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domingo, 23 de outubro de 2011

E NEM MIREI O ALVO PARA TAO PREMATURAMENTE ACERTA-LO.

É tão difícil hoje, 05 meses sem você, não falar de como meu dia foi tão doído pensando no que você não fez.  Não consigo traduzir agora todas as emoções, está tudo tão embaralhado, mas lembro muito de seus amigos, hoje foi prova do Enem. Nada saiu como planejamos, sonhamos e esperamos, não foi filho. Em todos os sentidos.

Eu queria tanto me sentir plena novamente. Plena de vida, plena com Deus, plena contigo.  Era tão bom quando me sentia forte o suficiente para brigar com o mundo por você.  Quando eu te achava indefeso o suficiente para te-lo em meus braços e só me desapegar quando tivesse certeza que já tivesse arrotado. Que insisti para amamentá-lo até quando você quisesse, porque era naqueles momentos sublimes, só nossos, que me sentia a mulher mais plena do mundo.

Enquanto você podia estar ao alcance de meus olhos e de minhas mãos, sentia-me a mulher mais feliz do planeta, acho que a plenitude de uma mulher pode ser descrita pelo ato sublime de ter dado a luz e ter carregado seu filho no ventre, e agora nos braços, nutrindo com leite e com sonhos de uma vida.  Acho que ali, nos sentimos um pouco mais perto de Deus, é uma simbiose tão grande entre mãe e filho, nos sentimos como o Criador, admirando sua criatura.

Mas a plenitude vai se transformando porque nossos braços e nossos colos não conseguem acompanhar todos os passos de nossos filhos. Tem uma hora que nosso leite que o nutriu e nossos sonhos que também o fizeram sonhar, começam a descortinar o mundo lá fora, e os limites de nosso ventre e de nossa casa se alargam. 

Descobri muito cedo que casa tinha que ser o lugar para gente voltar.  Os filhos vão em busca de seus sonhos, e a gente sonha um sonho novo, de que eles sempre queiram voltar para casa. Que a casa seja o lugar que eles queiram ficar, estar, na volta da alegria, da tristeza, da conquista, do cansaço, mas nem sempre é assim.

Tem deles que não voltam. Não voltam por escolhas. Não voltam por convicção. Não voltam porque construíram as suas. Eu conheci no dia 23/05/2011, que minha aproximação em relação a imagem criador-criatura, ruiu, conheci da forma mais amarga e intensa possível a impotência e os limites humanos.  Meu filho não voltou para casa. E até hoje paira a dúvida e os questionamentos.  Meu amor, meus braços, meu olhar ou meus conselhos foram incapazes de trazer meu filho de volta para casa.

Li hoje pela manha, a caminho do cemitério, num jornal que embrulhava as flores para Rafa - que em breve quero cultivá-las em casa, não importa agora o que os meus correligionários religiosos pensam disso, ainda não estou pronta para abandonar a carne ali, era a carne da pessoa que eu mais amava na vida-  uma citação de Kalil, que já conhecia, mas me fazia verter muitas lágrimas. Primeiro porque penso e eduquei Rafael com este propósito, ele não era meu. Mas meu coração, sinceramente acho que nunca acompanhou esse sentido.  Ou será que todos os pais estão mesmo prontos para devolver a Deus seus filhos, que não estão sofrendo por nenhuma doença nem te fazendo sofrer por nenhum comportamento ou opção?

A citação que trarei abaixo, fala que nossos filhos são flechas na mão do arqueiro. Como cristãos que somos, sempre acreditei que a flecha era Rafa, o arco Eu, e o arqueiro Deus.  Todos temos funções bem definidas neste processo.  Só que eu falhei. Não tenho mais flechas e a minha flecha foi para o alvo antes que eu tivesse pronta para devolvê-lo. Não sei se alguma mãe/arco fica pronto, em algum tempo.  Tem sido difícil entregar e descansar em Deus. Agradecer e louva-lo por ter levado meu filho, por ter me dado a permissão de velá-lo, por ter me dado condição de falar com ele horas antes por telefone, por ter abençoado, por ter falado de Deus e da palavra da igreja, por ter beijado antes dele ter viajado, tantos agradecimentos, tudo é um pouquinho consolador, mas a dor, ah a dor...ela é desumana e indescritível. 

Eu ouvi essa semana, que essa dor deixará uma cicatriz, mas que com o tempo a cicatriz não dói. Queria crer nisso e chegar a esse ponto hoje, mas sinceramente, ainda não consigo ver uma camisa do flamengo andando na rua e não pensar chorando, ou ver a placa do McDonald´s ou ir a Baviera da R de Arauá, ou passar na frente do Del Rey, ou ver a propaganda do Panico na tv, ou ver as coisas sendo conquistadas na vida dos amigos de Rafa e de todo mundo do mundo dele que tem me abraçado sem olhar para essa dor, esse buraco esse vazio e achar que um dia vai ser tudo uma cicatriz indolor.


Voltando aos seus amigos, fico a cada tempo pensando onde vão parar? Que direção tomarão enquanto flechas? Hoje pensei e desejei que cada um deles, que participaram do Enem tenham alcançado seus alvos.  Sou arco sobressalente, sem serventia agora, em reparo, olho a performance dos outros arcos/mães esperando seus filhos voltarem para casa depois de um dia cansativo de provas.

Hoje filho, ao cair da tarde queria ser flecha, e que meu arco/mãe, sua avó, estivesse pronta para mirar-me e eu alcançar o mesmo alvo que você, a casa do Pai.






"Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E, embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos.
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a Sua força para que Suas flechas se projetem rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:  pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável."
Gibran Khalil Gibran

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