Total de visualizações de página

terça-feira, 2 de agosto de 2011

LIMITES

Alguns assuntos de nossas vidas têm limites tênues entre o que é bom e o que é ruim, e a diferença na transformação de uma coisa para outra pode passar muitas vezes despercebidas. Hoje eu ouvi muitas coisas sobre limites, mas antes de falar deles, de seus excessos e de suas faltas, preciso esclarecer a diferença tênue entre algumas coisas que poderiam ser evitadas com limites.

Hoje também presenciei uma discussão entre dois personagens de tv que falavam que a diferença entre a vingança e a justiça, era que a vingança tornava o vingativo tão errado e criminoso quanto o culpado, pois aquele que sofreu a primeira ação, na tentativa de buscar a justiça, excede nos limites e na vingança busca uma reparação maior do que a justiça lhe concederia.

Penso em limites toda vez que lembro que perdi meu filho de apenas 17 anos na garupa de uma moto, sem o meu conhecimento, mesmo que numa atitude nobre, de buscar ajuda para si num hospital da redondeza sem incomodar nenhum dos adultos responsáveis por ele, e que essa atitude, típica de adolescentes que não têm os medos e maturidades da vida adulta.

Também me embrulho só de pensar que um misero capacete poderia ter o condão de lhe salvar a vida, e de como extrapolou o limite.   A unica coisa que não extrapolaram foi a velocidade, vinham  a 35 km por hora, na chuva, madrugada de um domingo e alguma coisa, ainda não provada na justiça, colidiu e interrompeu a viagem, ceifando a vida do meu menino.

Lembro de Rafa pequeno. Algumas surras necessárias, muitos castigos pelos motivos que achávamos necessários corrigir.  Rafael foi criado e em nossas casas sempre tive bibelôs e objetos de decoração, e na casa de minha mãe, e na casa de minha avó. Nunca os tirei, o ensinei a não pegar, a não mexer, a não quebrá-los.  Quebrou alguns copos e logo se desculpava, e queria de alguma forma reparar, mesmo já grande quando alguém quebrava e eu não estava e casa, era o primeiro a avisar, porque sempre disse, aconteça o que acontecer, mesmo que tenha certeza da punição fale, porque com certeza ela será menor do que se descoberta por outros meios. Rafael falava, e as vezes que era chamado atenção em cuidado com o copo, não pegue, deixe aí e ele não fazia, foi repreendido e não tornou a fazer.

Lembro das vezes que o deixava de castigo sem tv, sem video game, sem ir ao shopping comigo, sem sairmos finais de semana seguidos porque estava de castigo, para lhe mostrar limites.  Lembro de ter usado a vara algumas vezes, mas Rafael e eu combinávamos mais com conversas, com acordos e quando isso não cooperava com castigos.

Rafael chamava os mais velhos de tio, tia, vô e vó desde muito cedo, independente de parentesco.  Sabia o respeito que aprendeu, ainda no domingo dia 22/05 ao falarmos por telefone, na três vezes, tratava-me de senhora, disse que amava e pedia a benção.  Sinto falta todas as noites de seu boa noite e sua benção. Fecho os olhos neste momento e o imagino entrando aqui pedindo a benção, dando boa noite, pedindo para eu coçar suas costas e passando com algum lanche para o quarto...ele começaria o quarto turno, msn e telefone. Poderia ter sido castigado por isso, foi varias vezes em anos anteriores, mas este ano, não. Seu desempenho escolar, suas conversas mais maduras comigo e a fase de transição para a faculdade estavam muito presentes, era como se eu soubesse que aquilo estaria acabando. Reclamei varias vezes, mas no ultimo mês, nem tanto. Mas isso era falta de limites?

Descobri com a morte que muitos outros adolescentes tem o mesmo comportamento, somos todos pais que não impõem limites? E todos estes adolescentes estarão sujeitos a uma morte tão inesperada?

Aos 17 anos nunca fui advertida pelas escolas onde estudou por comportamento abusado, por briga, por bagunça, por comportamento ilícito, ou qualquer outro assunto que não fosse conversa em sala de aula, com os mesmos parceiros, amigos mais chegados que irmãos. Moramos em apartamento nos últimos 11 anos, em dois prédios diferentes, perdi as contas dos elogios de nossos vizinhos ao jeito educado e prestativo de Rafael.   

Ele não virou santo porque não está entre nós, nem foi uma criança que não enfrentou castigos e surras para ter os limites estabelecidos, mas era um argumentador nato, e foi assim que estabelecemos nossa parceria após seus 15 anos, ultima vez que o repreendi com a vara descrita na Bíblia. Quanto a castigo, bem ainda esse ano passou por alguns, sem celular, sem precaju, sem shopping, sem Saco, sem sair com o Tiozao, sem computador.  Ele sabia que os limites eram necessários e barganhava cada um deles e sabia quando tinha perdido.

Sempre achei que os limites que havíamos construído o livrariam do mal e o transformariam naquilo que Rafa foi, e é...um menino da paz, um menino do bem.  Não ensinei a não incomodar quando precisamos de ajuda, há uma diferença tênue entre não incomodar e ter orgulho para não pedir.  Esse defeito Rafael não tinha, não era orgulhoso, e tinha um coração tao absolutamente perdoador, que me ensinava muito sobre essas diferenças.

Rafa pediu ajuda, a outro Rafael e infelizmente, creio que a morte deles não tenha relação com falta de limites, pelos filhos que foram, pelas pessoas em que se transformaram.  Mas todo o limite que eu consegui impor em minha criação foi insuficiente para livra-lo da morte e nos livrar deste luto, porque o limite entre viver e morrer é muito tênue, e por mais que nos esforcemos para alcançar um ou outro, o controle está nas mãos de Deus, que pode salvar um suicida e chamar dois iluminados com 17 anos.

Estou neste momento tentando descobrir hoje limite entre a insanidade de viver sem Rafael e sanidade que suas lembranças e uma vida ao seu lado me trazem, independente do julgamento daqueles que acham que faltou limites, de repente, neste momento, também acho que possa ter faltado limite na língua


Nenhum comentário:

Postar um comentário