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sábado, 18 de junho de 2011

COMO FAZER MEU CORAÇÃO ACREDITAR NOVAMENTE

Acho que uma das maiores dificuldades em continuar a andar, a tocar a vida sem as pessoas com as quais imaginamos que teríamos uma  relação duradoura - e por duradoura quero expressar aquela relação que nada abalaria ou separaria, como a relação de pais e filhos, por exemplo - é superar a separação definitiva deles.  Na verdade eu acho que isso é insuperável, pelo menos é o que se parece ainda quando se tem 26 dias (meu filho) ou 26 anos (meu pai) sem eles.

É uma sensação estranha, horas pensamos que parece que foi ontem, na mesma hora imaginamos, que tem tanto tempo que não o vejo.  Tem horas que não sabemos como lidamos conosco, também nem imaginamos como lidamos com os outros. As vezes que precisei sair a rua nestes longos, intermináveis e as vezes rápidos 26 dias, e que não era para resolver nada do acidente, nós andamos pelas ruas e nós sabemos o que o nosso corpo sente, aquilo que é provocado no nosso pensamento e no nosso coração quando começamos a imaginar: ele passava por esta rua, aqui ele comia naquela lanchonete, ele conhecia o dono daquela mercearia, ele frequentava aquele lugar, ele cortava o cabelo aqui, e isso e aquilo, e muitas vezes essas saídas são uns martírios.  


Nós sabemos o tamanho de nossa falta, de nossa perda, do quanto estamos machucadas, e pensamos que as pessoas nos vêem daquele jeito, como seres faltantes e nós não sabemos como reagir, nem as pessoas, e tudo que sentimos ou pensamos naqueles trajetos é que queremos sentir nossa dor, e não sermos incomodadas ou reconhecidas por ninguém.

Busquei muitas vezes o anonimato, busco até hoje. é como se não soubéssemos quem somos mais. A referencia mais forte que tínhamos da vida era delimitada pela relação que mantínhamos com o querido, o amado que se foi. No meu caso,acho que antes mesmo de me definir como mulher, para mim vinha a maternidade.  Engraçado que eu imaginava que uma relação entre pais e filhos perfeitas era aquela redondinha, num extremo de conformidade e cumplicidade. Não tive ou construí uma relação assim.  Tive uma relação real e normal, onde nos expressávamos e discordávamos em muitas coisas, mas nunca nos valores cruciais, nunca nos valores morais, nos valores espirituais.  

Tive uma relação de companheirismo, de amizade, de cumplicidade, mas não era a mãe que tudo sabia do filho, sabia o mais importante, sabia quem ele era. Não era a mãe que estava beijando todas as horas ou mimando-o, apesar de ser meu filho único, mas era na minha mão que segurava em todas as vezes que precisou tirar sangue, pegar a veia para os inúmeros soros, para os pontos, etc.  Ganhei os primeiros pedaços de bolo de aniversário, com algumas concessões para minha mãe. Assisti a vários jogos escolares. Participei de muitas conquistas do seu lado. E nos últimos dias  compartilhou os segredos do coração.     

Hoje revendo a nossa história, é difícil acreditar que o perdi. É dificil acreditar que desconheço uma relação melhor.  Não tive problemas da adolescência.   Ainda era necessário pedir permissão para ir para os lugares, ainda escolhia as roupas que ele vestia, muitas ainda comprava sem ele do lado, ainda fazia prato para ele comer, ainda assistia alguns programas com ele, ia ao cinema juntos e assistíamos aos filmes que eu escolhia, e embora a opção dele fosse outra, assistia comigo. Ainda rachávamos o pacote de pipoca e o refrigerante, ultimamente, o suco de tangerina. E na saída também rachávamos o milkshake de ovomaltine do Bob's. Ainda andávamos de mãos dadas no shopping e só para me pertubar, muitas vezes ele me chamava de coroa, ou anciã, quando eu teclava alguma coisa e escrevia as palavras por inteiro, com exceção de quando (qd) e você (vc), e ele dizia -" o que você abrevia nao sei o que significa", em seguida ele ria.

Mas também discutimos assuntos muito sérios, como o ponto de vista dele numa redação sobre o aborto ainda quando estudava no CCPA, no ensino fundamental. Ou as dúvidas legais que ele tinha sobre qualquer coisa, ou as questões das relações de nossa família, ou sobre futuro, seus sonhos. Falávamos de coisas do coração. Do seu e do meu.

Hoje fico me perguntando o que eu responderia se alguém que nao me conhecesse me indagasse se eu era mãe. Não sei responder. por isso troquei meu perfil no orkut, nao tenho sobrenome com brasão familiar, meu sobrenome foi o que a maternidade me deu, sou fulana, mãe de fulano. Mas não foi um fulano qualquer, é o cara, o cara que mudou a minha vida, é o presente de Deus em minha história.

Hoje não sou mãe, e não tenho família. Faço parte da família de minha mãe, mas perdi a minha família, e com ela muito do meu referencial de vida e de gente.  Dentre todos os sofrimentos e amarguras que uma separação deste porte causa, e que eu descubro a cada dia como sobreviver a todas elas, reside uma muito desafiadora: O que dizer ao meu coração, que não entende o que a razão acatou? O que dizer para que ele não sangre e veja o que acontece a minha volta?

Acho que ter outros filhos nesta hora, pode responder temporariamente a questão, pela obrigação moral em continuar pelos outros, os filhos vivos. Mas para quem não os tem, ainda não sei qual o consolo, qual a resposta. Sei que Deus é a maior fonte desse bálsamo, mas ficamos tao envolvidos com a dor, com as racionalidades, com as frustrações, com o pesar, que cada dia passamos pela dor e não creditamos a Ele mais um dia de superação, porque o refrigério não é imediato.

Sentimos o cuidado em tantas coisas: nas palavras dos amigos, nos abraços em silencio (muito confortantes), nas visitas, nos cuidados, nos louvores, nos irmãos em Cristo,  na nossa família, nas lembranças e memórias, nas sensações de paz que as vezes nos invade, na Palavra de Deus, na Igreja- ah! mas a dor...ela continua lá, cada dia mais forte, mais dona da situação, ocupando um lugar maior, porque nos deparamos com perdas que ainda  não havíamos percebido no processo. é uma coisa meio louca, do nada, alguém fala de sogra e você se depara que não será sogra, e que não terá nora,  eu perdi isso, apesar do que todo mundo fala de sogra, eu sei o que é ter uma  sogra especial, e queria ter sido sogra de alguém, afinal ele era meu único filho, eu queria acertar, queria facilitar a vida deles.

Junto com essa perda diária vem a construção futura, como fazer para que meu coração acredite novamente que a felicidade pode ser reconstruída? Não sei.

Não faço a menor ideia de como começar, e hoje lembrei de uma poesia de meu inicio de adolescência, próximo a perda de meu pai, que ainda é muito presente nesta nova dor, parte dela dizia assim:

"...Embora apenas reste 
a dor para consolar
Ficou em mim
quase sem fim
sua lembrança
feito esperança
para ver enfim,
voce voltar...


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