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sexta-feira, 17 de junho de 2011

A BIPOLARIDADE DA PERDA

Há cerca de 06 anos conheci um casal que tem uma importância muito grande em minha vida.  Primeiro pela vida cristã que eles me apresentaram, segundo por toda a família (três filhos casados e seus respectivos cônjuges) trabalhando na obra e terceiro, pelos inúmeros conselhos à luz da Palavra, que ao longo dos anos eles me deram.  Eu os amo muito, tanto que, muitas vezes disse que eles foram o meu premio do consorcio.

Ao longo desses anos trocamos muitos e-mail's, vários telefones e pude ser recebida na casa deles várias vezes. Na viagem inesquecível que fiz com Rafa para Cancún em 2010, eles tiveram uma grande influencia, pois o cabeça do casal se reportava a Cancún como um lugar obrigatório que uma pessoa tem que ir, além de ser paradisíaco.  Eles tinham razão!

Na semana da viagem tive oportunidade de ir até lá, pois Rafael queria visitá-los. Pudemos lanchar  juntos e peguei mais algumas dicas da viagem que seguimos à risca.  Voltei a encontrá-los em dezembro de 2010, para mim é sempre uma festa. Os amava, e os amo tanto, que parece que já os conhecia de longa data.  

Em maio deste ano, ele nos deixou. Ele foi para a Gloria, estar com o Pai.  E eu, conhecia tão pouco dos mistérios da vida e de Deus que cria indubitavelmente que Deus o curaria (pois lutou bravamente com um câncer, diagnosticado no mesmo ano que eu o conheci). Orei muito, e a cada batalha vencida eu cria mais em Deus. Cada retorno do hospital eu vibrava com a fidelidade do Senhor. Cada vez que ele ficava muito mal e se recuperava e ficava tão bem que nós dizíamos que ele nunca esteve tão bem, eu me regozijava no Senhor e testemunhava de Seus feitos na vida do meu dileto amigo.  

A vontade que tive quando soube que ele já estava muito mal e já hospitalizado, era estar lá com eles, e logo em seguida ele partiu. Eu nao podia fazer nada, não sabia o que diria, só queria chorar com ela, pegar em sua mão, pegá-la no colo. Dizer o quanto os amava, apesar de ter dito todas as vezes que tive oportunidade de faze-lo.  Não pude estar com eles. Fiquei de longe sofrendo aquela dor.  Rafa também chorou essa dor. Ele o chamava de tio.

Conversei com minha amiga, minha confidente, minha conselheira, algumas vezes...ai que dor ela estava passando. E eu fazia ideia do que era aquilo. Ela perdia um companheiro, um amigo, um irmão, um amante, um esposo; os filhos dela perdiam um pai, os netos, um avô tão presente e carinhoso. Vi aquela cena se repetindo, já tinha passado por algo bem semelhante, afinal minha mãe perdeu seu companheiro de 17 anos de estrada, eu e meus irmãos perdemos um pai...sabia o tamanho do buraco que fica no peito. Acompanhei a angustia da minha mãe que perdeu no primeiro mês mais de quinze quilos, sem exagero.  Fazia idéia do que ela estava passando e do porvir.

Algumas vezes conversando ela me dizia...as vezes acho que vivo uma bipolaridade, um dia estou bem outro tenho vontade de morrer, um consigo sentir o cuidado do Senhor, outro me sinto tão sozinha e abandonada. Alguns dias não me incomodo com as pessoas, outros queria ficar no meu canto, sem ninguém por perto, sentindo a minha dor.  Falou-me ainda sobre o compartilhar desse sentimento com outra amiga que também tinha acabado de encontrar-se com  a viuvez.

Ainda não estou pronta para falar do acidente de Rafa, mas preciso falar que o acidente vitimou dois adolescentes, dois Rafaéis -que em outro momento preciso comentar- e uniu pela dor e pelo amor, duas mães que viram seus filhos prematuramente, de apenas 17 anos, sumirem de nosso convívio.

Hoje passei o dia com ela, e também concluímos que esse processo de se acostumar, de aceitar é complicado e exige uma maturidade espiritual tão grande que ainda não alcancei (ainda nao consegui achar a palavra certa, pois aceitar significa receber de boa vontade aquilo que é oferecido e eu ainda nao evolui a esse ponto; e acostumar significa habituar-se ou adquirir um costume, também não deu tempo para tanto, e espero que não dê, que antes disso o Senhor me leve).  Uns dias sobrevivemos ao caos, em outros nós somos o retrato dele. Uns dias as visitas nos dão alento, força, solidariedade, em outros, roubam os nossos momentos de introspecção e de elaboração da perda. Uns dias valem a pena sair de casa, conseguimos louvar a Deus por tudo, em outros, nada tem sentido ou valor.  Embora, algumas vezes, no mesmo dia nos sentimos das duas formas...bem antagônicas.

Parece uma loucura as vezes a morte é tão real e dura, em outras tão sombria e vingativa, em outra tão singela e natural, mas não nos acostumamos, nem aceitamos nenhuma das formas com as quais ela se anuncia para nós. Inventamos vários mecanismos para nos defender da dor. Mas elas, a morte e a dor, estão ali a postos corroendo sonhos, vontades, projetos, pensamentos.

E neste momento de tamanha aflição que chega a beirar o desespero, sentimos uma dor incessante, uma dor tremenda, tão forte, tão intensa, cortante, que a primeira palavra que a define é o nunca. Nunca mais vou vê-lo. Nunca mais o sentirei. Nunca mais, nunca mais, nunca.  É uma coisa sufocante, a gente não vê, e talvez esse seja o problema, mas ela está lá.

Engraçado que a bipolaridade também pode ser apresentada para o socorro. A gente também não vê, mas Ele está lá. E é esse socorro bem presente na hora da angustia que nos tira de pensar no nunca e nos dá a esperança de um dia. Um dia nos veremos de novo. Um dia nos reencontraremos. Um dia isso tudo terá fim...um dia...um dia.

Hoje, mas que qualquer outro dia, eu queria estar ao lado da minha amiga, olhando em seus olhos, dizendo o quanto ela é importante para mim, pedir desculpas por nao ter podido estar ali naquele dia e hoje, agora,e bem firme num abraço de amor e dor, dizer que um dia...um dia...estaremos todos juntos, e naquele lugar em que sonhamos estar, não teremos e-mail's nem ligações telefônicas nos comunicando coisas ruins e nos tirando a paz. 

Hoje não canto para ninar, nem conto historias para uma mãe. Hoje apenas desabafo, falo de uma ferida que abriram no peito de uma mãe que eu amo, depois de uma perda tão dolorida, e que eu não posso sanar, não posso nem chegar perto e não pude protegê-la disso tudo, nem o meu amor teve condições de ser bálsamo.


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