Total de visualizações de página

quinta-feira, 21 de junho de 2012

TUDO FORA DE LUGAR

Almocei as seis e meia da manha, senti fome, de ontem ainda, e depois não consegui sair de casa. Aposto que pessoas nesta empreitada de se reerguer também passam por isso.  Vontades que não se saciam. Quero atender telefones, mantenho-os desligados, não tenho nada de novo para contar.  Não vi o último filme, não assisti ao programa mais falado da Tv,  descobri 15 dias depois sobre o crime que chocou o país, sobre a fusão de uma empresa, sobre a construção da ponte na cidade, sobre as viagens de minha mãe por terceiros, sem noticias de meu irmão, tenho vontades, mas meu cativeiro é o melhor pior lugar onde ficar.

Não sei o que foi pregado na igreja nos últimos 03 meses, nem sei sobre o que se tem orado, não cumpro horários e compromissos, nem posso, não sei quando sentirei a próxima fome, e como substituir a refeição balanceada pela fatia de pizza congelada na semana passada, ou das remanescentes sobras da pizzaria no niver de Rafael, ou ainda quando troco uma xicara de cha ou leite por 10 jujubas de cafe da manha, as três e meia da madruga e depois da noite em claro, ou do sanduíche misto quente na hora do almoço, ou do cuscuz com ovo que dura a semana inteira em cima do fogão, sendo requentado quando sinto vontade, ou o copo de água com algumas pilulas de esquecimento.  Ou seja, tudo fora do lugar.

Ate poderia me organizar, voltar a almoçar com minha mãe enquanto ela estava aqui, voltar a estar perto, mas o medo de perde-la e a dificuldade de expressar o inferno em minha vida me repele da convivência...continua tudo fora do lugar. E agora, as cobranças me sobrecarregam, interna e externamente.

Descobri que estou sozinha e de certa forma livre para decidir o que fazer, e nunca me senti tão presa, tão aprisionada, tão sem direito de ser eu mesma, e ao mesmo tempo livre.  Como posso ser tão livre e não ter vontade de fazer nada, e ser a minha maior prisão. Eu não me sinto deprimida em casa, e sim quando tenho que encarar o mundo, e porque tem que ser o mundo o responsável a definir quando devo me expor...estou cansada...estou querendo ficar sozinha mesmo, preciso de um tempo e querem me convencer que uma lei é que determina minha melhoria. Engraçado, chegue para a pessoa que sobrevive a um terremoto e perdeu tudo e diga a ela que a lei a obriga a continuar. E que o que ela sente e combate não tem a menor diferença para o mundo, e não deve ter mesmo.

Hoje, noite em claro, macarrão, pela primeira vez em todos esses meses, fiz um macarrão e o devorei as seis da manha, minha ultima refeição tinha sido no sábado, nada descia desde então, exceto uma pipoca na madrugada do domingo para a segunda e na terça meio dia comi uma salgadinho e algumas batatinhas. O resto do dia em casa, forças nem para banho, nem para atender telefone, nem para ir fazer a extração do caroço nas costas, marcado par hoje, não consegui sair, porque...porque continua tudo fora do lugar, e as pessoas não entendem que não cabem a ela decidir onde eu porei as coisas, nem de que forma elas voltarão as prateleiras da vida ou ficarão soltas pelo chão dos meus pensamentos.

Sabe quando a gente contrata uma nova empregada e ela tenta mudar tudo em sua casa, a rotina, a capacidade de armazenar porque acha que te fará bem? Só tem um problema, não dei essa permissão, e a vida ainda é minha, e uma lei não muda meu estado.  Ela não vai estar lá quando eu precisar achar as coisas que ela mudou de lugar, e o tempo que vou levar procurando poderá me fazer desistir de tentar de novo achar.  Por exemplo, aprovar o aborto após o estupro, não impede o sentimento da vitima estuprada, as dores, a vergonha, o senso de injustiça e a raiva ainda estarão lá, e criará nela, outras situações que ninguém que está de fora sera capaz de mensurar, embora achem que estejam fazendo o melhor.

Isso tem me incomodado. No meu primeiro casamento, perdi três gestações.


A primeira, em 1997, recém formada em direito, fizemos a curetagem e voltei para casa, ouvia de minha avo e minha mãe, foi a melhor coisa que aconteceu, Deus sabe o que faz, e blablabla, tudo ali na minha frente, e continuaram falando vocês nem podiam criar outro filho, o colégio de Rafa atrasado, vivendo de aluguel, aliás isso não impediria ter tido outro filho, meu irmão tem duas, sem emprego fixo e relacionamento estável. Eu tinha as duas coisas, pelo menos naquele período.  Engraçado as pessoas interferirem dessa magnitude em minha vida e eu ali não ter me imposto. 


Chorava calada, talvez hoje tivesse uma criança de 14 anos, compartilharíamos a dor de ter perdido Rafa, tínhamos um ao outro. Depois em 1998, mais uma vez, gravidez de risco vim do Rio de Janeiro, onde estava trabalhando, vi em cadeira de rodas na antiga Vasp, fiquei internada tentando segurar o bebe, com quatro meses de gestação, mas perdi mesmo internada há 04 dias tomando remédios para mante-lo, de novo, a família dizendo, foi a melhor coisa que te aconteceu, e julgavam-nos em nossa condição financeira e nosso relacionamento instável, embora ainda não era tão certa nossa separação.

Precisávamos de ajuda profissional e espiritual, eu busquei, mas não era dos dois lados e as coisas foram se complicando, terceira gestação, perdida aos seis meses.  Fui ao chão, minha barriga já grande, Rafa curtindo e cada dia um nome bem original... chitãozinho e xororo, joao paulo e daniel...ainda bem que ele nao cogitou sandy e junior porque era apenas um bebe. Perdi novamente, e de novo só eu elaborava a perda, para os demais...foi a melhor coisa que aconteceu...nem quero crer que desejariam isso achando ser o melhor para minha vida.  Todos esses procedimentos com internação e curetagem.

Depois mais dois bem naturais...onde enfrentei sozinha sem apoio de ninguém. Até que chegou o pior de todos, um aborto manipulado por crenças e lavagem cerebral, num período de fragilidade emocional e muita chantagem.  Perdi de novo, com uma cirurgia de risco.  Quantas chances tive de ter outros filhos? Nenhum companheiro a altura para curtir a maternidade...apenas Rafa, meu guerreiro presente em todas as horas...tudo continua fora do lugar e esses fantasmas me perseguem ainda.

Trouxe Rafa pela primeira vez em nossa casa numa sexta feira, após cinco dias de maternidade. Sem baba ou enfermeira, sem apoio de ninguém que pudesse passar um tempo do dia conosco. Morava há 02 quadras de minha avó, ela aparecia para dar ordens a empregada (que resistia a fazer o trabalho de baba e por isso, apenas 02 meses ficou comigo, depois fiquei sozinha, com apoio da sogra até começar  a trabalhar,  Rafa com 09 meses e então os testes com empregadas).

E a vida foi se construindo, formatura, consultório, colégio de Rafa, emprego federal, sonhos que nunca realizamos, viagens nunca apenas nós três, sempre muita gente, nunca nosso espaço, minha casa não era dos meus amigos, nem de nossas famílias, tratamento autoritário conjugal  e o balsamo para tudo era aquele sorriso e simplicidade de Rafa andando de cuecas e meias pela casa. Seus beijos constantes  e sua tagarelice em todo tempo, preenchia as lacunas que  eu tinha. 

Ele me chamava de senhora, me dava beijo na porta da escola e uma encochadas na pia da cozinha, cocegas na cama e a melhor companhia para bater perna, sem cobrar nada em troca...viver sem isso, porque os outros determinaram que tenho que continuar no ritmo e no preço que julgaram oportuno.  


Quer saber...prestes a cometer uma loucura...quase que da minha vida cuido eu, o que e como vão justificar não é o meu problema, mas não posso ser penalizada por perder meu filho. Não o joguei naquela estrava, não paguei para ter animais sotos na pista, não permiti a condução da moto e  não estava bebendo junto com o suposto motorista envolvido no tranco do animal.

Vontade de fazer justiça com as mãos, sempre tenho... então lembro de Rafa dizendo...a justiça é de Deus...estou aguardando chover novamente sobre a minha tenda...apesar da ansiedade e cansaço em esperar.  Daria a Deus qualquer coisa para não estar vivendo tudo isso, e para estar mais perto de Rafa.  


Continua tudo fora do lugar Deus, e estão me obrigando a arrumar as coisas, no tempo deles, nas verdades deles.  Senhor, mostra a Tua verdade, e a Tua vontade...preciso de Seu milagre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário