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terça-feira, 9 de agosto de 2011

ARRUMAR A MORADA SEM VOCE

Estou criando coragem para voltar lá, na verdade estou criando coragem para passar por estes dias, pois vou enfrentar o primeiro dia dos pais sem você. Simplesmente, não sei como vencer, penso em sumir, em fugir, em viajar, em me esconder das pessoas, e principalmente de mim, pois já não sei mais o que fazer, não atendo companhia, meus celulares desligados, só atendo o telefone de casa tarde da noite, e minha forma de comunicação é apenas através da internet, único lugar onde fico a vontade, pois não me vêem, não conseguem avaliar de certo o estrago que isso tudo provocou.

Pensei em ir lá, em tirar as flores velhas, em lavar, em colocar foto sua, suas datas, uma frase, um resumo de nossos dias, do valor do seu sorriso em minha vida, flores novas, nosso cheiro de casa limpa, adornar como sempre cuidei de nós e tenho cuidado de nosso canto, de nosso mundo, arrumar sua morada, mas você não mora lá. Que angustia, vontade de não fazer nada, em seguida de fazer alguma coisa para não demonstrar desleixo, abandono, ou qualquer outra forma de dizer o que você, infelizmente, não pode mais ouvir.

Tenho o mesmo cuidado de todas as semanas em casa, de arrumar seu canto, ver suas coisas, tirar a poeira, passar um pano com um cheirinho que não ataque sua alergia, só não troquei as roupas de cama, ainda costumo me deitar e sentir seu cheiro, chorar no travesseiro, beijar os mini travesseiros que te dei, meu filho, meu orgulho, e alisar seu rosto no quadro, cheirar suas roupas, passar a mão no seu mural, e pegar nas flores que depositei em sua escrivaninha e que me fazem lembrar que você não mora mais aqui.

Sabe filho, não sei o que fazer até domingo, em que mundo terei que me esconder, me esconder da minha dor de não ter pai, porque pais não são substituídos, não quando são bons, como o meu e o seu; me esconder de minha dor por você, pois sei que com você aqui, já era um dia difícil pois você não ficava comigo para estar merecidamente com o seu pai, com exceção de 2006, que por seu ato heroico e de cumplicidade em apoiar meu casamento, pagou o preço de ficar longe de seu pai naquele ano; e de me esconder do mundo por seu pai, pois não sei o que dizer a ele, imagino o quanto deva sofrer no domingo sem você  aqui.

Mas quero arrumar e manter arrumado as lembranças de suas moradas, nossa casa, sua morada emocional e o lugar onde descansam as suas memórias físicas. É estranho arrumar sua morada sem você, arrumar o que chamo de seu lugar sem você por perto, arrumar. Não sei como uma pessoa completamente desordenada poderá arrumar qualquer coisa, principalmente quando a avaliação que tem, o senso que lhe restou não lhe permite avaliar ou concluir absolutamente sobre nada, porque a sensação que tenho é que a desarrumação em minha vida não é passageira, que criou raízes e que terei que conviver desarrumada, embora me esforçando para arrumar, todos os dias que me restarem, na tentativa de por ordem na desordem de minha vida sem você. 

Sei que letras de bronze ou foto trabalhada corrigindo imperfeições de tom, de claridade, de sombras, ou ainda o mármore que delimita o espaço da morte, ou que frases de efeito ou concebidas no fundo da alma, no mergulho da dor, que nada disso fará da morada uma coisa especial ou menos sombria, mas sabe quando a mãe não descansa em buscar o melhor, as vezes me vejo criando sobre isso, logo eu, que sou completamente contra esses apelos religiosos e mercadológicos, me vejo, de forma intensa, lutando contra eu mesma para dar o melhor, mesmo nessas horas. Queria a melhor letra, a melhor grafia, no melhor metal, com as melhores pedras e mesmo que tudo fosse precioso, mais preciosa era o que ali estava findo, pelo menos neste plano, neste reino, nesta terra.

Também sei que não quero cultuar o lugar ou transformá-lo num altar de sacrifícios emocionais em nome de uma saudade insuportavelmente descrita em palavras e infinitamente banhada em lágrimas, todavia, contrariando o que pensava antes, não desejaria que a minha inercia em fazer alguma coisa ali fosse sujeito à interpretação de um lugar de tradução do abandono, de separação, de despedida, ou de coisa mal acabada. 

Só que hoje, fiquei de espreita olhei, avancei mas não o suficiente para atravessar a praça e decidir o que fazer, se terei coragem em mesma de limpar as flores, como tive de cuidar de tudo que é seu, e que é nosso por tabela, são quase nove da noite e continuo aqui olhando os muros cerrados, o céu pouco estrelado, e não vem nenhuma ideia que possa traduzir um pouco de você  porque vai ser muito difícil, resumir em palavras a vida que você viveu e a pessoa que você foi, e ao pensar nisso, imagino que a melhor lapide foi construída por você em vida e está depositada numa gavetinha em nosso coração, e nela não consta jaz, mas dorme, aqui dorme um amigo, o mais especial que tive. Durma filho, porque suas lembranças embalam minha mente e pensar na forma como você viveu hoje pode ser uma cantiga para ninar uma mãe, a sua mãe.

Dorme em paz, Deus te abençoe....como eu costumava dizer ao te abençoar ao telefone e antes de dormir.

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