Em muitos momentos de minha vida eu não sabia que direção deveria seguir, e ficava atordoada sem saber para onde olhar, e em alguns desses momentos, Rafael já conseguia perceber que as coisas estavam complicadas e que o socorro era comumente pedido a Deus. Lembro, principalmente nos últimos anos que quando eu não sabia que decisão tomar, o que escolher, como fazer, Rafael sempre me dizia vá orar mãe, converse de novo com Deus.
Engraçado como sempre apelei para Deus, mesmo sem ter a menor pretensão de entender o que era fé, e nunca olhava para Deus como responsável por aquilo que eu estava vivendo, nunca O culpava. Sempre achava que Dele viria a inspiração para o socorro, ou o socorro mesmo, sabe quando a gente não faz nada e o milagre, a solução aparece ali na nossa frente. Sempre olhava para Deus desse jeito.
No ano de 1985, não foi assim. Eu via em Deus o único culpado pela morte de meu pai, mas não fiquei revoltada, eu não entendia nada, mas como outras três meninas tinham perdido pai, nos últimos 15 dias na escola, e aquilo já tinha me chocado muito, eu acho que imaginei que então era como se nós tivéssemos sido sorteadas, acho que era assim que eu via, aos 12 anos, o agir de Deus, como uma especie de sorteio.
Mas quando essa fase passou, no inicio de minha adolescência, lá pelos 14 anos, Deus era meu tudo. Com Ele eu resolvia tudo. Eu queria que ele ajudasse a passar de ano, ganhar jogo, ficar sarada de doença, tirar notas boas em física, química e matemática, a passar no vestibular, começar ou terminar namoro, passar em concurso, ajudar a encostar o carro na vaga, de repente ate fazer a baliza para mim naquela época em que as vagas parecem menores que o carro, etc. E Deus não se cansava, resolvendo ou não, sendo o resultado que eu queria ou não...eu não O culpava por nada.
Depois que chegam os filhos, aí a gente pede muito mais socorro a Deus. Ele continua sem se cansar de nós. A gente pede para Deus tomar conta durante o sono, durante cada vacina, durante o tempo na escola em que a gente não está junto, que ele não fique doente, que ele não sofra, que ele seja amado, que ele seja feliz, que ele faça pessoas felizes, que onde ele chegar ele seja luz, seja sal, seja prospero, seja humano, seja temente a Deus. E Deus continua sem se cansar. E mesmo quando eu não tinha a cura da alergia, a ausência de febre depois da vacina, ou que ele tenha sido preterido por quem ele amava...eu não culpava Deus por nada.
Aí vem a morte em nossa tenda, e leva nosso bem mais precioso, fruto de todo nosso agradecimento a Deus, e alvo de todas as nossas orações, e a gente pede, grita, clama, implora, se humilha, e parece que naquele momento Deus se cansou da gente, parece que ali acabaram nossas cotas, parece que Ele não nos ouve mais. E o tempo passa, e a gente se sente ainda desprezada por Deus. E a gente se pergunta, e a gente se interroga, e a gente procura um sentido, uma razão, um motivo para Deus não nos ouvir. E a gente primeiro se culpa, se culpa de não poder ter evitado.
Ah| meu Paizinho querido, foi desse jeito comigo quando você levou seu filho Rafael, que você me emprestou aqui na terra. Achei que o Senhor Se cansou de mim quando o levou. Mas depois veio a parte pior...veio a parte de Te culpar, porque era o único que podia evitar, e não quis, porque se Você quisesse, sei que nada nem ninguém frustraria Seus planos.
Aí nessa hora vem a implacável revolta. Mas nunca deixe de Te amar, não porque eu não quisesse, quis não Te amar muitas madrugadas, muitos dias, muitas horas, mas você não me deixou, você não Se cansou de mim. Ainda não sei voltar, ainda não sei onde ir, não sei por onde começar a arrumar essa bagunça que fica a nossa vida sem nossos filhos, Você sabe né, me conhece profundamente, não preciso explicar nada para Você...só queria dizer obrigado por não se cansar.
Ainda fico muito triste com Sua decisão de tomá-lo de volta, eu ainda precisava dele e sinto tanta falta de meu Xeberel, ele era tão amado aqui, revolto-me algumas vezes, as consequências Voce conhece profundamente, mas sei que ainda não Se cansou de mim, então, continue cuidando de nosso filho, do meu Rafael, e diga-lhe que ele foi a coisa mais preciosa que o Senhor já me deu, por favor Paizinho diga-lhe todo o tempo, como eu mesma lhe dizia quando ele estava aqui.
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