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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

ELE ERA CAFE COM LEITE

As coisas mais complicadas da vida, Rafa tirava de letra. As privações, as rejeições, as separações, Rafa não ligava o momento, ele ligava a historia, ele tirava por menos quando o que acontecia no momento não invalidava a importância da historia toda.  Na verdade, Rafael ligava para o que merecia relevância, o resto, ele encarava com simplicidade.  Rafael na verdade  vivia o momento com intensidade, mas não supervalorizava o que embassava a historia, ele sabia que o brilho dela refletiria lá na frente e fincava os olhos lá.

Hoje eu acho que Rafael era  um velho, no sentido de maturidade para vida, num corpo de adolescente. Pais sempre acham que protegem os filhos, eu também pensava assim. E minha dor é maior porque não o protegi da unica coisa que o momento valeu muito mais do que a historia inteira.  Não que a morte dele fosse superior e devastasse a vida que teve conosco, mas de tao prematura que foi sua partida, o momento que definiu o ficar e o ir, hoje tem uma importância tao grande nos meus dias que é superior ao que deixamos de viver.

Hoje durante o sono ainda muito irregular, apesar dos medicamentos, lembrei de quando Rafael chegou do Ed. Del Rey, e quando ele brincava com os meninos mais novos que ele, e ele me contava dos guri e ele os chamava de cafe-com-leite. E eu ri sozinha lembrando de quando Rafael era cafe-com-leite. Quantas vezes durante o período de separação que morei com minha mãe, e ainda todos os filhos em casa, os meninos, tios de Rafa, zoavam muito brincavam de tanta coisa juntos e Rafa com seis anos queria por queria brincar...e eles para provoca-lo diziam, não você não vai brincar não, saia, e Rafael insistia, e eles não, ate que um dizia tudo bem, você vai brincar mas você é cafe-com-leite, ele ficava estressado, ate que conseguia brincar e sempre perdia...de que era a brincadeira? de luta, para valer.


Na época destas brincadeiras, as gritarias e correrias no apartamento eram frequentes, e Rafa sempre vinha, depois que apanhava nas lutas, correndo para o quarto e eu dizia que ia conversar com os meninos e ele dizia, não eu não quero ser cafe-com-leite. Eu intervia, mas volta e meia, estava Rafael lá no meio da berlinda, cutucando os meninos para apanhar.


Lembro que era o auge de um programa de Tv, que um dos animadores do palco, era um rapaz muito magro e pode-se dizer que a beleza não foi uma virtude que lhe sobrevinha, os meninos, aprontavam com Rafa, fantasiava Rafa e o chamava muitas vezes de markito (dai já dá para ver o nível do programa e dos personagens). E eu reclamava com Rafa e ele ainda com 7, 8 anos dizia  eu gosto de ser brega mãe, só não gosto de ser cafe-com-leite.


Filho, todos esses dias eu digo a Deus que você deveria estar aqui, que não poderia ter acontecido isso contigo, conosco, que não vale levar a vida assim, falo que isso precisava mudar, alego sua idade, seu jeito especial, seu coração generoso, sua capacidade de enxergar o futuro, de perdoar, de se doar, de amar, e digo a Deus que você só não conseguiu driblar a morte, e que para isso você devia ser considerado cafe-com-leite, ela te pegou, mas não devia valer...



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