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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

VOVÓ-DINDA É MÃE TRES VEZES!

Quando Rafael nasceu, seus pais pertencentes a duas famílias católicas praticantes, resolveram que com quatro meses de vida,  batizaríamos nosso pequeno, coincidentemente ocorreu no dia em que o Brasil foi tetra-campeão, um domingo de junho/94.  Tínhamos várias opções para padrinho e madrinha, porque tínhamos a convicção de que queríamos para padrinhos de nosso filho, parentes nossos, primeiro pela responsabilidade de fato assumida e já presumida pelo parentesco, e em segundo lugar porque provavelmente compartilharíamos os mesmos valores morais e éticos.

Rafael tinha vários tios ou primos potenciais para o batismo, mas sabiamente, o pai sugeriu que meu padrasto tivesse um vínculo mais estreito com o neto, que nunca foi neto torto, nós queríamos que a relação entre os dois fosse, como de fato foi, muito mais do que de um marido da avó. E convidamos meu padrasto e minha mãe para batizá-lo.

Rafa andou e falou muito cedo, e minha mãe, muito nova, disposta e com um tônus que até hoje surpreende por ser tão linda e tão bem vistosa, não engoliu com muita normalidade a ideia de ser avó, tendo sido mãe há apenas 03 anos, diferença de idade entre  Rafael e minha irmã caçula.  Minha mãe insistia para que Rafael a chamasse de Dinda, ou no máximo, vovó-dinda.  Em vão...ele enchia a boca e chamava um vovó tao pronunciado e emendava ainda o nome Vovó Lucia.

Certo dia num supermercado, Rafa insistia em chamar a avó e minha mãe desconversando para não admitir na frente de pessoas que há muito tempo ela não via, que aos quarenta ela já era avó. Rafa era sagaz, bem pequeno já foi emendando, e para conseguir o que queria foi falando, olhe vovó é você mesmo vovó de blusa "amalera". Foi uma gozação geral, ele nunca conseguiu ser habituado a chama-la de dinda, ele sempre a chamava de Vó, apesar de saber que ela era sua dinda.

Hoje pela manha ela me contou emocionada que ontem (21/08/2011), enquanto fazia supermercado chorava imaginando Rafael curtindo com ela por conta do cachorro que ela presenteou a minha irmã, e que sabemos que só a dobramos para admitir cachorro em casa, porque Rafa partiu.  A partida de Rafa produziu em nós a vontade de fazer coisas que não nos permitíamos antes, e que não são imorais e ilegais, mas que quando percebemos a iminência de perder temos a necessidade de nos apressar e fazer para não sermos surpreendido pela morte, e pelo arrependimento de não ter feito  (como eu, que sempre quis fazer a tatuagem, mas tinha medo e queria que ele ficasse mais maduro para poder também decidir sem se arrepender. Fiz depois de sua partida, e queria muito que ele tivesse visto, porque sei que teria ficado muito feliz com a homenagem).

Minha mãe começou a falar possíveis frases que Rafa falaria sobre o cachorro e a relação estabelecida com a família, e aquilo foi gerando uma saudade e uma ponta de arrependimento, porque ele sempre quis ter e eu nunca o apoiei com medo do apego e de mais um sofrimento que trazemos para a vida...a morte do animal. Os soluços não permitiram que conversássemos mais sobre o assunto a voz embragou e nossos olhos marejaram, silenciamos a conversa sobre Rafa, mas ficou em mim a necessidade de agradecer quão presente foi e tem sido em minha vida, e na vida de Rafael.

Rafa não a chamou de Dinda, mas dizia aos quatro cantos que vó era mãe duas vezes. E se valia dessa máxima para se relacionar com a avó. Ela era quem dava a mesada,  deu comida muitas vezes, ele amava uma charque no feijao que ela fazia e qualquer carninha mais desfiada, revesava comigo no hospital durante os internamentos de Rafael, presenteou com os melhores brinquedos, pagou três anos de escola, com certeza daria a carteira de habilitação, e fez sua poupança cujo cartão da poupança ele chegou a ver e ficou surpreso e todo cheio.  O enxoval de Rafa ainda pequeno, foi bordado em ponto de cruz pela vovó dinda.  Mas o maior bem que ela podia dar-lhe era o exemplo e o amor, e isso refletia na análise de Rafa, porque ele sabia que vinha de uma árvore guerreira e que era apenas mais um galho da seiva de Lúcia.  Rafa herdou muitas coisas da família, mas o que mais me chama atenção é que com sua partida, algumas pessoas veem semelhança entre o neto e a avó.

Pois é minha mãe, não deu para realizar muitos sonhos ao lado de Rafa, nem esse tão simples de te chamar de Dinda, mas uma coisa posso garantir, o amor que ele sentia por você, sempre tao comparado a um amor de mãe.  Rafa tinha um senso de justiça muito grande e podemos comprovar, em varias situações, a forma como ele torcia para que seus sonhos de família se realizassem.

Nas ultimas conversas do msn no histórico dele, onde ele contava planos para um grande amor, e dizia que ia conversar com a senhora e ia pedir para lhe ajudar no posto, claro que interessado em ter o próprio salario, em sair do esquema casa-colégio,  em buscar trilhar seu caminho e desbravar  o inicio da idade adulta, mesmo assim ele sabia o  quanto podia recorrer aos padrinhos, o quanto podia contar com a mãe duas vezes.  Acho que ele não percebeu que no seu caso, teria que ser mãe tres vezes... você era a vovó-dinda.

Eu já queria ter escrito antes só para você, minha mãe...e dizer muito obrigado por tudo, em especial pela avó que conseguiu  com maestria, nesta história tão sofrida, exercer com Rafael.  Eu durante muito tempo, te vi, minha mãe, como pai e mãe, e muitas vezes, exercendo o papel de avô e avó, sem desmerecer a dedicação de Roberto,  e ao ouvir a homenagem que Zé Ramalho faz ao seu avô que o recebeu em casa, quando perdeu o pai, queria que ficasse também registrado aqui, que para mim e Rafa, voce foi AVÓHAI.


Trecho de entrevista de Ze Ramalho, publicado no site http://www.viafanzine.jor.br/entrevista_ze_ramalho.htm, onde ele descreve qual é a razao de ter escrito a musica...Voce representou e representa isso para gente...educar para seguir os passos do bem e sabedoria para viver e conviver.  AMAMOS VOCE.





Via Fanzine: O que significa ‘Avohai’?
Zé Ramalho: Quando eu fiz esta música eu criei esta palavra. Ela significa avô e pai. É uma espécie de homenagem ao meu avô, que foi a pessoa que me criou. Ele fazia o papel de avô e de pai. Meu pai morreu muito jovem, nos açudes do sertão, morreu afogado quando eu era garotinho. Então foi meu avô que me educou, foi quem me ensinou a seguir o caminho do bem, a batalhar minhas coisas. Eu me inspirei na imagem dele. E me chegou a palavra [avohai]... Ao mesmo tempo ela é interpretada pelas pessoas que a ouvem das mais diversas formas. É uma coisa muito mística também, representa a continuidade da espécie, ou seja, passar a sabedoria de uma geração para a outra... O avô passa para o pai, que passa para o filho e aí por diante...


AVÔHAI
Um velho cruza a soleira
De botas longas, de barbas longas
De ouro o brilho do seu colar
Na laje fria onde quarava
Sua camisa e seu alforje
De caçador...
Oh! Meu velho e Invisível
Avôhai!
Oh! Meu velho e Indivisível
Avôhai!
Neblina turva e brilhante
Em meu cérebro coágulos de sol
Amanita matutina
E que transparente cortina
Ao meu redor...
E se eu disser
Que é meio sabido
Você diz que é bem pior
E pior do que planeta
Quando perde o girassol...
É o terço de brilhante
Nos dedos de minha avó
E nunca mais eu tive medo
Da porteira
Nem também da companheira
Que nunca dormia só...
Avôhai!
Avô e Pai
Avôhai!
O brejo cruza a poeira
De fato existe
Um tom mais leve
Na palidez desse pessoal
Pares de olhos tão profundos
Que amargam as pessoas
Que fitar...
Mas que devem sua vida
Sua alma na altura que mandar
São os olhos, são as asas
Cabelos de Avôhai...
Na pedra de turmalina
E no terreiro da usina
Eu me criei
Voava de madrugada
E na cratera condenada
Eu me calei
Se eu calei foi de tristeza
Você cala por calar
E calado vai ficando
Só fala quando eu mandar...
Rebuscando a consciência
Com medo de viajar
Até o meio da cabeça do cometa
Girando na carrapeta
No jogo de improvisar
Entrecortando
Eu sigo dentro a linha reta
Eu tenho a palavra certa
Prá doutor não reclamar...
Avôhai! Avôhai!


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