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sábado, 23 de maio de 2020

09 anos sem voce!


9 anos sem você! E meu corpo ainda guarda a memória do pior dia da minha vida. Acordei no mesmo horário que o telefone tocou naquela noite, e fiquei em claro até praticamente a hora que eu vi seu nome naquela lista do Instituto Medico Legal, aquela hora nem sei como eu consegui respirar, alias sei sim...nos gritos na praça, no copo dá agua de um vigilante, e no abraço do pastor próximo às seis da manhã, ali foi a forma de Deus atuar e desde então já me carregava no colo.
A semana é toda sentimental, o mês é estranho. Tantas coisas fora do normal começam a acontecer para de alguma forma intensificar o amor. Do dia das mães ao dia 23 geralmente são 15 dias, extremamente repletos  de saudades e cheios de você.
Ao longo desse tempo, desde fazer formação em tanatologia (estudo da morte) a estudar muito sobre o processo para entender que não é loucura, tento descobrir  onde eu me desconectei de mim e dos planos que tínhamos,  e perpassam muitos obstáculos que exigem que eu honre seu nome e continue, ouço sua voz na minha imaginação, instigando-me a continuar mesmo que eu pare um pouco e de 500 passos para tras, eu sei que você sabe que não pararemos.
Esse dia 23 é diferente, desde que começou  nosso isolamento social decorrente de pandemia, eu tenho pensado muito mais em você. Acho que crises fazem isso! Nós acabamos ressaltando algumas coisas, e eu ressaltei  você. Usar as camisas de fotos durante esse período me fez me sentir acompanhada, falar sozinha, ou com você, também ficou  mais intenso, já que eu fazia isso quando oro pela manha dirigindo e agradecia por você, agora sem sair de casa, parece que você ocupa todas as esquinas da casa. E foi nesse clima cheio de você, que vesti coragem para deixar coisas irem.
Abri seu universo! Há 9 anos eu não dou conta de me liberar disso. E acho mesmo que eu precisava desse tempo. Até aqui eu vivia de memórias e lembranças, um punhado de fotos em vários arquivos com medo de perde-las, a necessidade de ter as mesmas fotos nos portas-retratos do quarto para criar uma rotina. Mas hoje eu mergulhei em sua praia com mais profundidade, e Deus cuidou inclusive disso.
Essa semana fui surpreendida uma amiga sua muito especial para gente que sonhou contigo, e no sonho você me mandava um recado. Continuava lindo, cheiroso, alegre, risonho, aquele  mesmo cabelo liso que caía e o jeito de passar a mão  e amigo. Muitos desses elogios eu recebi por whatssap e outros tantos na ligação telefônica que fiz emocionada agradecendo o compartilhamento. Quinta-feira outra amiga sua me responde uma mensagem e fala da dor e de como coisas banais como ouvir varias vezes  a voz da mãe, que há pouco mais de mês faleceu, falando coisas do cotidiano, favoreceu que eu pudesse falar de coisas compreensíveis no luto. Embora pareça irracional à luz de quem não compreende, eu e ela sabíamos que ouvir a voz centenas de vezes nos fazia-nos sentirmos vivas.  Eh acho que é isso! A dor é tão grande que anestesia a vida, parece que você plaina no ar e sai de si e tudo fica em câmera lenta em seu mundo, e lá fora tudo freneticamente evolui, menos sua capacidade de aceitar as coisas como são.

E ai, depois de uma semana tão intensa cheia de você, abri seus armários, suas janelas, suas gavetas e poderia ouvir você dizendo, “mãe que bagunça  lá vem você, eu já doei coisas em dezembro e está tudo arrumado do meu jeito.” Dessa vez eu te ouvi e continuei, acendi uma vela cheirosa sabor baunilha doce como você curtia, e percebi a cada cabide retirado do armário a historia de cada peça. Ao separar o que sairia e o que ficaria (ainda fiquei com muitas coisas e esta tudo certo, pelo menos por hora) me deparei com tantas historias, de um menino que eu comprei roupa e o vesti ate o final, e com raríssimas exceções minhas escolhas eram gongadas, como os últimos shorts de praia pq estava naquela fase de achar as pernas finas e preferir as bermudas tactel.  Ri ao dobrar todas as calças, como tentei que você usasse calça skiny e não consegui, você sempre tirava onda ou dizia que não era Zeze de Camargo. E depois de separar as que deveriam sair, dobrei cuidadosamente as que não estou pronta para liberar, como as duas primeiras camisas sociais (casamento de tio e final de ano), ou  o terno, ou o agasalho que trouxe do chile, ou a camisa da Coco Bongo que você comprou em Cancun, as camisas das escolas e uma onde o Mosquito nasce em apelido, ou as que tem uma historia nossa, ou a que seu avo deu do Brasil quando fomos penta acho. Mas ali ao dobrar as que não partiriam, lembrei de quantos sábados eram assim, você pegando a peça e eu as dobrando para rearrumar, para doar, para mudar de lugar, etc.
Achei os cintos, e mais nenhuma camisa de São Joao. Nós tínhamos dado todas, afinal eram sempre herdadas e não cabia mais nos seus 1,81cm, das ultimas vezes dobrávamos as mangas para não denunciar que já não serviam. Eu compensava com outras coisas, bota, chapéus, fivelas, aquele negocio de couro que põe por cima da calca. E cada coisinha me lembrava nossos preparativos. você seria o noivo na ultima quadrilha, mas não deu tempo. E ao lembrar isso como amo ter compartilhado com você, você topava tudo, eu me vejo nisso, e que prazer ter participado de seus momentos. Só gratidão!

Depois de toda as lembranças, fui olhar os sapatos e eu via teu pé chato, enorme, aquelas carnes na unha que me faziam perder a paciência para cortar tamanho seu escândalo, as botas, a crock, meu Deus eu nunca te agradeci por isso, Rafa usa 44 desde os 11 anos, nem sempre achava o modelo ou a cor que ele queria morando em Aracaju, mas o Senhor sempre cuidou, e tivemos sempre as vezes um único par disponível aqui, ate poder comprar de outros lugares, e ai você ter o direito de escolher o que usar, pq teve um tempo que era o que tinha, e ai lembrei do cheiro, ate que eu coloquei bicarbonato no tênis e você descamou o pe inteiro. O chule resolveu, e depois eu aprendi como fazer.  E todas essas memorias vieram intensas com cada aquisição e cada fase ao eu lado ate chegar na hora de tratar da sandália do acidente, e sim ela também ficou.
Resolvidos roupas e sapatos hora de abrir as 5000 caixas e me surpreendi com o que você guardava. Os apetrechos para andar de skate e patinete, você teve pais que tentaram te defender de tudo, e não conseguiram te livrar daquele dia 23. Mas ali achei as trocentas joelheiras e cotoveleiras e um monte de bola de tênis de uma época que era para ser boa heim, mas acho que não foi. Achei lembrança do niver de Sidinho, de Maya, vasos de sorine vazios, e de soro e atrovent e berotec e mascaras de aerossol, quanto aparelhos tivemos neh?
E ai não consegui me conter estava ali a sacola do relógio que te dei em 2009 . Dobradinha, e você não era de guardar isso. Dentro dela, o certificado do relógio  que você me deu no nosso ultimo dia das mães juntos. Eu sei o quanto eles representam para mim, e sei de sua alegria quando recebeu o seu.  Seguindo nessa empreitada achei os  perfumes, os do banheiro eu já tinha tirado com medo que alguém usasse-os e eu não percebesse que eles terminaram.
Espreei –os  e o cheiro era o mesmo e era como se você tivesse chegando sabe, o seu cheiro te anunciava, achei a necessaire e percebi que você era o cara mais metrossexual que eu conheci. Porque meu pai não era assim, nem o seu pai, pelo contrario.  E por mais homens com quem conviveu, não lembro de seus tios, ou de seu avo Roberto serem referencia para seu gosto, e então penso nas fases do jeans 10, depois das camisas natural art, depois a fase das coisas coloridas ate você perceber que era cuidando do rosto (inclusive usando minha base em pó) e dos cabelos meu Deus, se eu não limitasse eu não teria produto para o meu. Minha caixa de esmalte tinha a base para homens e eu ainda achei milhões de lixas de unha alicate e o conjuntinho que sua colega deu no ultimo ano, e que permanece na sua bancada.  Sinto falta de você não ter visto esse mundo blogueiro, você ia me dar opiniões que seriam referencia para vida, tipo, tem que usar o melhor e agora não tem que guardar etc.
Também não me desfiz dos instrumentos, pelo contrario, limpei e os dedilhei toquei, liguei e com certeza depois de seu abraço e seu cuidado, o seu jeito musical e poético e a coisa da qual sinto mais falta. Imagino todas essas lives nesse tempo aqui em casa, só nos dois, ainda imagino que tivesse em casa, embora se estivesse com ela também estava tudo ok agora, esses  09 anos também serviram para isso.  E do mesmo jeito, os livros e a forma como deixou sua bancada permanece resguardado, não tenho necessidade de desmontar agora.
Achei suas medalhas, e lembro de cada esporte que abraçou, e de como u dava um jeito de participar de tudo. Mesmo que você ficasse no banco, ou que sua equipe não fosse bem, mas eu queria estar ali. Ai achei o baralho, o domino, os jogos de tabuleiro...e isso me ligava a você, como me ligou ao meu pai.  E você sabia disso, e foi super companheiro de vida, no palitinho, domino, buraco, e no final tentou me ensinar poker e xadrez.  Como amo essas lembranças.
E então duas caixas enigmáticas. Uma caixa de sapato com duas calcas dobradas dentro, eu reclamava muito delas porque ficava com ar de desleixo, era a era da calça skyny e você nas cargos que deixavam a bunda mais batida e sempre era motivo de piada, não entendi porque você as guardou numa caixa de sapatos, talvez para que eu parasse de falar delas (risos) e outra caixa com minha correspondência com seu pai durante namoro e casamento. Lembro-me do dia que lhe dei, você me indagava pq eu não dei mais chances, como estava dando a quem não merecia, dei as cartas e bilhetes e meus diários, nossa conversa posterior foi tão adulta cheia de compreensão e colo, também num ciclo de quase nove anos pós-separação. Depois que ele leu eu disse que ia me desfazer e ele pediu, dizia que a historia dele começava ali. E ele acomodou tudo em outra caixa de sapatos, hoje eu sentia a mesma compreensão naquela cena, de me separar de suas coisas, e sim seu colo também me acolheu.

E assim fui esvaziando gavetas e cabides e percebi que estava me enchendo de você. Ate que achei a roupa de cama da praia do saco da ultima noite, quando eu voltei lá peguei suas coisas e o lençol, as dobrei juntas e coloquei num saco, ao abri-lo, seu cheiro me invadiu e eu me senti abraçada. EU precisei guardar tudo por esse tempo, para nesse momento tão delicado do mundo, e tão saudoso de vida, perceber que o cuidado de Deus é sobrenatural, porque nove anos depois, me senti envolvida no seus braços, do menino que abraçava com a alma. Sempre intenso, cuidadoso, e amoroso. O melhor de mim, o melhor de Deus.  Amo você, com todas as forças que seu amor me nutre, e Amo o Senhor Deus, que sabendo disso tudo nos garante que o melhor ainda estar por vi, e o cuidado que Ele teve conosco.
Nove anos de muitas saudades!