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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

UM OLHAR VESGO DA VIDA

Certa vez voltando de um dos cursos que ministrava no Rio de Janeiro, com uma turma de consultoras/educadoras/facilitadoras/ou tantos outros nomes que tivemos ao longo de nossas conquistas profissionais, dentro da empresa onde laboro há  17 anos e que hoje nao vejo sentido em voltar, esse episodio que vou discorrer ja fez mais de 12 anos, mas me peguei lembrando dele ontem a noite e vendo o quanto esta musica tem a ver com a minha vida hoje.

No retorno de nossa viagem para a capital carioca, vinhamos umas 10 a 15 mulheres compartilhando nossas experiencias de trabalho do fim de semana, que geralmente era em imersão em alguns hotéis fazendas nas cercanias do Rio, e depois do cansaço nós cantavamos algumas musicas durante o trajeto que durava cerca de tres ou quatro horas a depender do transito.  Numa dessas viagens, cantávamos músicas de cada regiao do pais e algumas tinham historias muito proprias.

Lembro de uma psicologa muito especial, carioca da gema, com uma vivencia de vida e uma alegria estonteante, admirava-a muito e amava ouvi-la contar sobre suas experiencias. Tinhamos coisas em comum, ela tambem so tem um filho unico, que goza de saude e desfruta a vida ate hoje com toda intensidade, graças a Deus.  Seu Tiago foi fruto de uma relação, de um casamento duradouro com um dos musicos e compositores boemios da epoca aurea da MPB carioca e de todos os movimentos musicais eclodidos nos anos 70/80.  Seu ex-marido, muito conhecido nacionalmente fazia parte de um grupo musical e que era muito comum se reunirem com a nata carioca dos poetas, musicos, artistas e pessoas que tinham a criatividade à tona. Um dia cantamos uma musica, TANTO AMAR, de Chico Buarque.

Eu amava cantá-la pela historia que ouviamos na voz da minha amiga. Ela nos contava que esse musica era a historia de uma das paixoes de Chico, que era muito galanteador e boêmio, e que a moça tinha estrabismo severo, ou como nos chamamos aqui, era zaroia. Eu ria imaginando uma pessoa como Chico na alta boemia, se relacionando com uma moça com o olhar vesgo e como essas historias de muitos homens juntos em ambiente boemio poderia virar uma coisa ridícula. Enganei-me pois Chico escreveu uma poesia belíssima, acho de uma sensibilidade incrivel e durante esses longos anos imaginei que amor era algo assim poetico e que conseguíamos, mesmo no defeito perceber a imensidao do que vale a pena.

Tambem me pus muitas vezes vivendo cada uma das estrofes da musica porque a acho tao singela, tao doce e tao forte, mas que hoje a vejo com outra vertente, a de olhos que não se cruzam, a de um olhar que não tem direção, acho que é assim que minha vida está.  Literalmente eu a vejo por um olhar vesgo.


Tenho um olhar de quem amou imensamente e se entregou a este amor sem reservas. Fui mae, amiga, colega, as vezes filha de Rafa, vivi imensamente nosso amor, nossa cumplicidade. Olho para nossa relação com carinho, as vezes com culpa, queria poder ter feito mais, muito mais, embora ache que fiz o que pude, mas sempre fica o olhar enviesado de que podíamos melhorar em alguma coisa.

Ouço  a musica e faço analogia aos olhares ali cantados e comparo ao meu momento, hoje as vezes sinto vontade de ir pra luta, outras tantas vezes - sinto dizer que na maioria delas -  de ficar prostrada na cama, hoje minha boemia, como diz a musica, na minha bodeguita.  Outras acho que sou capaz de enfrentar o mar, na maioria das vezes sei que o faroleiro ao colocar o farol sob mim, vou ficar tonta e desistir.

Mas o que mais me faz pensar na musica é que Chico fala que é na soma do seu olhar que ele se conheceria por inteiro, imagino dois focos que não se encontram, a não ser num ponto no infinito, só lá os olhos, ou os focos se encontram, também sinto que eu só era completa a partir da soma do olhar de Rafa,  sem os olhos dele, sem a direção de seu olhar, me sinto como o olho que sempre bóia, é como se a musica refletisse o meu desejo do encontro do olhar no infinito, mas não os dois olhos da mesma pessoa, mas os meus olhos e o de Rafa tambem terão encontro na eternidade e ali ele durará infinitamente. 


Rafa, paraodiando Chico, amo-te tanto e de tanto amar, não acho graça na vida, fico sempre a me questionar, se sem você ela vale a pena ser vivida. Sei que você nao ia gostar de me ver tao abatida, mas também sei que você ia imaginar que estou muito ferida. Os meus dias são longos para suportar sua partida e foram curtos para suportar nossa despedida. Amo-te tanto e de tanto te amar estou completamente perdida, olho em volta sabendo que nao posso nem esperar sua visita.
AMO TANTO, TANTO, TANTO.
Até já.


Tanto Amar

Chico Buarque

Composição: Chico Buarque
Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela é bonita
Tem um olho sempre a boiar
E outro que agita
Tem um olho que não está
Meus olhares evita
E outro olho a me arregalar
Sua pepita
A metade do seu olhar
Está chamando pra luta, aflita
E metade quer madrugar
Na bodeguita
Se os seus olhos eu for cantar
Um seu olho me atura
E outro olho vai desmanchar
Toda a pintura
Ela pode rodopiar
E mudar de figura
A paloma do seu mirar
Virar miúra
É na soma do seu olhar
Que eu vou me conhecer inteiro
Se nasci pra enfrentar o mar
Ou faroleiro
Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela acredita
Tem um olho a pestanejar
E outro me fita
Suas pernas vão me enroscar
Num balé esquisito
Seus dois olhos vão se encontrar
No infinito

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