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sexta-feira, 29 de junho de 2012

O CÉU FOI UM CONTO INFANTIL


Quando meu pai faleceu eu tinha doze anos, e não tinha a menor noção sobre a maioria das coisas da vida, apesar de achar, naquela época, que eu sabia o que significava pelo menos o significado de palavras como "mais nunca" e "para sempre". Até algum tempo depois do falecimento de meu pai, que essas palavras, nunca e sempre, passaram a ter outro significado.

Hoje foi um ida peculiar, tentei me fazer de forte e invadir a praia do Saco exigindo que as pessoas que testemunharam mentirosamente se retratassem no processo, mas minhas forças terminaram nas cinzas das primeiras fogueiras de São Pedro, que encontrei pelo caminho. Mas percebi novamente o que era nunca e sempre.

Enquanto toda a cidade, quiçá o nordeste comemorava esta data no dia 28, em minha casa a festa era dia 29, porque meu pai aniversario dia 30 de junho. Lembrei de nossas fogueiras, verdadeiras toras de madeiras resgatadas na caatinga da fazenda, que ele mesmo trazia no fundo da caminhoneta na semana anterior.

Naquela semana parece que tudo era festa em minha casa. Tínhamos mais fogos do que no Sao Joao, as comidas perfeitamente cuidadas por minha mãe, mesa farta, casa cheia, amigos de meu pai da época da escola, filhos todos juntos em alguns anos tínhamos o privilegio de meus padrinhos, tios paternos e meus primos. 

Meu Deus quanta saudade daquele tempo, em que eu nem sonhava sofrer desse jeito, em que o mundo tinha cor, cheiro e som, e uma alegria. Tinha anos que meu pai tirava a barba, e eu amava ele sem barba e bigode e meu beijo no olho, era assim que nos cumprimentávamos, era só meu e dele esse carinho. Meus irmãos não tinham isso. Tentei perpetuar esse comportamento com Rafa e falava sobre isso, mas Rafa um dia disse que não, que era só meu e de meu pai, ele queria um novo, e tínhamos nossos estalos nos ouvidos, e nosso beijo na testa.


Lembro do cuidado de meu pai, buscando a brasa na fogueira para que eu acendesse qualquer coisa, ele intervindo em minhas brigas com Sidney pelos fogos, ele rindo e se divertindo com os amigos e ele e minha mãe felizes. Era uma alegria tão diferente entre o aniversario de meu pai e o de minha mãe. O de meu pai, as vezes sem família alguma, a dele fora e a dela nunca comparecia, mas não fazia falta, na época eu não sentia. E os aniversários dela sempre cheios de família e com falta de alegria. Até que ficássemos nós quatro novamente, nesta época não tinha Fefe, e meu pai sempre a surpreendia, pelo menos é disso que lembro. Parece que depois de 27 anos quase de seu falecimento, são essas coisas que ficam para sempre. 


Meu filho não conheceu meu pai, e quando era pequeno sempre perguntava sobre ele, como era,   o que fazia, tinha necessidade de saber como ele tinha falecido, e eu nunca consegui falar toda a cena que eu vi, vendo-o morrer ali na minha frente. E eu sempre levava a conversa para falar sobre céu, afinal é assim que ensinamos as crianças, aliás é assim que nos ensinam, ate hoje me dizem que ele virou anjo e está me protegendo lá no céu.


Quando falávamos de céu, Rafa me perguntava como era e um dia eu disse que era um lugar maravilhoso e falei das ruas de ouro e tudo que se fantasia também sobre o céu, e Rafa disse se o céu é o melhor lugar do mundo, tinha que ser igual a casa da bruxa da historia de joão e maria, e eu atônita meu Deus casa de bruxa não filho, ele não mãe é só a casa sem a bruxa, porque se ela estiver no céu é porque ela virou boazinha, mas é tudo de bala, pirulito, doce e chocolate, e todo mundo bom, todo mundo é amigo de todo mundo lá. Então a gente parava de falar em morte e Rafa estava discutindo o que era para sempre, viver para sempre.


Hoje filho, você e meu pai, os grandes homens de minha vida, desfrutam o viver para sempre. Voltei para casa, hoje não era dia de fazer ninguém na praia do Saco falar a verdade à força, hoje era dia de mesa farta, amigos reunidos, celebrando a vida e agradecendo desde a véspera mais um ano de vida. Isso me fez lembrar novamente que nunca mais nesta etapa física vou ver meus amados pai e filho, mas que sempre, sempre vou ama-los.


Lembrei de quando entrei na sala de parto, depois que eu, minha mãe e o pai de Rafa lemos um verso bíblico, assim que fiquei sozinha pensei em meu pai, como gostaria de te-lo ali, e de dividir com ele a alegria de apresentar seu primeiro neto, do mesmo jeito que desejei ter seu colo na hora de devolver Rafa para Deus, mas ali no sepulcro pensei, meu pai toma conta de meu filho por aí, ele morria de curiosidade de conhece-lo, e chorou muitas vezes comigo essa saudade. 


Se o céu de Rafael fosse real, cheio de doces, hoje bem que o banquete poderia relembrar nossos aniversários e Rafa desfrutar um pouco de seu cuidado e de seu amor...foi um desejo meu que não durou para sempre, mas tempo suficiente de entender mais uma vez o que significa nunca.



 Eu e painho, uma de nossas ultimas fotos...eu tinha 11 p/ 12 anos.




Eu e meu filho, uma de nossas muitas fotos em festejos juninos...Rafa tinha 11 p/ 12 anos. Junho/2005.



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