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terça-feira, 14 de junho de 2011

O PRATO QUEBROU, EU NAO LIGUEI.

Eu costumo ser muito cuidadosa com as coisas. Meus objetos, apetrechos,etc, geralmente têm uma vida utilitária muito grande. Eu gosto de cuidar pessoalmente das coisas. De guardá-las após o uso, de usá-las mesmo, não gosto de ter coisas e não usar, embora também não as use de forma banalizada. Gosto de ter coisas especiais para ocasiões especiais.

Dizem que as pessoas só conseguem agir assim, quando têm mais de uma coisa para a mesma função. Dois exemplares de coisas, por exemplo. Não sei. Guardo coisas há mais de 30 anos, e elas ainda são usadas e têm utilidade para mim. Dou valor a tradição e a coisas de família.

Outro dia, uns dois, três dias depois que Rafa foi para o Pai, meu sobrinho de 08 anos esteve aqui em casa, vinha da festa junina dele, e usava uma bota. Esse surrado calçado foi usado pelo pai dele, pelo tio, por Rafa e agora estava ali nos pezinhos dele. Minha família é assim, adora uma relíquia, mesmo que não tenha nenhum valor comercial. A gente também tem uma famosa blusa de quadro azul e vermelho, usada por minha mãe, por mim e meus três irmãos e que Rafa também usou. Ainda bem que existia uma moda unissex, ufa. E se hoje juntarmos nossas fotos, flagraríamos esse costume. 03 gerações usando a mesma camisa, unissex, vermelha com azul. Mas isso só pôde acontecer porque cuidamos, guardamos, acomodamos, protegemos e demos um valor sentimental a isso.

Aqui em casa também era assim. Mas Rafa, rompia com tudo. Com ele, tudo era para agora, para já. Não tinha negócio de guardar, de não usar esperando ocasião especial, a ocasião era hoje a especialidade era agora.  Eu achava engraçado, ele  tinha pressa.

Em 2009 troquei o serviço de mesa, o aparelho de jantar da diária. Comprei uns pratos quadrados bem coloridos, não tradicionais ou convencionais.  No dia que os tirei das embalagens e os lavei, ele comeu usando todo o serviço. Ele inventou pratos, na mesma refeição, para usar o prato pequeno, o grande raso, o fundo, a xícara e o pires. Todos, no mesmo dia.  E um período em que estávamos sós em casa, ele usou os 08 pratos, ele coordenava o rodízio ao por na mesa, mesmo que eu nao fizesse a refeição.


Do mesmo jeito ele agiu no seu último aniversário. Ganhou algumas camisas de presente, usou todas na primeira semana que se seguiu. Trocamos dois presentes, ele os usou, usou os dois no dia seguinte.  Agora imagina isso, para quem tem um histórico familiar de guardar, de esperar a melhor ocasião, de ser sistemático ou metódico com as coisas,e de sofrer com a finitude dessas mesmas coisas, conviver com o oposto.  Ele respeitava a diferença. Eu cedia quando o espaço era dele, mas eu continuava a chorar ou ficar brava quando uma louça que foi dos meus pais se quebrava, um paninho que minha avó bordou se rasgou ou foi manchado, ou um objeto especial parou de funcionar.


Mas isso também acontecia com as coisas novas. Comprei em novembro um maquina de fazer massa.   Ele pedia para usar e eu dizendo não, eu queria inaugurar, passou-se o tempo. Poderia ter ficado intacta, pois eu não o deixei usar, mas o Senhor perfeito em tudo, agilizou meu coração e no dia 29 de abril, véspera da última noite de entrega da famigerada Declaração de Imposto de Renda, inauguramos a maquina. Rafa, sovou a massa comigo, fizemos macarrão, vou lembrar com saudade. Fizemos espaguete e fetutine, ainda rendeu almoço no outro dia para sua avó e sua tia.  Ele  chegou tarde da escola e nao sobrou macarrão. Ele ficou chateado comigo, e muito porque tinha tido todo o trabalho. A noite ainda resenhou comigo, tá vendo,comentou, o seu macarrão bóia na geladeira, o meu não sobrou nada, eu sou demais viu, fique fã também de minha massa. Esse era o Rafael.


Aí, nos deparamos com as verdades absolutas da vida. O tempo urge, é real, não volta e determina a nossa vida. O tempo é o agora, é o viver o hoje, e para muitas coisas não se tem remédio, para outras não se tem retorno e a vida vai nos ensinando a diferenciar estas de todas as outras que, embora deixem consequências, possam se remediadas.


Hoje vivo o que não pode ser remediado.  Eu acredito que Deus pode fazer um milagre a qualquer tempo, também sei que os planos Dele não se frustram. Então, embora crendo na soberania de Deus para fazer qualquer coisa, inclusive um milagre após 22 dias, a soberania de Sua vontade foi aceita, e aceito, com dor e pesar, a ausência de Rafa, porque sei que sua Vontade é boa, perfeita, agradável. 


Esses são os cuidados que quero ter. Com as coisas de  Deus, com a Sua vontade.


Domingo, esteve aqui em casa um casal que Rafa amava muito. Ele a chamava de doidinha, e resenhava muito com ela.  Lanchamos juntos, usei meus pratos do dia a dia. Mas hoje, usei meus pratos especiais...não era uma ocasião especial. Mas os usei. O especial é o hoje, é o agora. A doidinha veio a noite, quis lavar a louça especial para servi-la. Quebrei o prato...eu não liguei.


A coisa mais especial que eu tinha, a vida de RAFA,  se quebrou. Se ele tivesse aqui, ele certamente riria, pois eu ficaria com raiva - antes de viver tudo isso - se o prato tivesse quebrado. Hoje, eu ri disso tudo, e mais uma vez pensei...é filho, nisso você também estava certo.


Então lembrei que meu filho, já aplicava um trecho bíblico que eu tinha dificuldade de vivenciar ao pé da letra, sempre queria ter controle das coisas e definir a função de tudo na minha vida e no meu futuro. Concomitantemente, lembrei de um livro, que não recordo o título, de Larry Crabb (psicólogo, conferencista, escritor e pastor americano) que dizia que Deus devia achar graça de nosso empenho querendo ter o controle remoto de nossas vidas nas mãos e nos esforçando cada vez mais para isso.  É verdade, analisando a vida de Rafael, hoje entendo o trecho que fala: 
"Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário? 
Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas? 
Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura? E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? 
Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam; contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles.
Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?
Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? ou: Que havemos de beber? ou: Com que nos havemos de vestir?
Pois a todas estas coisas os gentios procuram.) Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso.
Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal."


É, hoje posso dizer que a minha família continua tendo a mesma importância de antes, e que os valores dela também não sofreram depreciação. Todavia, muitas coisas se quebraram. ???? não sei ainda uma palavra que se encaixe aqui, e represente o meu sentimento para fazer a interjeição, demonstrando que apesar de alto preço eu me rendo a Ti, meu Senhor! Era a vontade de Deus, e ela é boa, agradável e perfeita. 


No armário do nosso coração entraram novos valores: o legado e o exemplo de Rafa, apesar de não termos sua presença física e sua aula prática de demonstração diária, de viver o aqui e o agora, nos valemos de sua capacidade de se dispor a viver para e pelo outro, em todos os seus parcos 17 anos.

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