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segunda-feira, 2 de julho de 2012

AO DEUS DESCONHECIDO

Um domingo normal, normal como têm sido os últimos. Normal para mim seria mais ou menos isso...amanhece ou eu vejo o sol tomar o lugar do céu escuro, e assim penso,  é domingo de novo.


Lembro daquele domingo e sinto falta, imagino o que eu poderia estar fazendo com ele numa manha de domingo. Provavelmente neste domingo ele não teria dormido em casa, teria ido com os meninos para celebrar as bodas da Tia querida e me convenceria a dormir por lá ou insistiria a ficar com o carro, afinal já estava maior e com carteira de habilitação, mas mesmo assim, todos os domingos normais amanheço pensando nele.

Resolvo ficar como no sábado, sem parar em casa, mesmo que isso consuma minha energia. Ás vezes acho que nem é a minha vida, mas hoje descobri de fato o que me impede tanto de voltar a rotina. 


Primeiro, tenho que criar uma nova rotina, onde não tenha mais Rafa, e todas as preocupações que tinha quando estávamos juntos. Como a hora em que chegaria, o horário das refeiçoes, o que tínhamos que fazer naquele dia, medico, supermercado, levar para algum lugar, essas coisas que fazemos quando temos família, e que há 01 ano, 01 mês e 09 dias não faço mais.  Segundo, entender que sair de casa e ver as pessoas andando com seus filhos, de mãos dadas com seus filhos, não pode ser a minha sentença de infelicidade para o resto da vida. A pena já é ficar sem Rafa, não posso acrescer a essa pena, ver os outros com os seus filhos.

Quando a gente tem filho tudo muda inclusive o domingo. A água mineral do bebedouro não pode faltar, nem o biscoito, ou o lanche ou o remédio, ou qualquer outra coisa que facilite a vida dele e que sirva para construir seu futuro pautado nos valores que você defende.  Mas quando eles se vão e você fica sozinha, e eles não voltarão, porque se eles podem voltar, continuamos fazendo as mesmas coisas para que eles não cheguem de surpresa e não falte aquilo de que eles gostam. Mas se não voltarão, e eu não tenho disposição...posso ficar sem a água, por vários dias, não importa mais.  Acho que o que ficou indispensável em minha vida sem Rafa foi a internet, fico fora do ar, fora do mundo, pelo menos desse mundo que criei para cultivar nossas memorias.  E o domingo, virou um dia qualquer, sem planos de família.

No sábado a noite, conheci a mãe que havia perdido dois filhos num acidente, já postei sobre ela uma vez. Já faz sete, oito anos do acidente dos filhos. Ela ficou com uma filha e dois netos. Também conheci a filha dela, e marcamos de nos encontrar futuramente. Estávamos ali, num evento social, umas 20 pessoas agradecendo a Deus um recomeço. E nós nos entreolhávamos e nos questionávamos intimamente...recomeço?  Parece que todos os dias revisitamos a mesma cena...aquela que foi um divisor de águas entre nossa vida com nossos filhos e nossa vida sem eles.  E estamos tentando recomeçar, embora voltemos para aquele dia todos os dias, recomeçamos todas as horas, mas parece que nossa capacidade de ir pára no instante em que estamos. É como se não conseguíssemos ir adiante, o futuro é o agora.

Ela me comentou que soube que eu continuava morando no mesmo lugar que morava com Rafa, e que continuo cuidando das coisas dele do mesmo jeito, que lavo o banheiro e troca as toalhas  dele da mesma forma, que mantenho tudo como antes, que compro coisas para o quarto dele, ou que escrevo, ou que mantenho a mesma rotina da casa como se ele estivesse ali. E eu disse que só para algumas coisas, mas que tento e preciso fazer como fazia antes muitas coisas em casa, já que não posso mudar o mundo. Ela disse que não conseguiu ficar na mesma casa nem arrumar as coisas dos filhos, um casal de filhos mortos num acidente automobilístico.  E eu disse que se eu pudesse nem saia de casa, dia algum, para nada. As vezes saio para não enlouquecer, mas ainda é o único lugar que me sinto menos mal. Respiro e vivo nossas lembranças, sem criticas, julgamentos. Ali sou eu, minhas memórias e Deus.  Meu novo mundo.

Ri um pouco, fui sociável, mas voltei para casa e aqui percebi que o mundo não mudou porque tentamos mais uma vez.  Mesmo assim, tentei no domingo.

Meu domingo foi cheio de pessoas do passado, colegas de escola, colegas de faculdade e ex namorados. Todos com seus filhos e suas respectivas famílias. Fiquei feliz por eles mas não o suficiente para chegar e escrever. Ontem não consegui, nem o choro saiu com facilidade. Ontem foi uma saudade com gosto de revolta.  Em prantos questionava por que você não podia ficar comigo? Rafa, eu acho que nem disse que você era meu melhor amigo, só e apenas dizia intensamente que te amava e que você era a melhor coisa de minha vida, mas será que você sabia que era meu melhor amigo? Se sabia, porque não escolheu ficar comigo? 

Loucura? Pode ser, porque estou chegando a conclusão de que mães que continuam vivas e tocando as vidas sem os filhos ou são loucas ou loucas, não tem outra opção porque normal não pode ser. Ainda não achei outro nome...

Mas foi assim que apaguei ontem e acordei as três da manha, com o peito congestionado, com dores musculares e com a saudade de antes. A saudade de você e da gente juntos, sem questionar a você, Rafa,  o porquê, mas interrogando a Deus para que?  

Perguntando ao Deus desconhecido da Ilha de Creta, conforme Atos Cap 17, que me foi lido ontem na igreja, Senhor não és desconhecido para mim, como não sou para você, mas tudo após a partida de Rafa é desconhecido em minha vida, e basta a dor, não permita que eu intensifique o resto dos sentimentos, como injustiça, revolta, inveja que é o que sentimos quando vemos o resto da humanidade andando nos shoppings, nos restaurantes, nas praças, nas ruas, com seus filhos e nós chorando as faltas que eles nos fazem.

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