a Ele mais um dia de superação, porque o refrigério não é imediato.

Sentimos o cuidado em tantas coisas: nas palavras dos amigos, nos abraços em silencio (muito confortantes), nas visitas, nos cuidados, nos louvores, nos irmãos em Cristo,  na nossa família, nas lembranças e memórias, nas sensações de paz que as vezes nos invade, na Palavra de Deus, na Igreja- ah! mas a dor...ela continua lá, cada dia mais forte, mais dona da situação, ocupando um lugar maior, porque nos deparamos com perdas que ainda  não havíamos percebido no processo. é uma coisa meio louca, do nada, alguém fala de sogra e você se depara que não será sogra, e que não terá nora,  eu perdi isso, apesar do que todo mundo fala de sogra, eu sei o que é ter uma  sogra especial, e queria ter sido sogra de alguém, afinal ele era meu único filho, eu queria acertar, queria facilitar a vida deles.

Junto com essa perda diária vem a construção futura, como fazer para que meu coração acredite novamente que a felicidade pode ser reconstruída? Não sei.

Não faço a menor ideia de como começar, e hoje lembrei de uma poesia de meu inicio de adolescência, próximo a perda de meu pai, que ainda é muito presente nesta nova dor, parte dela dizia assim:

"...Embora apenas reste 
a dor para consolar
Ficou em mim
quase sem fim
sua lembrança
feito esperança
para ver enfim,
voce voltar...


sexta-feira, 17 de junho de 2011

A BIPOLARIDADE DA PERDA

Há cerca de 06 anos conheci um casal que tem uma importância muito grande em minha vida.  Primeiro pela vida cristã que eles me apresentaram, segundo por toda a família (três filhos casados e seus respectivos cônjuges) trabalhando na obra e terceiro, pelos inúmeros conselhos à luz da Palavra, que ao longo dos anos eles me deram.  Eu os amo muito, tanto que, muitas vezes disse que eles foram o meu premio do consorcio.

Ao longo desses anos trocamos muitos e-mail's, vários telefones e pude ser recebida na casa deles várias vezes. Na viagem inesquecível que fiz com Rafa para Cancún em 2010, eles tiveram uma grande influencia, pois o cabeça do casal se reportava a Cancún como um lugar obrigatório que uma pessoa tem que ir, além de ser paradisíaco.  Eles tinham razão!

Na semana da viagem tive oportunidade de ir até lá, pois Rafael queria visitá-los. Pudemos lanchar  juntos e peguei mais algumas dicas da viagem que seguimos à risca.  Voltei a encontrá-los em dezembro de 2010, para mim é sempre uma festa. Os amava, e os amo tanto, que parece que já os conhecia de longa data.  

Em maio deste ano, ele nos deixou. Ele foi para a Gloria, estar com o Pai.  E eu, conhecia tão pouco dos mistérios da vida e de Deus que cria indubitavelmente que Deus o curaria (pois lutou bravamente com um câncer, diagnosticado no mesmo ano que eu o conheci). Orei muito, e a cada batalha vencida eu cria mais em Deus. Cada retorno do hospital eu vibrava com a fidelidade do Senhor. Cada vez que ele ficava muito mal e se recuperava e ficava tão bem que nós dizíamos que ele nunca esteve tão bem, eu me regozijava no Senhor e testemunhava de Seus feitos na vida do meu dileto amigo.  

A vontade que tive quando soube que ele já estava muito mal e já hospitalizado, era estar lá com eles, e logo em seguida ele partiu. Eu nao podia fazer nada, não sabia o que diria, só queria chorar com ela, pegar em sua mão, pegá-la no colo. Dizer o quanto os amava, apesar de ter dito todas as vezes que tive oportunidade de faze-lo.  Não pude estar com eles. Fiquei de longe sofrendo aquela dor.  Rafa também chorou essa dor. Ele o chamava de tio.

Conversei com minha amiga, minha confidente, minha conselheira, algumas vezes...ai que dor ela estava passando. E eu fazia ideia do que era aquilo. Ela perdia um companheiro, um amigo, um irmão, um amante, um esposo; os filhos dela perdiam um pai, os netos, um avô tão presente e carinhoso. Vi aquela cena se repetindo, já tinha passado por algo bem semelhante, afinal minha mãe perdeu seu companheiro de 17 anos de estrada, eu e meus irmãos perdemos um pai...sabia o tamanho do buraco que fica no peito. Acompanhei a angustia da minha mãe que perdeu no primeiro mês mais de quinze quilos, sem exagero.  Fazia idéia do que ela estava passando e do porvir.

Algumas vezes conversando ela me dizia...as vezes acho que vivo uma bipolaridade, um dia estou bem outro tenho vontade de morrer, um consigo sentir o cuidado do Senhor, outro me sinto tão sozinha e abandonada. Alguns dias não me incomodo com as pessoas, outros queria ficar no meu canto, sem ninguém por perto, sentindo a minha dor.  Falou-me ainda sobre o compartilhar desse sentimento com outra amiga que também tinha acabado de encontrar-se com  a viuvez.

Ainda não estou pronta para falar do acidente de Rafa, mas preciso falar que o acidente vitimou dois adolescentes, dois Rafaéis -que em outro momento preciso comentar- e uniu pela dor e pelo amor, duas mães que viram seus filhos prematuramente, de apenas 17 anos, sumirem de nosso convívio.

Hoje passei o dia com ela, e também concluímos que esse processo de se acostumar, de aceitar é complicado e exige uma maturidade espiritual tão grande que ainda não alcancei (ainda nao consegui achar a palavra certa, pois aceitar significa receber de boa vontade aquilo que é oferecido e eu ainda nao evolui a esse ponto; e acostumar significa habituar-se ou adquirir um costume, também não deu tempo para tanto, e espero que não dê, que antes disso o Senhor me leve).  Uns dias sobrevivemos ao caos, em outros nós somos o retrato dele. Uns dias as visitas nos dão alento, força, solidariedade, em outros, roubam os nossos momentos de introspecção e de elaboração da perda. Uns dias valem a pena sair de casa, conseguimos louvar a Deus por tudo, em outros, nada tem sentido ou valor.  Embora, algumas vezes, no mesmo dia nos sentimos das duas formas...bem antagônicas.

Parece uma loucura as vezes a morte é tão real e dura, em outras tão sombria e vingativa, em outra tão singela e natural, mas não nos acostumamos, nem aceitamos nenhuma das formas com as quais ela se anuncia para nós. Inventamos vários mecanismos para nos defender da dor. Mas elas, a morte e a dor, estão ali a postos corroendo sonhos, vontades, projetos, pensamentos.

E neste momento de tamanha aflição que chega a beirar o desespero, sentimos uma dor incessante, uma dor tremenda, tão forte, tão intensa, cortante, que a primeira palavra que a define é o nunca. Nunca mais vou vê-lo. Nunca mais o sentirei. Nunca mais, nunca mais, nunca.  É uma coisa sufocante, a gente não vê, e talvez esse seja o problema, mas ela está lá.

Engraçado que a bipolaridade também pode ser apresentada para o socorro. A gente também não vê, mas Ele está lá. E é esse socorro bem presente na hora da angustia que nos tira de pensar no nunca e nos dá a esperança de um dia. Um dia nos veremos de novo. Um dia nos reencontraremos. Um dia isso tudo terá fim...um dia...um dia.

Hoje, mas que qualquer outro dia, eu queria estar ao lado da minha amiga, olhando em seus olhos, dizendo o quanto ela é importante para mim, pedir desculpas por nao ter podido estar ali naquele dia e hoje, agora,e bem firme num abraço de amor e dor, dizer que um dia...um dia...estaremos todos juntos, e naquele lugar em que sonhamos estar, não teremos e-mail's nem ligações telefônicas nos comunicando coisas ruins e nos tirando a paz. 

Hoje não canto para ninar, nem conto historias para uma mãe. Hoje apenas desabafo, falo de uma ferida que abriram no peito de uma mãe que eu amo, depois de uma perda tão dolorida, e que eu não posso sanar, não posso nem chegar perto e não pude protegê-la disso tudo, nem o meu amor teve condições de ser bálsamo.


quinta-feira, 16 de junho de 2011

TEMOS QUE TER UM PLANO D.

Eu desconheço ao longo dos meus 38 anos de vida, dos 17 profissionais e dos 10 de consultório psicológico alguém que tenha planejado como seria a sua vida após a morte de A ou de B, sem que esse A ou B tivesse num processo evolutivo de doença com sérios riscos de morte.  Desconheço, uma esposa, esposo, filho, avô, tio, pai ou mãe que do nada comece a planejar que se A ou B falecesse venderíamos a casa, trocaríamos de carro, daríamos os objetos pessoais, distribuiríamos alguns com parentes próximos, etc.  E depois planejasse o que faria com sua própria vida.  Tipo, se sairia do emprego, se trocaria de função se pararia de trabalhar, se mudaria de bairro ou cidade, se nao faria nada, apenas ficaria todo o resto de sua vida na cama, sei lá.  Acho que ninguém consegue agir assim e se considerar normal,acho que não.

Naturalmente tenho dificuldade de planejar coisas a longo prazo, mas mesmo as coisas corriqueiras do dia a dia que precisam ser planejadas necessitam de expressar um motivo para que eu as faça.  Exemplo, eu só faço lista de supermercado porque sem elas eu costumo gastar muito mais do que é necessário. Eu planejo o trabalho para não ficar sobrecarregada e para que a execução das tarefas e a qualidade do resultado não sejam comprometidas. Aprendi que economizamos muito quando planejamos, economizamos energia, tempo, dinheiro, etc. Mas também aprendi que muitas coisas que planejamos sai do nosso controle e para isso temos sempre um plano B, aquele que se adequa a nova realidade.

Planejei que não teria filhos, que estudaria, que ganharia a vida estudando e viajaria o mundo por isso. Engravidei, sem planejamento, aos 20 anos, fui mãe aos 21, estudei e não sai de Aracaju, mesmo quando tive convites para tanto.

Também planejei que não casaria, e se isso acontecesse de que seria uma só vez e que era para sempre. Bom, me casei, com Rafa já encomendado,  e o meu para sempre só durou 07 anos e 04 meses. E também investi na segunda tentativa do para sempre.

Mas imagina que meu planejamento parou por aí? De forma alguma. Passei num concurso com 21 anos e dizia que passaria uma chuva lá. Tenho 17 anos no mesmo lugar, dos quais 14 no mesmo setor. E fiz tantos outros planejamentos nesta área profissional, sendo que todos, ou quase todos, foram objetos de  adaptação aos planos B, C.D, E...Z.

Percebo que em todas as áreas de minha vida, alterar  o plano só exigia de mim outras habilidades e aptidões, revelando muitas surpresas, algumas decepções e frustrações, mas em todas as situações anteriores, eu conseguia andar, eu enxergava alguma coisa no final de tudo. Só que desta vez é diferente. Não enxergo a saída. Não sei como podemos ter planos, ou nos planejar quando perdemos alguém que amamos. 


Ouvi hoje um música que eu nao conhecia, cujo título é Jesus, Meu Deus Humano, e numa parte da letra da música o compositor fala que vai tentando achar o rumo por aqui.  Pesquisei a letra, parece que foi uma homenagem de um amigo para o outro. Amigos mais que irmãos, parceiros de estrada, de sonhos, de ideais e de fé, mas que com  a partida de um, a caminhada se tornou difícil para o outro.  Conforme o blog  http://blogpefabiodemelo.blogspot.com/2009/11/letra-jesus-meu-deus-humano.html a música foi uma homenagem do Pe. Fabio de Melo para o Pe. Leo.  O meu sentimento, a minha dor, hoje podem ser ninados por esta música:

Não, eu não vi a sua cura se cumprir
Eu não vi o seu milagre acontecer
Nada que eu pedi a Deus aconteceu
É... Vou tentando achar o rumo por aqui
Vou reaprendendo ser sem ter você
Descobrindo em mim o que você deixou
Grito seu nome
Desejoso de resposta
Quando vejo a mesa posta
E seu lugar sem ter ninguém
Mas nessa ausência
Sei que existe outra presença
Uma força que sustenta
E que me faz permanecer... de pé
É Jesus, meu Deus humano
Meu Deus humano
Que conhece a dor de ver partir a quem se ama
Que chorou de saudade
Que sofreu por seus amigos
E que esteve ao meu lado
Quando eu vi você partir
É Jesus, meu Deus humano
Meu Deus humano
Que conhece a dor de ver partir a quem se ama
Que chorou de saudade
Que sofreu por seus amigos
E que não me abandona
Quando eu não sei compreender
Por que você partiu
Por que você se foi
E porque o milagre não se deu como eu pedi
Não, eu não vou perder a fé nem desistir
Foi você que me ensinou antes de ir
Vou vivendo assim, conhecendo o coração
Que você fez pulsar em mim

Quando eu ouço essa música, fico me detendo ao plano B que hoje tenho que abraçar, pois planejei mal, não contava com o planejamento do Senhor. 

Planejei para esses próximos anos ver o resultado do vestibular de Rafael, um deles saiu hoje, na mesma faculdade que ele foi aprovado ano passado, planejei raspar seu cabelo em comemoração; planejei alegrar-me com seu primeiro carro sendo a primeira pessoa a andar com ele; planejei entrar com ele em uma das solenidades da sua formatura; planejei ser incentivadora dos concursos que prestaria e estar ao seu lado lendo o Diário Oficial da União com o seu nome na lista de aprovados; planejava receber seus amigos de infância em casa, após uma noite abençoada; planejei  vê-lo integrado a uma igreja e trabalhando para o Senhor; planejei levá-lo ao altar para constituir sua própria família; sonhei tomando meus netos no colo e ficando com eles quando eles precisassem viajar ou sair a noite para se divertir, planejei ainda curtir muito Rafael e o melhor, curtir com Rafael e aí sim planejei olhar para trás e ver que o resultado foi muito melhor do que o meu planejamento.

Mas nada disso aconteceu, e eu nao tenho um plano B. Aliás, nem quero um plano B.

Meu Pai, só o Senhor pode ser meu plano D (Deus). Eu sei que preciso de um plano, Deus. De um plano de Deus.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

SONHAMOS COM UM FUTURO AMENO, MAS O PRESENTE TEM SIDO AVASSALADOR.

Acho que isso acontece com todo mundo que está vivendo um grande problema. A gente perde noite de sono, diminui ou quase não tem apetite, fica ansioso, as vezes no mundo da lua (ou no mundo dos problemas mesmo) irritadiço, preocupado, por vezes atormentado por nao enxergar de imediato uma solução, ou quando a enxerga, não tem condições de colocá-la na prática.  Alguns falam sobre o problema com mais facilidade, outros, se trancam neles. Alguns conseguem conviver mais tempo com o problema e vai levando as outras áreas da vida, outros transferem o problema para todas as áreas. Uns justificam o problema se culpando, outros não admite culpa alguma, e até nega todo o problema para não ter que se envolver psiquicamente com a solução.

Imagino que quase todo mundo reaja assim, possivelmente com algumas variações na intensidade do comportamento, mas em todo caso, as pessoas que me cercam reagem mais ou menos desse jeito.  Entretanto, todos sonham com dias melhores, onde esses problemas não mais existam, onde já fora dissipada toda angústia, toda preocupação,  onde já se implementou inclusive uma solução plausível para o problema.

Hoje não vivo um problema. Todos dizem que foi a solução de Deus. Não importa o credo ou a fé, as pessoas se referem a ida de Rafa para a casa do Pai como a solução, a vontade de Deus.


Difícil imaginar que meu maior problema - e acho que de todos os problemas que a humanidade enfrenta, perder alguém que amamos deve compor o topo do ranking da lista - tenha sido vontade de Deus e que para isso, a perda, não se tem solução.  Muitas vezes nao consigo entender porque tem que ser assim. Aceitar então, agora inimaginável.  Mas em outros dias, onde sonho com um futuro ameno que não sei como será conduzido, sequer se será projetado, até esqueço  desse presente avassalador, que me roubou a paz, a tranquilidade, o sono, os sonhos, e o bem mais precioso que eu tinha, tão precioso para mim quanto para Deus, o Seu filho Rafael, e a minha família, porque já ouvi tantas vezes que o que define uma família são os filhos.  (Na verdade eu estou me dando conta de que além de perder meu filho, deixei de ser mãe e não tenho mais a minha própria família).


Mas voltando a idéia de que somos preciosos para Deus, e pensando desse jeito, de que Rafa era preciosíssimo para mim, mas muito mais valioso para Deus, começo a enxergar um futuro ameno, embora meu presente ainda seja extremamente avassalado pela saudade, pela dor, pelo inconformismo, pela teimosia, por nao me render completamente a pensar que essa era a vontade de Deus. Por que pensar assim ameniza meu sofrimento?  Ora, se Deus nos ama com um amor incondicional, maior que o de mãe pelo filho; se sacrificou seu filho único por nós; se nos dá tantas chances para que nos acheguemos a Ele e se nos traz para perto todas as vezes que os eleitos se desviam de Seus caminhos, é porque Ele nos ama muito e nos quer perto. Para alguns, mais tempo perto,  a exemplo de Rafa.



Então agora o problema não é porque Rafa não pode estar comigo, pois acho que o difícil para qualquer mãe é admitir que alguém, diferente de nós, possa criar, amar, proteger e cuidar da nossa cria melhor que nós mesmos. Mas existe alguém assim: DEUS.  Aí me deparo com o real problema, porque eu não posso estar perto de  Rafa? Queria poder responder. Mas sinto que a resposta é a mesma que o fez estar longe de mim, só que precedida de um não: porque Deus não quer.


Saímos de uma análise de como agimos quando temos problemas e chegamos ao âmago dela. Deus é a unica solução que posso ter para sonhar com um futuro ameno. Ele mesmo, que me pôs nesta situação  só Ele pode me fazer superá-la.  Somente Ele tem a condição de me fazer acreditar que esteve todo tempo no controle e que tudo vai acabar bem.


Falar nesse problema, a perda, é resumir de mais todo o processo,  porque não falo só da perda, falo de uma solidão que nos invade neste momento, porque queremos estar a sós com a nossa dor, com a nossa lembrança, com as nossas memórias, com a nossa vida tão unica e tão dividida com aqueles que amamos, enquanto estavam do nosso lado.  E neste caso, tão singular porque Rafael era meu filho único,  e com a separação há 11 anos, vivíamos muito uma vidinha só nossa, um mundinho  só nosso, indescritível, onde não era permitida a entrada de estranhos, e estranho era qualquer um que não fosse eu e ele.


Hoje eu tentei levar uma vida normal. Tentei ser forte, tentei me reerguer. Voltei para casa aos prantos. O que aconteceu? Nada, só aquele vazio imenso que parece que nos engole inteirinha. Cheguei em casa, peguei um agenda para anotar um número qualquer achei um bilhete. Eu havia deixado para ele uns 10 dias antes dele ir estar com o Senhor. Falava de orientações para o almoço,pois eu teria médico e não poderia esperá-lo após o ensaio da quadrilha. Era dia de feijão,arroz, farofa e rabada (e ele adorava quando eu desfiava a rabada do osso e já deixava separado). Naquela hora, relendo o bilhete que Rafa nao rasgou percebi quão difícil tem sido meu sonhar, porque meu presente não tem dado trégua, é avassalador.

terça-feira, 14 de junho de 2011

O PRATO QUEBROU, EU NAO LIGUEI.

Eu costumo ser muito cuidadosa com as coisas. Meus objetos, apetrechos,etc, geralmente têm uma vida utilitária muito grande. Eu gosto de cuidar pessoalmente das coisas. De guardá-las após o uso, de usá-las mesmo, não gosto de ter coisas e não usar, embora também não as use de forma banalizada. Gosto de ter coisas especiais para ocasiões especiais.

Dizem que as pessoas só conseguem agir assim, quando têm mais de uma coisa para a mesma função. Dois exemplares de coisas, por exemplo. Não sei. Guardo coisas há mais de 30 anos, e elas ainda são usadas e têm utilidade para mim. Dou valor a tradição e a coisas de família.

Outro dia, uns dois, três dias depois que Rafa foi para o Pai, meu sobrinho de 08 anos esteve aqui em casa, vinha da festa junina dele, e usava uma bota. Esse surrado calçado foi usado pelo pai dele, pelo tio, por Rafa e agora estava ali nos pezinhos dele. Minha família é assim, adora uma relíquia, mesmo que não tenha nenhum valor comercial. A gente também tem uma famosa blusa de quadro azul e vermelho, usada por minha mãe, por mim e meus três irmãos e que Rafa também usou. Ainda bem que existia uma moda unissex, ufa. E se hoje juntarmos nossas fotos, flagraríamos esse costume. 03 gerações usando a mesma camisa, unissex, vermelha com azul. Mas isso só pôde acontecer porque cuidamos, guardamos, acomodamos, protegemos e demos um valor sentimental a isso.

Aqui em casa também era assim. Mas Rafa, rompia com tudo. Com ele, tudo era para agora, para já. Não tinha negócio de guardar, de não usar esperando ocasião especial, a ocasião era hoje a especialidade era agora.  Eu achava engraçado, ele  tinha pressa.

Em 2009 troquei o serviço de mesa, o aparelho de jantar da diária. Comprei uns pratos quadrados bem coloridos, não tradicionais ou convencionais.  No dia que os tirei das embalagens e os lavei, ele comeu usando todo o serviço. Ele inventou pratos, na mesma refeição, para usar o prato pequeno, o grande raso, o fundo, a xícara e o pires. Todos, no mesmo dia.  E um período em que estávamos sós em casa, ele usou os 08 pratos, ele coordenava o rodízio ao por na mesa, mesmo que eu nao fizesse a refeição.


Do mesmo jeito ele agiu no seu último aniversário. Ganhou algumas camisas de presente, usou todas na primeira semana que se seguiu. Trocamos dois presentes, ele os usou, usou os dois no dia seguinte.  Agora imagina isso, para quem tem um histórico familiar de guardar, de esperar a melhor ocasião, de ser sistemático ou metódico com as coisas,e de sofrer com a finitude dessas mesmas coisas, conviver com o oposto.  Ele respeitava a diferença. Eu cedia quando o espaço era dele, mas eu continuava a chorar ou ficar brava quando uma louça que foi dos meus pais se quebrava, um paninho que minha avó bordou se rasgou ou foi manchado, ou um objeto especial parou de funcionar.


Mas isso também acontecia com as coisas novas. Comprei em novembro um maquina de fazer massa.   Ele pedia para usar e eu dizendo não, eu queria inaugurar, passou-se o tempo. Poderia ter ficado intacta, pois eu não o deixei usar, mas o Senhor perfeito em tudo, agilizou meu coração e no dia 29 de abril, véspera da última noite de entrega da famigerada Declaração de Imposto de Renda, inauguramos a maquina. Rafa, sovou a massa comigo, fizemos macarrão, vou lembrar com saudade. Fizemos espaguete e fetutine, ainda rendeu almoço no outro dia para sua avó e sua tia.  Ele  chegou tarde da escola e nao sobrou macarrão. Ele ficou chateado comigo, e muito porque tinha tido todo o trabalho. A noite ainda resenhou comigo, tá vendo,comentou, o seu macarrão bóia na geladeira, o meu não sobrou nada, eu sou demais viu, fique fã também de minha massa. Esse era o Rafael.


Aí, nos deparamos com as verdades absolutas da vida. O tempo urge, é real, não volta e determina a nossa vida. O tempo é o agora, é o viver o hoje, e para muitas coisas não se tem remédio, para outras não se tem retorno e a vida vai nos ensinando a diferenciar estas de todas as outras que, embora deixem consequências, possam se remediadas.


Hoje vivo o que não pode ser remediado.  Eu acredito que Deus pode fazer um milagre a qualquer tempo, também sei que os planos Dele não se frustram. Então, embora crendo na soberania de Deus para fazer qualquer coisa, inclusive um milagre após 22 dias, a soberania de Sua vontade foi aceita, e aceito, com dor e pesar, a ausência de Rafa, porque sei que sua Vontade é boa, perfeita, agradável. 


Esses são os cuidados que quero ter. Com as coisas de  Deus, com a Sua vontade.


Domingo, esteve aqui em casa um casal que Rafa amava muito. Ele a chamava de doidinha, e resenhava muito com ela.  Lanchamos juntos, usei meus pratos do dia a dia. Mas hoje, usei meus pratos especiais...não era uma ocasião especial. Mas os usei. O especial é o hoje, é o agora. A doidinha veio a noite, quis lavar a louça especial para servi-la. Quebrei o prato...eu não liguei.


A coisa mais especial que eu tinha, a vida de RAFA,  se quebrou. Se ele tivesse aqui, ele certamente riria, pois eu ficaria com raiva - antes de viver tudo isso - se o prato tivesse quebrado. Hoje, eu ri disso tudo, e mais uma vez pensei...é filho, nisso você também estava certo.


Então lembrei que meu filho, já aplicava um trecho bíblico que eu tinha dificuldade de vivenciar ao pé da letra, sempre queria ter controle das coisas e definir a função de tudo na minha vida e no meu futuro. Concomitantemente, lembrei de um livro, que não recordo o título, de Larry Crabb (psicólogo, conferencista, escritor e pastor americano) que dizia que Deus devia achar graça de nosso empenho querendo ter o controle remoto de nossas vidas nas mãos e nos esforçando cada vez mais para isso.  É verdade, analisando a vida de Rafael, hoje entendo o trecho que fala: 
"Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário? 
Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas? 
Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura? E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? 
Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam; contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles.
Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?
Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? ou: Que havemos de beber? ou: Com que nos havemos de vestir?
Pois a todas estas coisas os gentios procuram.) Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso.
Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal."


É, hoje posso dizer que a minha família continua tendo a mesma importância de antes, e que os valores dela também não sofreram depreciação. Todavia, muitas coisas se quebraram. ???? não sei ainda uma palavra que se encaixe aqui, e represente o meu sentimento para fazer a interjeição, demonstrando que apesar de alto preço eu me rendo a Ti, meu Senhor! Era a vontade de Deus, e ela é boa, agradável e perfeita. 


No armário do nosso coração entraram novos valores: o legado e o exemplo de Rafa, apesar de não termos sua presença física e sua aula prática de demonstração diária, de viver o aqui e o agora, nos valemos de sua capacidade de se dispor a viver para e pelo outro, em todos os seus parcos 17 anos.