Total de visualizações de página

terça-feira, 24 de julho de 2012

ONDE MORA A DOR?


Sempre questionei o limiar de dor tão oscilante de pessoa para pessoa. As vezes ate dentro da mesma família, as vezes com pessoas bem proximas, irmãos, pais e filhos, etc. E me aventurei a tentar entender porque a reação a dor é tão diferente de pessoa para pessoa. Obviamente que não tenho explicações, mas foi criado um medidor,um limiar para dor, e parte da medicina se dedica a esse estudo. 




Dentro das dores normais ou esperadas para serem vividas, a dor do parto, a de cólica renal e as dores provocadas pelos traumatismos e pelos esforços repetitivos foram tomando uma projeção muito grande de estudo, de relato e de interesse para que entendendo mais, pudéssemos aliviar o desconforto... Se é que podemos chamar dor de desconforto. 

Com o maior crescimento dos casos de câncer, e com a descoberta cada vez mais cedo dos diagnósticos por conta do avanço tecnologico, percebe-se que muitos relatos dos pacientes demonstram o surgimento da doença mais como um achado medico, do que por proveniência da dor. Eles geralmante relatam um inchaço, uma vermelhidao, ou uma intercorrência nos exames de rotina. Embora se saiba que com o desenvolvimento da mesma e com o comprometimento das células em metástase, as dores se tornam humanamente insuportáveis. 

E chegamos as doenças da alma, ou ao mal do seculo. As depressões. Ate então, apenas a mim apresentada profissionalmente. Na maioria dos relatos de meus pacientes, depressão era uma tristeza profunda que tirava a vontade, a vontade de viver, era o relato mais recorrente. 


Motivos? Os mais variados possíveis. E ali, eu me questionava, porque não reage? Como não pode enxergar uma solução dentro dela mesma? Como posso ajudar? E percebi, na minha pratica, que ao ouvir cada vez mais profundamente eu entendia menos o que se passava. Recorria as teorias, aos casos clínicos, as equipes multidisciplinares, aos remédios, algumas pessoas superavam a aquela fase, outras não. Mas eu achava que entendia o funcionamento da doença, sua sintomatologia, seu tratamento. Coitada de mim, nem tinha um milésimo de entendimento.

Até que: bum. Acidente, choro, desespero, choro, óbito, silencio, lagrimas, vazio, velatório, choro contido, muita gente e você se sentindo sozinha, vazio, desespero, funeral, choro, choro, choro, voltar para casa sozinha, amanhece, anoitece, e você no mesmo lugar, na mesma posição sem piscar o olho, missa de sétimo, choro, vazio, criticas, comparaçoes, solidão, abandono, choro, choro, choro, informações, processo, idas a delegacia, arrumar quarto, fracasso, desespero, não doar coisas, como se elas te alimentassem de alguma forma, falar com alguém sobre a dor e a saudade, choro, choro, choro, sem sono, sem fome, sem vontade, sem vontade...SEM VONTADE. 

De viver? Não, vontade de tudo...de viver, de morrer, de tomar banho, de trocar de roupa, de trocar a roupa da cama, as toalhas, de escovar dentes, de conversar, de sair. De repente...do terceiro para o quinto mês, tudo era doloroso. Sair da cama e voltar par ela consumia a mesma energia, e se não levantasse naqueles lampejos, naquela hora que pensava: preciso tomar banho, não conseguiria fazer depois porque minha mente já me justificava, banho, banho para que? Tudo acabou. E fui brigando com a mente. 


Engraçado eu sempre ilustrava a depressão como uma doença que se instalava tirando nossa capacidade de higiene pessoal, e briguei com isso, apesar de alguns dias a prostração vencer, tentei cuidar disso achando que a depressão nao tiraria minha higiene. Esqueci de tudo mais que ela nos tira. Depressão por luto. Irremediável sentimento. 


Como dizer ao corpo, ao coração e ao espirito que tem jeito? Não tem. O jeito é conviver sabendo que nunca vai dar jeito, o jeito é viver sem dar jeito a isso. Essa é a unica forma. Era tao bom dizer ao corpo, a cabeça, ao coração e ao espirito tudo isso e eles obedecerem. É muito pior que começar uma dieta, ou parar com o açúcar para os diabéticos, ou com as drogas para os viciados, porque aparentemente não ganhamos nada... não fazemos questao pela vida. Duro dizer isso, mais é verdade. 



Acho que o único sentimento nobre que achamos plausível sentir...é morrer ali, com nossos filhos. Acho que todo luto por quem amamos é difícil. Mas por um filho, incomparavelmente desafiador, ainda não consigo decifrar o que é, mas consigo entender que não suportaria nada depois disso, porque essa dor já é insuportável por si só. Manter-se com vontade de qualquer coisa todos os dias, passa a ser o centro das atenções. Mas as nossas atenções ainda estão ali, concentradas na perda. E cada um, em seu limiar da dor, de seu jeito e a seu modo, tenta se manter respirando...porque vivo mesmo, acho que demora muito tempo para nos sentir. 

E aquele papo de Deus, de fé, de família, de crença, de igreja...isso também leva tempo para se ajustar. Você, que convive com você há tanto tempo não se enxerga mais, que dirá sua capacidade de enxergar os outros, e as coisas. Elas também começam a sere vistas com outro foco. 


Lembro que as pessoas falavam de Deus como se Deus estivesse magoado com minha reação de revolta ali no inicio da depressão. E eu ate dava bola, e acrescia às infinitas culpas, que merece um post a parte, mais essa de irritar a Deus, ate que a depressão nos deixa tristes, esquecidas, as vezes enlouquecidas....mas não nos deixou burras...hehehe. 


E eu lembrava de um Deus que me amava, que me conhecia mais do que eu mesma, e que precisava me tirar dali...eu dizia, o Senhor. me colocou aqui, só o Senhor pode me tirar...eu não consigo, muitas vezes disse, não vou facilitar o Seu trabalho. Tantos outros Rafaéis, porque levou o meu. Tantos outros bons, tantos outros melhores, mais santos, mais isso, mais aquilo....e nessas minhas estupidas conversas com Deus percebi que quanto mais me debatia, mais próximo Dele eu estava. 


Mas a dor...ela ainda dói, machuca, maltrata, espanta, sinistramente dança em nossa frente, ao nosso lado, por todo o tempo, em nossa vida. A dor mora em minha vida.

2 comentários:

  1. É minha amiga esta dor nem mesmo a gente entende né? e fica se perguntando será que é normal isso mesmo?
    Como é injusto a gente viver mais que um filho nao me conformo com isso e quanto a depressão... eu acho que ela ja virou minha aliada minha companheira pq apenas ela sabe quem ela é de verdade.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Anita, você disse tudo, nem a gente entende essa dor...mas a gente se entende, e isso pode nos ajudar, mães enlutadas brigando para sobreviver a cada dia, e de redescobrir-se em meio a essa dor. Beijo em seu coração.

      Excluir