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sábado, 10 de dezembro de 2011

QUANDO VOCÊ SE FOI OS MEDOS SE DISSIPARAM

Ao longo de nossas vidas convivemos com uma seria de medos que muitas vezes nos sufocam, em outras nos paralisa, em outros momentos nos desafiam a superar, mas o medo, ou os medos, nos perseguem a vida inteira.

Temos medo de escuro, de levar bronca, de sermos pegos colando, de sermos pegos na mentira, de nos flagrarem roubando fruta do vizinho, os medos de nossa infância. Tive muitos. Tinha medo de estatuas, de imagens de santo, tinha medos de animais, desde uma simples galinha, tinha medo de trocar o gás do fogão, tinha medo de morto, de espirito, de apanhar, de levar sermão de minha mãe (era melhor apanhar, que levar o sermão, a surra, levei poucas ou nenhuma, acaba logo e o sermão... misericórdia).

Depois a gente cresce, e os medos vão ficando mais complexos. Medo de ficar só, medo de morrer, medo de escolher errado, medo de não passar no vestibular, medo de dirigir (de fazer baliza e meia embreagem), de bater o carro, medo de voltar tarde da noite dirigindo sozinha, medo de parar nos sinais, medo de desapontar os pais, medo de engravidar antes de casar, medo de não ser feliz, medo de nunca mais se apaixonar, medo de não ser interessante, medo de não  emagrecer, medo de não ser considerada bonita e isso não mudar nunca. Enfrentei todos esses medos, durante minha adolescência e inicio da vida adulta, confesso que o medo de imagem e espíritos ainda me perseguia até então. E mais um medo, bem especifico de minha historia, pois ja havia perdido meu pai, eu tinha um medo muito grande de perder minha mãe. Delas sumir de uma hora para outra de perto de mim.

Durante a transição para a vida adulta e isso se deu com minha maternidade aos 21 anos, abandonei todos os outros medos, todos, todos e comecei a encarar novos medos: medo de não ser capaz de me responsabilizar por um ser, medo de envergonha-lo, medo de não vencer, medo de não protege-lo e combati todos esses medos, a medida que Rafa foi crescendo e isso foi me exigindo uma força que eu não tinha antes.  Eu podia enfrentar o mundo para protege-lo.

Mas no meio deste processo de crescimento, Rafa desenvolveu uma alergia, muito, muito forte, que o fazia estar constantemente em urgências, tudo era questão de segundos, um novo alimento, o ar que mudava, uma fruta que ate então ele comia, a carne de porco que ele amava, o leite, medicamentos de uma forma geral, e cada crise, meu Deus. Eu achava que ficava de frente para a morte toda vez que ela era mais séria.  Eu tive um anjo cuidando de Rafa, que aos 15 dias apresentou sua primeira crise de infecção na mucosa e nos pulmões, segundo Dr. Djalma (pediatra de Rafa até os seis anos, quando faleceu repentinamente antes dos 40 anos por infarto). A falta de Dr Djalma me fez enfrentar um novo medo, eu tinha que socorrer Rafael das crises sem contra com aquele escudeiro fiel em forma de pediatra. Senti a falta dele até hoje. Poderia apostar que se Dr. Djalma tivesse aqui quando Rafa partiu não teria saído de perto da gente, porque seu carinho e consideração eram imensos.

Durante essas crises de Rafa, em pelo menos duas, tive medo de perde-lo, a crise em que o levei já bem roxinho ao João Alves, em 1996/97, e ele dizia no caminho "mamãe Rafinha esta muito mal", e eu num fusca cinza desesperado entrei porta adentro do João Alves, na época Dr Djalma estava de plantão lá e  era o responsável pela pediatria do Hospital, quando viu meu desespero disse, venha para cá agora e me deu as indicações para que eu chegasse lá (nunca tinha entrado naquele hospital). E a segunda na primeira crise em que ele teve edema de glote e edema de Quinke por conta da Dipirona, que ele tomava sem problemas. Quando cheguei na urgência da Renascença, eles nem me prenderam para assinaturas e prontuários, Rafa entrou direto para o atendimento, e outro anjo Andréa Diniz, reanimou Rafael.

Daí em diante fomos criando habilidades para lidar com as inúmeras posteriores crises alérgicas que enfrentamos.  Rafael teve que lidar com elas até o ultimo dia de vida, pois foi em Estancia buscar condições de sair da crise alérgica. Foi comprar o remédio, ficou internado pela piora de sua crise no Hospital Regional de Estancia e no retorno para casa, encontrou a morte.

A medida que Rafa crescia meu medos também eram transformados.  Já não tinha tanto medo de não protege-lo, mas temia que ele não se protegesse de uma forma geral.  Rafa era muito pacifico e amigueiro mas eu sempre temia que ele, para  ajudar aos outros, se metesse em alguma confusão, por isso não o deixava andar de ônibus, sempre achei que ele fosse se envolver para ajudar e não que não quisesse que ajudasse, mas queria protege-lo de seu coração por demais generoso. O Rafa Bispo morreu por ter sido generoso com meu filho, foi ajuda-lo e eu tentando poupar Rafa... que absurdo. 

Mas também tinha medo de que Rafa se decepcionasse afetivamente e fosse ferido (não o protegi tanto quanto gostaria, não mandamos no coração e Rafa feriu e foi ferido por amor algumas vezes); também tive medo de que ou eu ou o pai o faltasse ( e o ensinei como se virar com a falta de um pai ou de uma mãe, pelo menos teoricamente); tinha medo de que Rafa não fosse feliz profissionalmente; de que se afastasse de Deus e dos Seus caminhos; de que não escolhesse direito a esposa; de que não tivesse uma família (que era o grande sonho dele, mulher, muitos filhos, cachorro, amigos, festa, alegria, farra, etc); etc.

A medida que nossos filhos crescem , também tememos os males de nossa sociedade. Temia que Rafa bebesse; que se envolvesse com drogas; com amizades ruins; que tivesse comportamentos socialmente reprovados; que tivesse problemas em assumir a sexualidade; medo de que fosse vitima da violência; de preconceito de qualquer tipo e em qualquer lugar; de que não tivesse seu direito reconhecido; de desenvolver de doença grave; sei lá, tudo que a gente ouvia, qualquer e-mail que liamos e que era capaz de colocar nosso filho em risco.

Apesar de todos os medos, nada do que me amedrontava para perde-lo me aconteceu. E eu nunca temi a vontade de Deus, e foi ela quem me surpreendeu, minha vida sucumbiu ali naquele dia em que ousei pedir a Deus que Ele não fizesse a vontade Dele, de levar meu filho.   Percebi que ao mesmo tempo em que não era ouvida, meus medos iam se acabando,  encerrando-se por si mesmos, e acho que antes de fazer uns 45 dias, eu ja tinha vencido todos os medos novos que se instalaram depois de Rafa ter partido: novamente medo do escuro; medo de espíritos; medo da solidão  medo de viver muitos anos; medo de fazer uma loucura; medo de nunca mais levantar; medo de tocar a vida; medo de rir; tantos medos, tantos.

Mas a dor me deixou imune, pois não tenho mais do que ter medo, posso pular de um penhasco sem para-quedas e não ter do que temer, nenhum  machucado produzido pela queda ou a própria morte será dolorosa, nenhuma dor física, emocional, psicológica ou espiritual advinda da queda pode ser maior do que a dor sentida hoje.  Quando Rafa se foi, meus medos se dissiparam, posso dizer que as vezes tenho um medo recorrente, e único que pode me tirar o sono: se eu não encontra-lo novamente, mas as promessas de Deus são eternas, e Ele não se decepciona comigo, porque Ele me conhece e conhecia meus medos, então, quando esse medo de não encontrar mais Rafael tenta se instalar, eu lembro que o medo não é companhia para os que conhecem a Deus.



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