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sábado, 21 de abril de 2012

UMA HISTORIA DE AMOR

Hoje fiquei determinada a ir ao Culto em Ação de Graças pelos 60 anos do Colegio Gremio Escolar Graccho Cardoso. Tenho uma divida de gratidão com essa familia. Se bem que quando amamos, não falamos em divida, não é obrigaçao, então eu tinha um compromisso de amor, profundo, sem pesar, um convite as águas tranquilas de minha infancia, como se eu me reportasse aquele balanço de pneu pintando de branco, onde Tio José me balançava (meu inesquecível Tio Macaco, como eu o chamava, tamanhas vezes que ele imitava para mim e me fazia rir por demais) ou na gangorra onde Tia Lalia me contava historias sobre letras e números e era capaz de inventar historias sobre o que dissessemos, ela sempre tinha uma coisa a ensinar. Ensinava brincando, com amor e diversão. 

Cheguei ao Graccho com quatro anos incompletos e pelas mãos de Tia Lalia conheci um mundo novo. Nunca tinha ouvido a palavra ballet, ela foi divulgar e convidar a turma, ainda com a jovem professora Iracema Maynard. Por influencia de Tia Lalia, fiz ballet por mais de 10 anos. Deste periodo de ballet no Graccho lembro de algumas viagens inesquecíveis na Kombi, onde eu e as outras crianças dividiam o carinho e o colo de Tia Lalia e de meu exclusivo Tio Macaco. Mas essa divisão sempre tinha resto no resultado e um numero incalculável no quociente, pois quanto mais se dividia aquele amor, mais amor eles tinham para dar. 

Passados 35 anos de minha estada no Graccho, eu lembro da textura dos azulejos floridos na escada da casa dos tios, porque também fui aluna de dormir na casa dos diretores, depois de cafe tomado, banho e camisola emprestada das meninas. Eu tinha um lar na escola, o Graccho era assim para mim. Não lembro de broncas, de gritos, de reclamação, de disciplina, de castigo, de copias ou repetições, acho que porque não tiveram. Eu lembro de alguns colegas que não encontrei pela vida, não lembro do nome de nenhum professor, mas lembro com exatidão de Tia Lalia, fecho os olhos e seria capaz de descrever algumas conversas. 

Lembro de ter sido Rainha do Milho, lembro de minha mãe me acompanhando no patio e mandando eu rir e me dizendo a marcação das poses. No Graccho dancei minha primeira quadrilha junina. Do Graccho eu lembro com saudade de uma infância amorosa conduzida por uma pessoas obstinada a plantar amor no coração de quem compartilhou com ela qualquer tempo de vida. Diria que seria impossível passar pelo Graccho e sair ilesa ao amor de Tia Lalia e a sua vocação de criar, cuidar e educar para a vida. Ao longo destes 35 anos em que fiquei longe fisicamente do Graccho, algumas vezes via ou sabia alguma coisa de Tia Lalia e ficava feliz porque as pessoas compartilhavam esse amor por ela. 

Joguei voleibol, participei de alguns eventos esportivos que ocorreram já na atual sede do Graccho, mas no antigo ginásio e encontrei com tia Lalia e a cada encontro, tudo que ela plantava me enchia o coração de novo. Lembro que perdi um jogo uma vez, eram quartas de final, ficamos com o bronze e o Graccho com ouro. Obviamente que eu não gostei de perder, mas doeu menos que no ano anterior que tinhamos perdido para outra escola, porque eu trabalhei minha cabeça de forma a pensar, não perdi para o Graccho, foi o time de Tia Lalia que ganhou de mim (ficava na conta do amor). Ganhei outras vezes do Graccho, inclusive ate na quadra do Graccho, mas eu nunca queria ver tia Lalia nestes dias, sei que ela ficaria feliz por mim, mas eu sentia culpa em faze-la sentir-se triste, sei lá. 

 Parei de ser atleta, e por conta de ter pulado dois anos no Graccho pelas mãos de Tia Lalia, aos 21 me formo em Psicologia na UFS (só para perceber, se eu nao tivesse perdido o primeiro vestibular para  nem o primeiro ano cientifico em física, teria me formado com 18 anos). Assim que montei consultório, Rafael já nascido com um ano e pouco, fizemos um projeto direcionado as escolas sobre orientação educacional, a chamada orientação vocacional. Trabalhei apenas com 04 escolas em Aracaju, escolhidas a dedo, pois eu não conseguia dar conta de atender a demanda. O Graccho, mais uma vez abriu as portas para mim, e então conheço Neto educador e percebo nele os genes dos pais aflorando no mesmo brilho e amor pela educação. Daquele dia em diante, mesmo já não precisando divulgar o projeto todo aluno do Graccho que chegou a mim, mesmo que eu não tivesse agenda para atende-lo tinha um cuidado especial, afinal de alguma forma tínhamos uma historia de cuidados especiais em comum...a família Graccho.

Percorri outros caminhos e em 2011 procuro o Graccho para matricular Rafael, no terceiro ano mas com dependências de materias do segundo. Neste dia, uma terça-feira de janeiro, Tia Lalia entra na Secretaria e nos olhamos e depois dela lembrar de muitos fatos ela lembra meu nome sobrenome e nos olhamos e sorrimos. Não sai do Graccho neste dia com a matricula, voltei ainda tres vezes, tempo de convencer Neto de abrir exceção e atender a dependencia de aluno do terceiro ano. Mas nos outros dias valeu ter voltado, revi Tia Lalia. 

Rafa saiu do Graccho na semana da matricula com uma certeza e um comentário do tipo "minha mãe, isso nao existe não, Tia Lalia ama mesmo", e me interrogou, como todo adolescente, perguntando quando eu estudei, como, por que saí. Tia Lalia o beijou, elogiou o jeito de Rafa e ele demonstrou preocupação em não conseguir a vaga, mas ela fazia isso parecer pequeno diante de todas as historias que nos contava. E falava com paixão, dos filhos, dos netos, dos ex-alunos, e nós a ouviamos, eu tinha o mesmo interesse de ouvi-la de quando eu tinha 04 anos. 

Rafael ficou impactado. Segundo ele,  extasiado dizia "minha mãe, não existe isso não, de lembrar desse jeito e falar desse jeito de aluno, é muito amor". E eu aproveitei a deixa e disse, pois é Rafa então faça por merecer todo esse amor porque aqui não é escola que ensina, aqui é família que educa. Saí do Graccho e liguei para minha mãe e comentei sobre como Tia Lalia estava forte, firme e ainda tao apaixonada por educação. Esperamos a resposta, e matriculei Rafa. 

Quatro meses e pouco depois da matricula, em sua missa de sétimo, eu li uma mensagem, sem saber quem estaria para ouvi-la, mas não poderia não agradecer as escolas que Rafael passou, mas a nenhuma eu agradeci por te-lo amado, só ao Graccho e desabafei, Rafael nao poderia estar estudando em outro lugar, ele precisava ser amado como foi no Graccho. 

Minha divida de gratidão cresce um juros impagáveis, nestes momentos dificeis. Eles estavam comigo nos meus piores momentos. Se fizeram presentes na porta o IML sete horas da manha, Neto e muitos, muitos alunos se mostravam solidários. Velório e enterro, direçao completa, coordenação, muitos professores e os colegas, em peso. Sexta-feira seguinte, missa na escola, eu nem sabia, mas seus colegas me disseram que foi feito 01 minuto de silencio em homenagem a um aluno de 04 meses de casa. Missa de sétimo, novamente choravam comigo, prepararam uma homenagem que eu por tao desligada e emocionada esqueci de apresentar. 

Não acabou por aí. Forro do Graccho 2011, Rojão diferente homenageia Rafael, a turma dele faz singela homenagem com palavras lindas numa foto de Rafa. Franquearam a sala de aula para que eu pudesse agradecer aos alunos e me deram os convites do forro, acho que se eu dissesse que queria levar a família inteira, eles estavam dispostos a proporcionar, agiram com uma generosidade que só famílias  têm, e nem todas.  Olimpíadas do Graccho, outra homenagem da turma, com o apoio e o aval da direçao. 

Mas o Graccho não me fortalece apenas no espeço físico da escola, fora da escola também me cercam de apoio e carinho. Encontro com Neto e Neyla no shopping ele fala da camisa de Rafa, eu levo uma para ele, ele usa na escola e posta no face palavras lindas que qualquer mãe gostaria de ouvir sobre seus filhos. Muitas vezes me cercam com mensagens de fé e otimismo, assim como os abraços de Lívia e Ana Lucia toda vez que me encontram.  Aniversario de Rafa esse ano, Neto comparece, usando a camisa, mesmo tendo que viajar naquela madrugada e me dá o presente de levar consigo seu filho querido, representando toda a família. Esse amor e dedicação é contagioso, a gente sente na familia Graccho. 

Sentimos na coordenação, com Neverson, nos professores (alguns professores mesmo após o falecimento de Rafa ainda conseguiam expressar a falta e a saudade, quando em ato falho liam o nome na chamada ou rezaram por ele, ou mantiveram foto dele no mural da sala, com o cuidado de alguns colegas) e nos alunos, como presenciamos, hoje,  na voz de alunas que ao declarar seu amor a escola e a Tia Lalia choravam copiosamente, levando muitos presentes na mesma emoção, na tentativa de dizer o quanto são preciosos para nós. 

O culto foi maravilhoso, uma reflexão sobre o Pai Nosso e uma disposição em agradá-Lo com nossas vidas. Um culto intimista, familiar e genuíno. Uma horas para agradecer a Deus os dons e talentos dispostos no sacerdócio de quem educa com amor. 

Algumas pessoas foram previamente contactadas para proferir uma mensagem aos presentes. Entre os preletores, uma pessoa especial para Rafa. Não sabia que eu estava ali, nem eu sabia que ele falaria ate que usou a palavra, e mais uma vez o Graccho me proporcionou um momento inesquecível. Sr. Alcides falou do amor de Deus e da necessidade de perdão. Fez algumas analogias, falou daquilo que nos mantem vivos, do sacerdócio de Tia Lalia e do amor do Pai para conosco e concluiu dizendo que toda honra e gloria se deve dar a Deus pelas bençãos derramadas na escola e nas famílias a partir do trabalho de Tia Lalia. E. em dado momento, ele falou de Rafael, e de como sua partida foi sentida por ele, e usou de uma comparação que eu nunca esquecerei. Pois é, o cenário para essa declaração de amor a Rafa, foi o Graccho, responsável também por Rafa conhecer os Ponce de Leon, sua miss Duda e seu parceiro Joãozinho, como ele o gostava de chamar. 

Neste ínterim sou grata ao Graccho por ter proporcionado a Rafael contato com tantas vidas incríveis. Claro que me emocionei ouvindo esse e todos os demais relatos de amor a família Graccho, até que Neyla me convida a falar, nem sei o que disse, porque eu só queria estar presente, tenho uma divida de gratidão, e quietinha em meu canto passei o culto pensando em como é bom saber que Rafa sentiu esse gostinho e desejando que muitas outras famílias possam sentir esse mesmo cuidado. 

Mas não consegui o meu intento de ficar ali quieta, tampouco tive coragem para negar o convite, e falei de meu amor e de meu eterno agradecimento. Nem percebi, e nem sei dizer como, mas minha calça rasgou de fora a fora em lugar que não tem costura, como se tivesse sido cortada a navalha, e eu não liguei, deve ter sido o maior mico, mas nem pensei, porque até nisso, sem estrondo nem alarme, Neylinha (como Neto a chama) cuidou de mim de forma especial e o que estava acontecendo com minha vestimenta não teve importância, estavam me cuidando e poderia me concentrar no meu foco, de só e apenas dizer ao Graccho (e a todos que fazem e se orgulham de fazer parte desta equipe) o quanto eu sou grata a Deus por ter sido amada e de ter visto Rafael perceber e usufruir deste mesmo cuidado.

Minha divida de gratidão pode ser traduzida por uma história de amor, a historia do Graccho, de amor a Deus, ao próximo e ao oficio que Deus os capacitou. 

Ao Graccho, por ter amado Rafa e compartilhado comigo momentos impares como o culto de hoje. Saudades de Rafa, porque estar no Graccho é lembrar dos 04 últimos meses de meu filho, meses recheados de muito amor.

Um comentário:

  1. Eu ouvi esta linda história contada por você, mas ainda assim foi bom demais ler outra vez. obrigado por partilhar conosco, nós seus leitores...

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