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domingo, 15 de julho de 2012

ERA PURO AMOR, HOJE É AMOR MISTURADO

Quando eu lembro de coisas e lugares de meu passado eu vou percebendo como nossa ótica vai mudando, simplesmente porque crescemos. A enorme casa de nossa infância, o quintal onde brincávamos, o balanço preso na arvore, os pés de fruta do pomar, tudo que antes era gigantesco, a ponto de chamarmos de sítio, agora não passaria de uma casa com uma boa área de lazer.

Essa casa de minha infância, hoje parece menor , porque foi subdividida para abrigar interesses econômicos e políticos do estado em contraponto aos de família, o que a faz menor ainda do que o universo que eu enxergava quando tinha apenas 10 ou 12 anos.

Tenho a mesma sensação de que as coisas "diminuíram" de tamanho porque eu cresci. Mas na verdade, os tamanhos delas sempre foram os mesmos. Ontem, vi uma filha de um casal de amigos falar de sua boneca amiguinha e referir-se ao brinquedo falando o quanto ele era enorme. Eu lembro da minha boneca amiguinha, cujo nome era Claudia, e lembro de quando eu mal podia com ela. Ela já foi maior que eu, e depois mesmo eu maior que ela, ela ainda era grande.

Lembro de minha primeira bicicleta sem rodinha, um modelo meio masculino (graças ao meu pai e sua capacidade de comprar coisas sem a opinião de minha mãe -eu acho), sem cestinhas. Fui vitima da monareta (modelo da bike) num jarro de cimento no pé da mangueira. Eu nem alcançava o chão.

As mesmas sensações eu tenho quando vejo a piscina do clube pelo qual nadei. Aqueles 50 ou 100 m pareciam intermináveis. As dez voltas na piscina para aquecimento pareciam 10 km, e agora olho aquilo tudo abandonado, nem o trampolim oferece mais o mesmo frisson de quando eu pulava do ultimo andar (como a gente falava), nem hoje aparenta ser tão alto, nem a piscina tão funda quanto era.

E o supermercado do centro da cidade, hoje ele deve ter no máximo 08 a 10 corredores de gondolas com produtos, nem acredito que me perdi nele com 04 anos ou menos, lembro que eu nem lia ainda, e que meus responsáveis(minha avó materna que havia me levado e parou numa seção para conversar com uma amiga) foram anunciados pelo serviço de som do supermercado sobre o meu paradeiro na gerencia. Hoje ele parece uma mercearia, de tão pequeno que se tornou aos meus olhos.

Aparentemente eu cresci e as coisas mudaram de tamanho. Mas não foi isso que aconteceu. As coisas permaneceram do mesmo tamanho que tinham antes, a minha bicicleta não encolheu, a minha casa não foi tragada pelo universo, minha boneca continua do mesmo tamanho e o supermercado continua com as mesmas dimensões físicas, ao longo desses mais de 30 anos. 

A minha capacidade de enxerga-las é que foi se alterando com o tempo. Parece que quanto mais tempo passou, menor ficou a dimensão das coisas percebidas, ou elas de fato foram tomando a forma real.

Isso não aconteceu com a saudade.

O tempo passa, e quanto mais rápido passa, parece que demora a eternidade, parece que se arrasta, e quando tentamos dimensionar e quantificar a saudade, parece que a cada minuto arrastado do tempo, a impressão do que eu tinha ontem, já não serve para dizer o que sinto hoje, que já não vai servir para medir o que estou sentindo agora, que será menor do que o que sentirei ao acabar de escrever e insuficiente para mensurar quando eu voltar a ler.

Só que mais nada em minha vida acontece desse jeito. Tudo atendia a ordem cronológica do tempo e da percepção. Menos a saudade. 

No dia em que ela chegou, e ela é imediata, ela já era maior do que eu, e do que eu podia sentir ou falar. Ela não chega de fininho, na ponta do pé, ela já chega grande, já chega na hora que a gente sabe que eles - os filhos- partiram para a Gloria. É instantânea, embora ter o corpo durante aquelas horas fúnebres alivia mais do que não tê-lo. 

E nesta hora ela, a saudade, já tem o tamanho de nossa visão e do nosso mundo.

O tempo passa e a gente percebe que ela invade o mundo dentro e fora da gente. Para onde olhamos, parece que ela se enraizou. Ela está em todo lugar. Nos que íamos sempre, e nos que nunca fomos. Nos que gostamos, porque gostamos, e naqueles dos quais não gostamos, também pelo mesmo fato. Lembramos se eles, os filhos, queriam ou se não. Sentimos porque eles gostavam e também sentimos saudades porque lembramos que eles não curtiam. 

Meu mundo é marcado pelas experiencias vividas e pelas não vividas com Rafael. E aparentemente, com a mesma intensidade. Não tem para onde olhar e não ver o vazio que me deixou. Em coisas que fiz e que não fiz com ele. 

Um dia era puro amor...hoje é amor misturado.

AMOR E DOR. 

SAUDADE E AMOR.

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