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quarta-feira, 23 de maio de 2012

O PIOR MÊS, O PIOR DIA

É assim...a gente chega do cemitério sem nosso filho e volta para casa onde ficou tudo dele. O ultimo rabisco, a pagina do msn, o orkut minimizado, os livros da escola, a ultima roupa suja no balde de roupas para lavar, seus objetos pessoais prediletos, o livro que estava lendo marcado, resto da comida que ele gostava na geladeira, o ultimo presente que você trouxe de viagem e ele nem vai usar. E tudo continua como ele deixou, o meu deixou tudo arrumado, mas não voltará. A gente volta para casa e ele não. Pauleira! Tinha que ser silencio absoluto. Não tem sede, não tem fome, não tem vontade de tomar banho para não perder o toque, o cheiro, a lembrança da ultima vez que o tocou, mesmo que sem vida.

Você vai olhando em volta da casa, e vê o que comprou com ele, o que arrumou com ele, cada canto tem um historia, tem um comentário, tem uma participação, passei madrugada percorrendo com os olhos tudo isso, veio a hora da escola e não tinha que o acordar, veio o almoço e ele não voltou, chegou a hora da janta e nada do mesmo jeito, você percebe que ele ja deveria vir pedir a benção para dormir, mas já não há filho para abençoar. Esse dia foi pauleira.

Aí vem o terceiro dia...a revolta, a gente quer as respostas, a gente quer uma explicação, a gente quer um consolo, um conforto, mas os versículos soltos da Bíblia e a religiosidade de tantos que se apresentam são insuficientes para aplacar a revolta de um coração de mãe que perde um filho de repente.

Aí vem a outra fase, você vai percebendo que perdeu as coisas que tinha, e que também perdeu as coisa que teria. Não entrara na igreja com ele, não o verá se formando, não terá nora, nem netos, não saberá como seria sua carreira, nem seu desempenho como pai, nem saberá como é envelhecer com filhos, se teria os cuidados dele. Para onde viajariam a primeira vez em família, e qual seria seu sonho de consumo, como estariam seus amigos e eles se frequentariam adultos e as esposas se dariam bem? 

Em seguida você percebe que o mundo não para, continua implacável, só você ficou naquele lugar. Ali de frente com sua dor paralisada por dentro e se esmurrando para achar uma saída, "qualquer coisa que te fizesse sentir alegria em estar vivo".  Continuo me esmurrando até hoje.

Então você passa a fazer duas coisas: ou tudo que fazia com ele antes, na tentativa de viver experiencias parecidas, ou se proíbe de viver qualquer experiencia, nos lugares, com as pessoas, ou sei lá, coisas que te reportam a lembranças dele. Eu optei pela segunda opção. Risquei cinema, shopping a toa, praia, pipoca com filme em minha cama, Cancún, comida em casa, restaurantes, etc. Hoje algumas coisa eu faço, mas ainda muito difícil, restaurantes, pessoas e situações ainda são evitadas, não voltei ao cinema, não sento nos lugares que sentava e comia com Rafa, pedir água ou pizza por telefone e ouvir é da casa de Rafael, foi ficando doloroso e evitado.

Então vem as datas, porque ele se foi, mais ainda comemoram aniversários em família, natais, réveillons, seu aniversario, o aniversario dele, dia dos pais, das mães, páscoa, feriados prolongados, precaju, carnaval...Fugi de todas as datas e de todos. Não tive Natal, tentamos um réveillon bem longe, passamos, eu e meus irmãos,  o dia no quarto do hotel, num porre solitário, numa nostalgia deprimente, meu niver dormindo e o dele consegui ficar entre seus melhores amigos. 

Cada mês seu próprio calvário. O mês de março o pior de todos.  É o mês de maior concentração de aniversários da minha família. Em quinze dias, entre a ultima semana de fevereiro e a segunda de março, temos 06 aniversários. Na mesma semana, três: o meu, o de meu irmão, e o de RAFA.  Esse mês, remédio entrou mal, passei mal, dormir e acordei travadíssima, doía tudo. Doía a alma, doía o corpo, doía o espírito. Tive esquecimento, vertigem, bloqueio, cheirei (colisão sem estragos) num único dia três vezes o carro que ficava a frente do meu. Ainda nesse mês, niver de Tico, um de seus melhores amigos e de sua paixão.   Esse mês, eu não consegui nem escrever direito. Esse mês, ate os médicos interferiram porque estava insuportável carregá-lo.  Solicitaram que eu não escrevesse, aumentaram e prescreveram novas drogas...mas a dor, essa ainda não inventaram o remédio que a minimize ou a tire. Então o mês acabou, e com ele minhas forças também.  Deixou de lembrança as dores pelo corpo, a crise de garganta, a crise de bursite e as crises de mais de 48 horas ininterruptas de dor de cabeça.

Até que veio maio, e se março foi difícil, maio foi desesperador. Niver de Gui, outro amigo, sem Rafa, sem as negociações de Rafa para ir para Boquim, sem as resenhas seguintes. Dias das mães...sem comentários, 30 horas de sono, mãe sem filho, na minha cabeça não tinha motivos para ficar no mundo, devia ser assim: filho morreu, para que mãe...mãe morreu, por que deixar filho sem mãe? Mas nem fiz nem posso interferir nas regras. 

Então começa a contagem regressiva para a cadeira elétrica. Aí você percebe que você tentou, mas nenhum de seus planos se realizaram, você continua respirando, e as pessoas te perguntam todos os dias em contagens regressiva: 01 ano não é? Vai fazer alguma coisa? A vontade era dizer, vou... vou morrer. Deselegante, deseducado e mal-criada...mas doía tanto saber que esse dia chegaria e com ele o atestado de distancia que mediria minha saudade. Meu filho deixaria de ter partido recentemente para ter partido há um ano.

Meu Deus, e esse mês ainda não acabou, ainda tem Neide enfrentando a mesma coisa daqui há dois dias. 

Mês de maio... mês das mães, mês das noivas, mês que medem um ano de distancia dos Rafeis e para nós, que o perdemos esse é o pior mês, 23/05 o pior dia.

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