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quarta-feira, 8 de junho de 2011

SEJAM COMO OS PÁSSAROS

No dia 26 de abril de 2010, Rafa postou em seu orkut, uma nova frase para o seu perfil.  No dia de sua despedida, alguns amigos me entregaram a frase e até uma crônica foi lida a partir de idéias suscitadas pela frase postada.

No segundo sábado sem meu Xeberel eu fiz algumas camisas com fotos dele, e em uma delas,com letras finas e trêmulas, decalquei a frase.  Deste momento em diante fiquei imaginando o que passou pela cabeça dele ao postar a frase em seu perfil.

Segunda-feira última usei a camisa, e toda vez que olhava aquele sorriso estampado no rosto de meu filho, lia a frase decalcada e comecei a me indagar, só conseguiria entendê-la analisando sua essência. E comecei a pensar que tem coisas que fazemos na vida, que aparentemente não têm nada a ver com o que somos. Eu explico. Quando agimos por impulso e temos costumeiramente uma reação pacata e naquela hora saímos de nosso padrão,  ficamos dias ou anos a fio tentando entender...porque fizemos isso ou aquilo. Também tem vezes que achamos que determinada coisa tem tudo a ver conosco e dali a um instante, em que compramos, em que convidamos, em que namoramos, começamos a nos perguntar, por que compramos, convidamos ou namoramos, etc.? E concluímos,  não tem nada a ver comigo, com meu jeito ou com o que sou.

Aquela frase, a do perfil, suscitou em mim as duas reações. Primeiro li e imaginei, meu filho voou como um pássaro, ele sabia que tinha asas e correu o risco.  De imediato, lembrei, meu filho correndo o risco? E comecei o processo de negação. Fiz um retrocesso para as descobertas de Rafael, e quero explicitar duas delas.

A primeira: eu mesma o ensinei a nadar, ainda com meses, descia para piscina do prédio em que moro agora e assoprava no rostinho dele e fazia-o mergulhar, e depois a nadar cachorrinho, depois as bóias de braço, e ufa! estava nadando. Teve morey boogie, mas nunca teve prancha de surf. Não se arriscava na água. Mesmo sabendo nadar...só estava onde eu estava. Olhávamos na praia ele brincando, ele lavando os brinquedos, mas na água ele não se arriscava, sabia que não tinha asas e que os galhos eram frágeis.

A segunda, ele um pouco mais velho, até os 13 anos, ele também amava skate, patins, patinete, teve todos...vários modelos, padrões e preços. Teve uma época que íamos ao calçadão da 13 de julho (lugar muito aprazível e amplamente usado para prática desportista), mas ele andava sem fazer nenhuma manobra radical e nos chamava para ver se conseguia qualquer velocidadizinha a mais.  Inauguraram a pista de skate na orla de Aracaju, era levado  duas vezes por semana enquanto eu dava aulas, ficava por cerca de duas horas lá, gastando a energia, pois morávamos num prédio que não tinha espaço para correr, brincar,pular, mas nunca o vimos fazer nenhuma manobra com nome conhecido, apenas subia e descia das pistas menores e nos apontava os ban ban ban da modalidade.  Na verdade ele mais olhava que andava. . Nunca veio ralado para casa ou tomou queda que justificasse um curativo. Ele também sabia que não possuía asas e que os galhos eram frágeis.

Ele também quis por pircing, fazer tatuagem e furar a orelha, não as três coisas ao mesmo tempo, mas épocas das três coisas distintamente...ele sabia que não tinha asas mesmo, e que nós, eu e o seu pai, cortaríamos se elas aparecessem, ele sabia que não só o galho mas a casa cairia.

Rafael era sinônimo de alegria, de diversão, de amizade, mas também de juízo, ele reconhecia os erros, hoje mesmo, revendo as mensagens no celular, quantas vezes dizia mãe foi mal, desculpe. Ou ainda quantos amigos dizendo os conselhos que Rafa dava, não era coisa de quem arriscava o vôo porque se garantia tendo asas.

Como todo adolescente, dimensiou mal muitas coisas e arcou com a responsabilidade, como os castigos porque fez isso ou aquilo, as coisas que perdia em represália a um ou outro comportamento, mas não o via como o pássaro que tinha certeza das asas e arriscava qualquer galho. Sempre soube o galho que pousava. Eu sempre dizia a ele...cada macaco sabe o ombro em que pula e o galho em que trepa (sinônimo de ascender, elevar e subir), e ele entendia o recado.

Meu guerreiro cresceu, meu menino já estava enfrentando os dilemas da vida adulta. Dizia que já sabia o que queria ser, Delegado da PF (apesar de inúmeras conversas de persuasão para tirar a idéia da cabeça, não desmerecendo a carreira, mas como fica o coração de uma mãe, ou da esposa e filhos, quando eles vão para a operação). Demonstrava cansaço pelo esquema escola-casa-vestibular e todo dia dizia que queria um estágio, queria faculdade (havia passado no ano anterior), estava apaixonado e com planos para o futuro...e queria tudo de vez.

Talvez assim eu consiga entender as asas, a segurança de tê-las e não temer um galho frágil. Ele queria tudo isso e tinha sede de voar esse trajeto: faculdade, emprego, independência, amor e carreira.  Essa pode ser a segunda forma de entender o sentido da frase na vida de meu Xeberel. Uma coisa que era próprio dele...ele não pensava no pior, ele até repreendia os pensamentos da gente quando falávamos no pior...Ele tinha solução e vontade de arrumar o que aparentemente não tinha jeito. 

Uma vez li uma mensagem que comparava os seres humanos a anjos que tinham uma asa só e que por isso precisava dos outros para juntos fazer o par de asas. É muito comovente e li para ele, há uns cinco anos.

Aprendi muitas coisas com ele.

Só não aprendi e voar sem ele e confesso que hoje  não sei o tamanho das minhas asas.Qualquer galho que eu tente pousar hoje é muito frágil e eu ainda temo. Não me lancei como águia neste vôo solo, pois meu instrutor sempre me falava de coisas boas, do melhor, e os últimos 17 anos eu voava com ele, via as paisagens pelos olhos dele, e vida através dele e por ele. 

Sua vida foi um exemplo de quem não teme o que precisa ser enfrentado e de quem se protege quando não é necessário arriscar, até a véspera  de sua partida, pois não entendo como pousou no galho frágil da garupa daquela moto, para buscar ajuda, sem pedir socorro.

"Sejam como os pássaros que ao pousarem sobre os galhos frágeis, os sentem ceder, mas não temem. Eles sabem que possuem asas." Frase postada em seu perfil, hoje só me dá um alento, a certeza de que sei para onde  voou, para o galho mais forte que temos, o antônimo de fragilidade, para os braços do Pai.

Alce filho amado o vôo mais lindo que já percorreu, e em breve tornaremos a voar juntos.
Saudades, sua mae!

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