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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

MEU CONTINENTE É VOCE

Saí  de casa, com um único objetivo, não passar ano no lugar que mais me lembra Rafael. Não sei explicar porque, eu simplesmente não queria, desde o inicio de sua partida me perguntava, onde e como sobreviverei a todos esses dias importantes e cruciais para todos os seres humanos sem meu filho, e nesse processo desvairado, só uma coisa não me saia da cabeça...suma.

Tentei vários roteiros e itinerários, a companhia, bem sempre achei que fosse ser a solidão, esta que tem sido cúmplice de minhas madrugadas e dias de coração muito apertado. Mas, segundo minha amiga Dea, Rafa ia mexer os pauzinhos para arrumar a companhia. Minha mãe foi usada e de forma heroica abriu mão dos filhos, todos, para que me acompanhassem na empreitada.

O destino, sinceramente não importava, só uma regra não podia ser quebrada, não iria para nenhum lugar que lembrasse Rafael, que tivesse estado com ele, ou que ele tivesse comentado que queria ter ido. Oscilei muito, pois as vezes queria voltar a Cancun e sozinha, revisitar minhas lembranças com ele, mas ainda não tenho estrutura para encarar esse desafio.

Dentre todas as opções conseguimos sair do país. Ato insano porque meu pais era Rafael, ele era meu credo, minha língua, minha nação.  Sua vida definia a minha em muitas situações e seu doar-se também me posicionava na escala evolutiva humana, conviver com ele, era evoluir a cada dia. Quando penso nisso, lembro daquela musica de Legião Urbana, que fala que os bons morrem cedo.

Em outro país um mundo novo se descortina, tantas coisas diferentes a conhecer, a experimentar, a analisar, a se descobrir. Sempre gostei disso, e Rafa também. A melhor coisa destes momentos, as fotos em família...nós quatro juntos. Mas quando vejo se ficou boa a foto, o angulo, a paisagem, e vejo que você não está ali, ou está apenas representado por minha camisa com sua foto, filho, aí percebo que em nenhum lugar do mundo isso pode ser amenizado. Nem mesmo aqui. Mesmo quando as pessoas não interrogam sobre o rapaz da foto, ou sobre minha historia, ou sobre qualquer coisa de nossas vidas, parece que está estampado na cara o tamanho da dor.

Apesar de ser uma desconhecida, ser mais uma na multidão, encontrei o primo de seu avô no El Cortes Ingles, e aos nos cumprimentar, ele falou da fatalidade em nossas vidas, falou de seu avô Leucio, e de seu bisavô, meu meu avô e disse é minha filha você tinha que sair mesmo, imagino a sua dor, vi o sepultamento, que bom que conseguiu sair. Desabei. Essa dor não se esconde de ninguém, nem mesmo quando nos escondemos do mundo.

Rio bastante com os meninos e as poses das fotos, tudo vira uma grandessíssima piada. Mas sempre tem alguma coisa que me lembra você. Vejo-os comentando o que levar para os filhos, me pedem opinião sobre os souvenires para eles, vejo Sidney escolher para sidinho, Fefe para as meninas, Lícia se preocupar se Boris está bem...e eu, ah filho, eu só engulo seco tudo, olho e não posso ter, vejo e não posso levar, sinto e não posso dizer, sofro e  não posso chorar, e então ao fim do dia, percebo que a dor e a saudade ainda sao combustíveis que corroem minhas esperanças, porque não adianta trocar de pais se você era meu continente.

Tenho dormido muito pouco, confesso que quanto mais me aproximo do réveillon, mas desespero enche meu coração.  Duas meninas de 16 anos pediram para ficar saindo conosco, viajam desacompanhadas e conhecem vários lugares. Como são as coisas, ando com desconhecidas, cuidamos, esperamos, opinamos, combinamos, e não posso estar com você.

As vezes sinto você tao distante e de repente um vento frio me abraça e acalenta meu choro nos passos árduos pelas ruelas, gosto de pensar que é você. Apesar de todo o sofrimento, longe ou perto, em casa ou fora dela...meu pensamento continua lá em você, nem demais, nem de menos, amando sem medidas mas presente em sua vida em todo o tempo que eu tiver, não importa em que mundo, se te sinto ausente ou presente, apenas sendo alguém que enche-se de você para suportar viver sem voce.

"Quero ser o teu amor amigo. Nem demais e nem de menos. 
Nem tão longe e nem tão perto. 
Na medida mais precisa que eu puder. 
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida, 
Da maneira mais discreta que eu souber. 
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar. 
Sem forçar tua vontade. 
Sem falar, quando for hora de calar. 
E sem calar, quando for hora de falar. 
Nem ausente, nem presente por demais. 
Simplesmente, calmamente, ser-te paz. 
É bonito ser amor amigo, mas confesso é tão difícil aprender! 
E por isso eu te suplico paciência. 
Vou encher este teu rosto de lembranças, 
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias..."
Fernando Pessoa



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