Eu continuo postando no orkut de Rafael, não todos os dias como no início, mas posto com frequência, e não sou única. Continuo mandando torpedos para o celular dele, cujo número eu sou a titular, não o cancelei, e também não sou única. Continuo escrevendo para ele, sem ter nenhuma certeza sobre nada. Se ele vê, se ele sofre, se isso prejudica. Para as duas ultimas meu juízo de valor responderia que não, mas quanto a primeira, não sei. Por isso, não me importo, não me faz mal, eu preciso colocar para fora o que sinto, e faço de varias formas. Tenho medo que o orkut saia do ar, que o blog seja raqueado ou tirado do ar, ou outros medos e por isso, falo, falo, falo...de minha dor, de meu amor, de minha saudade, de minha experiencia com a perda, de meu processo de sair do fundo do poço, etc.
Recentemente, no orkut de Rafa, uma mensagem me fez perder noites de sono. Isso tem repercutido dentro de mim. Dor de mãe é diferente de dor de pai? Porque falam que mãe só tem uma? Não sei responder, mas a sensação, sem medir a dor de mais ninguém, é que ninguém pode sentir a dor de perder Rafa como eu sinto. Mas não posso falar da dor do outro. Eu acredito mesmo que o fato de ser gerado dentro de nós, a ponto de ser afetado com o nosso humor, com nossa alimentação, nosso biotipo, nossa qualidade de vida, nossa emoção, faça deste elo mãe-filho uma coisa especial, em detrimento de qualquer outro.
Falam que mãe é a que cria, não a que gera, e quando a que gera cria, acho que isso se solidifica. E quando o filho é único, e vive com a mãe, no olhar a gente sabe o que acontece com nossos filhos. Sempre trabalhei muito. Comecei a trabalhar Rafa tinha apenas 09 meses, e fazia duas faculdades, uma a tarde e uma a noite. Mas saía de casa as sete e Rafa, que acordava cedo, já ficava de banho tomado. Eu dava seu banho. Limpei cocô, puxei catarro do nariz com minha boca, ao amamentar via pedaços de meus seios dilacerados, mas não desisti. Segurei para todas as vacinas, ou a maioria delas, foi comigo que vi a maioria das coletas de sangue, sentado em meu colo e distraindo-o para não chorar. Morei 13 dias no Hospital, quando ele teve meningite, não vinha em casa nem tomar banho, com raras exceções, dava aula na primeira semana e na segunda, depois da convulsão, aí não saí de perto. Mas viajei muito a trabalho, e me senti muitas vezes culpada, apesar de ter sido necessária.
Algumas correntes psicológicas defendem que a criança se percebe como a mesma pessoa da mãe, como se fossem uma só. Como se não tivesse sido rompido o cordão umbilical. Quatro horas antes de Rafa morrer, eu chorava em seu quarto, um choro sentido, amargurado, sem razão de ser. Hoje eu sei qual era. Coisas de mãe. Apenas nas duas ultimas décadas, os estudos e pesquisas começaram a incentivar a participação do pai no parto, para já manter contato com o bebe, porque até então é indireto.
Tem pais que sequer acarinham a barriga durante a gestação, falam com seus filhos, ou são companheiros de suas esposas, tem homens que ficam tão gasturados durante a gravidez que não curtem a mulher gravida, a barriga que cresce, o quarto, as lembranças, etc. Eles se preocupam com a saúde da esposa para que o filho seja saudável, no nome do bebê e na provisão, que nem sempre são capazes de suprir, vêem apenas o lado pratico e racional da gestação, que é ínfimo perto da relação que se solidifica entre mães e filhos.
Se é maior a dor de mãe da dor do pai? Não vou responder. Mas ninguém no mundo, ninguém, sente a minha dor. Dor de mãe é diferente. Fico pensando porque na Bíblia não se tem, na mesma proporção, narrativas e versículos que falem de mães que perdem filhos tanto quanto pais que perdem filho. Uma das historias mais lindas da Bíblia, na minha opinião é sobre o amor do pai que recebe com festa o filho prodigo. É o amor de um pai que está ali narrado. Louvo a Deus porque Rafa pode sentir o amor de um pai, tão especial quanto aquele da Bíblia. Rafa não tinha duvidas do tamanho do amor que seu pai lhe tinha, bem como o tamanho da dor que ele tem dentro de si hoje.
Pais e mães choram seus filhos. Cada um, a seu modo e do seu jeito. É dor de pai, e dor de mãe. Sobremaneira diferentes. Tanto quanto no dia do nascimento de seus filhos. Era alegria, mas a emoção é diferente.
Rafa foi gerado dentro de mim, morou comigo seus dezessete anos, dois meses e nove dias, e arrancado de minha casa para a casa do pai. Do Pai do céu.
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