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terça-feira, 31 de julho de 2012

UMA FINA CAMADA

Sabe aquelas cenas de desenho animado, onde o lugar era um rio, uma lago, uma lagoa qualquer e por conta do frio e da neve, forma-se uma cobertura de gelo sobre aquela água e a gente ao olhar imagina que esta tudo assentado, aparentemente assentado, mas que ao pisar se corre risco e essa é a graça do desenho, alguém que cai ali.

Pois é todo mundo sabe da cena que falo, mas ninguém que eu conheço viveu isso.  Todo mundo que conheço que foi usufruir de viagens em lugares que nevavam, brincavam com  a neve, aventuraram-se, esquiaram, fizeram bonecos de neve, mas desconheço alguém que tenha caído em uma superfície assim, que por fora aparentava segurança e estabilidade e que quando nos aproximamos ele se altera e nos faz cair.

Eu me sinto assim.  É como se o mundo tentasse produzir essa camada fina de gelo sobre o rio de minhas lágrimas.  E querendo encimentar o que sinto o mundo vai provocando, à  sua própria forma, uma maneira de não entrar em contato com  a minha dor.  Enaltecendo e estimulando aquilo que está superficialmente demonstrado, o mundo aprova o recomeçar, e aposta no tempo e em conselhos de psicoachismos para impulsionar a construção desse piso fundamentado em argumentos tão fracos (remédio enfim fez efeito e editei a partir daqui...isso pode ser uma forma de encimentar do mundo...não dorme ainda, aumentemos a dose de remédio, aí ele nos apaga no meio da tarefa, independente de nossa concentração).


Então as pessoas vão exigindo de voce outras posturas: parar de usar camisas, retomar a vida pessoal, namorar, afinal seu filho morreu mas voce não, ontem eu ouvi uma pessoa no trabalho me abraçar e dizer que isso me fez bem porque estou mais magra, e até agora não entendo se me fez bem voltar a trabalhar e ela acha que em 10 dias a gente seca ou se ela cogitou a possibilidade de que a morte trouxe uma coisa de positiva, eu emagreci? 


A gente vai ficando com raiva do mundo e colocando a fina camada em uso. Criamos uma barreira, ninguém precisa nos ver daquele jeito (por isso fico muito em casa, o lugar mais protegido do mundo, porque aqui o gelo não esconde as águas profundas de minha dor).  O mundo nos machuca, nos fere de um jeito que não suportamos ter contato com ele, embora ele pense que porque porque fazemos determinadas coisas para não sucumbirmos ao nosso próprio vale de lagrimas - escovamos o cabelo, usamos um batom (ainda não aceitável para mim), vestimos uma camisa colorida, cantarolamos alguma música ou estamos num restaurante, na mesa mais reservada que ele tiver com um casal de amigos, ou colegas da igreja, ou parentes que chegam de viagem, ou porque viajamos para fugir da realidade - estamos de fato bem. 


Infelizmente não é assim. Não deixei de chorar um único dia a perda de Rafa, e os dias que consigo fazer mais coisas perto da normalidade de sair e me expor em publico, são os dias que mais dói voltar para casa, porque meu buraco continua ali, cheio de água gelada pronto para me sufocar.


Eles vêem a superfície por fora, plana e aparentemente estável, a gente sabe que a fina camada ali depositada ao cair nos leva bem fundo na nossa dor.




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