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sexta-feira, 6 de julho de 2012

QUANDO NAO É APENAS UMA FATALIDADE

Acho que independentemente da causa mortis, mesmo as que parece que nos prepara a mais tempo, tipo doença congênita ou generalizada, não tem um único pai ou mãe que quando perde um filho não pense inúmeras vezes que podia ter feito alguma coisa para evitar. Alguns se culpam, quase todos, mas nem sempre cabe culpa na perda. Embora a gente leve muito tempo para afastar a hipótese de nossas cabeças.   

Na verdade, eu acho que mesmo que ela não possa ser evitada, tipo pais que dirigem bêbados e provocam acidentes que vitimizam seus próprios filhos, permanecer vivo sem o filho já é o maior castigo, e viver carregando a culpa (não pelo processo psicológico que se instala temporariamente, mas pelas circunstancias que de fato traz a culpa para a conduta dos pais), deve ser desesperador.

Aos poucos eu afasto a guilhotina da culpa da minha própria cabeça. Afinal, mesmo que não  se consiga penalizar os culpados - no sentido apenas do reconhecimento da negligencia em deixar animal solto na estrada ou na canalhice de beber e dirigir provocando o acidente e não prestando socorro -  e que o processo se extinga baseado em depoimentos falsos e em pericias que não demonstram a veracidade, já que facilmente se denota a contradição dos testemunhos e a manipulação da cena do acidente e dos vestígios antes da chegada das autoridades, a relação dos pais com a causa mortis e culpados, é bem diferente da que se tem na esfera jurídica, da tipificação da conduta e da relação causa-resultado.

Para os pais, no fim das contas o que realmente pesa é a perda em si. A injustiça, o destrato ou maltrato jurídico,  os comentários e especulações acabam perdendo o sentido, a força, e a importância ao longo do tempo. Mesmo pairando o senso de injustiça, as vezes contra tudo e todos, o que conta mesmo, é a perda.

A forma como cada pai e mãe reage tem me dado força para continuar falando de minha dor, pelas mães enlutadas que conheço, pelas desconhecidas que me procuram através do blog, e incrivelmente pelas pessoas que se aproximam.  Hoje pela manha, alguém me disse, que hoje sabe o que significa "ao amanhecer, um novo recomeço".  Um dia eu falei sobre isso. Tem que recomeçar...

Debelei-me, e ainda me debelo, em meus cantos e no meu mundo, em meu silencio muitas vezes impenetrável ou indecifravel, mas quando amanhecer de novo para mim, recomeçarei. Ainda não nasceu o sol no meu mundo novamente. Talvez não tenha brilho ou calor, como antes, mas deve ser menos pior do que a escuridão do momento. Quem sabe assim, eu entenda que o melhor de Deus ainda está por vir...é melhor do que está agora, não necessariamente tão bom quando eu tinha meu filho nos braços, mas é uma promessa de que o melhor que não chegou ainda, é mais palpável que o mundo escuro atual.

Mas mesmo que as coisas comecem a buscar uma calmaria em meu interior, pois começo a sentir falta de outras coisas que perdi ao perder Rafa, e elas ainda podem ser recuperadas, -como vontade, de praticamente tudo, fome, sono, disposição, saúde, etc. - ainda não dá para olhar para trás e resumir tudo em fatalidade.

Não! Perder filho não é fatalidade, não pode ser só isso. Fruto de acaso. Que acaso é esse que leva o meu e deixa o seu, e isso ser fatalidade. Fatalidade é o pneu de meu carro furar e o seu não, fatalidade é sua travessa de comida quebrar e você perder o almoço de convidados importantes em sua casa, e não ter outra opção.  Tudo bem, a gente até usa fatalidade para se referir a morte, que seja de desconhecido, porque quando a pessoa passa a ter um nome para gente, um significado, tem parentes e uma mãe...a gente não quer ouvir que a morte de nosso filho foi uma fatalidade. 


Hoje eu ouvi isso, meu dia estava até bem, cheio de coisas que tive disposição para fazer, por isso evito sair tenho medo de minhas reações, imagina digerir a tal da fatalidade?

Cheguei em casa e fiquei me questionando porque não aceito bem esse termo para ouvir teorias sobre minha perda. Fatalidade pode ser explicado como  consequência inarredável, desastrosa de um acontecimento, ex. a fatalidade da morte. Ou ainda, coincidência deplorável, acaso infeliz...e por aí vai, um monte de outros sinônimos que nem de longe explicam para uma mãe que perdeu o filho que aquilo foi uma fatalidade.

Ninguém diz para nenhum homem ou mulher que acaba de virar pai e mãe, olha que casualidade, você virou pai, ou que normalidade seu bebê ou sua maternidade. Não, não usamos termos naturais, extremamente cotidiano ou simplista, para explicar um nascimento e parabenizar a chegada do bebê.  Tentamos tornar especial aquele momento, e aquela nova situação e aquela vidinha que está chegando.  Também deveríamos ter o mesmo cuidado para enfrentar uma morte.  Por isso me dói tanto ouvir alguém me dizer que perder meu filho foi uma fatalidade. Não, por favor não se refiram ao meu filho como um numero, um caso, uma estatística, um morto, uma fatalidade.

Rafael era, e continuará sendo uma pessoa.  A mais especial em minha vida. Ele não é para mim uma lembrança, uma saudade, ele provoca em mim tudo isso, esses sentimentos, mas ele é mais que isso. Para os pais, eles continuam sendo. Assim como os filhos com cara de joelho, que ao nascerem dizemos que são os mais lindos do mundo. 

Nenhum pai enterra apenas um filho qualquer. Os filhos são especiais e únicos para nós. Perde-los, não é um processo comum, normal e corriqueiro, não é casuístico, não é uma coincidência deplorável, nem um acaso infeliz. Não é uma fatalidade.  É permissão de Deus, é chamado, é eleição do Pai, autor da vida e da morte, e Deus não trabalha com acasos.

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