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sábado, 26 de maio de 2012

12 MESES SEM RAFA BISPO

Naquele dia 23 eu soube que meu filho estava com o Pai na eternidade, mas o outro rapaz agonizava no hospital lutando pela vida. O prognóstico não era favorável. Na minha concepção, ate então eu não tinha nenhum detalhe do acidente, apenas estava velando Rafael e passei aquele dia orando e chorando bem baixinho ao seu lado todo o tempo que me foi permitido, não larguei sua mão, ela ficou aquecida e lembro de minhas lágrimas caindo sob seu rosto, mantendo-o algumas vezes com o meu calor.  Não pensava na outra mãe, só pedia a Deus que o outro Rafa saísse bem do quadro, ate para nos esclarecer o que havia acontecido.

Na quinta-feira seguinte, dia 26, eu de posse de parte do relato dos patrulheiros, do laudo do hospital de Estancia, de relato de pessoas daquela cidade que mantiveram contato com os meninos antes do acidente, fui ao Hospital de Urgência de Sergipe encontrar-me com os pais de Rafa Bispo. Estavam comigo, minha mãe, o pastor que me acompanhou durante todo o processo, uma irma da igreja que junto comigo e Rafa participava das reuniões de intercessão na entrega da sopa neste mesmo hospital.

Chegando lá conheci a mãe de Rafael, no meio daquela multidão de pessoas. Em seguida chegou o pai, que eu já conhecia da Praia do Saco por ter estado lá em casa algumas vezes.  Confesso que eu não saberia como seria recebida, afinal o filho dela morreu tentando ajudar o meu. Eu também não sabia que Rafa Bispo estava pilotando a motinha e meu Rafa na garupa, só no dia anterior isso foi confirmado com os responsáveis pelo laudo do acidente.  Eles, os pais de Rafa Bispo, não sabiam de nada.  Assim que nos aproximamos ela me deu um abraço do tamanho do mundo, choramos, ela piedosa falando que Deus tinha sido bom com ela porque ainda tinha o filho e comigo Ele não tinha sido generoso, e eu tentando acalma-la dizendo que não, talvez eu não suportasse aquela espera, que a gente nunca ia entender o que levou Deus a decidir que um vai e o outro fica.

Uma de nós não sabia que Deus levaria os dois. E eu tinha ido para o hospital com esse intuito, consolar o que não se consola, confortar o que não pode ser confortado, mas mostrar para ela, olhe para mim...isso é o que te aguarda. Dias de escuridão.  Claro que não falei nada, chorei e orei apenas. Abracei, conheci parte da família. O pastor entrou orou, conheceu o menino, orou com ele, os pais ja haviam entrado antes, conseguimos uma exceção, e dali a cinco ou seis horas o hospital me ligou avisando do óbito.  Em seguida as palavras daquela mãe...Nega, faça pelo meu filho o que você fez pelo seu.  Não corri da delegação.

Tomei nos braços, vesti, arrumei, reconheci, era outro Rafael tão gente boa que eu perguntava a Deus porque tantos Rafaéis daqui de Aracaju na mesma semana. Por que os nossos Rafas? Por acaso o Senhor precisa mais deles do que a gente? Tem ideia do que será levar a vida sem eles? Vivi tudo novamente. Com uma diferença, desta vez, com os documentos do atendimento de meu Rafa em Estancia e de posse das informações do posto policial e de algumas testemunhas chamadas ao processo, que abri na semana seguinte, dei entrevista para os meios de comunicação que na segunda aventaram hipóteses não comprovadas sobre o acidente, com ajuda até de pessoas que faziam número e fomentavam fofoca no IML, porque não tinha nada para acrescentar, nem a sensibilidade de que o lugar e a família não lhe cabiam.

Ao arrumar Rafa Bispo com a ajuda de sua tia, eu pensava nele chegando no Saco, quase não ouvíamos a voz, sempre educado, a gente chamava para comer e ele mal sentava a mesa, nunca comia, e só depois de muito tempo foi que soube que não gostava de carne, eu achava que era vergonha.  Saia com Rafa e apresentou todo o Saco.   Rafael com ou sem amigos em casa, com ou sem colegas da escola, com ou sem programação definida, há cinco anos, tínhamos a companhia de Rafa Bispo e de seu irmão Gabriel.

Tinham planos. Planos para as próximas ferias, onde viriam passar uns dias aqui em Aracaju conosco. Tinham coragem. E eu, mãe...ainda creio que tinham discernimento, e que um dia a colisão e toda a mentira escondida pelas pessoas envolvidas no acidente virão a tona. Não trarão de volta o sorriso de Rafa Bispo, a generosidade, a fidelidade aos amigos, o amor a sua mãe, a alegria aos seus amigos, mas nos dará um pouco mais de paz. Saber como aconteceu faz diferença para nosso coração.

A morte de Rafa Bispo trouxe consequências irreparáveis para sua família. Deixou uma mãe com um buraco tão grande no peito. Um pai que precisou aprender rápido a ser forte e estruturar sua família só com a força de seu caráter e a oração de seus parentes, e um irmão que tem que aprender a ser sozinho.  Três coisas que não se aprende em 01 ano, talvez não se aprenda em uma vida inteira.

A maior lição que Rafa Bispo me deixou...amizade, companheirismo.  Talvez seja essa a marca dos anjos Rafaéis.  Tem uma cena que gosto de lembrar, Rafa dormindo lá em casa no Saco e eu dando bronca em meu Rafa porque não chegou na hora que eu designei. Tinha uma explicação. Tinha tido um acidente no carro em que Rafael Bispo estava, era seu aniversario, e minutos antes, meu Rafa tira ele do carro e convida-o para vir com ele. O acidente foi grave com consequências danosas, o irmão de Rafa hospitalizado e outro ficou paraplégico.  Eu não sabia de nada disso, mas briguei horrores com o horário e para saber quem estava dormindo ali em casa, sem ter me avisado antes. Puxo a coberta, vejo o tamanho do pé, aí deixo para lá. Meu Rafa levanta e diz...só você viu mãe, viu o tamanho do pé ficou despreocupada né...se fosse 36 o numero aí ia ter confusão...rimos e depois soube de todo o acidente.

Lembro de Rafa Bispo rindo quando Rafael contou nossa discussão no quarto por conta do horário, durante a madrugada. Essa é a lembrança que guardo...do sorriso de Rafael Bispo.


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